Relator do projeto do novo Código do Processo Civil (CPC), o ex-deputado Sérgio Barradas Carneiro, que deixou o PT no ano passado para se filiar ao PV, defendeu ser necessária uma mudança de mentalidade para que o CPC torne-se eficaz. Para o jurista, é necessário que se formem novos operadores do Direito, que valorizem a conciliação, mediação e a arbitragem. Sobre os últimos acontecimentos políticos em Brasília, o ex-parlamentar defende que as gravações entre a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula, divulgadas pelo juiz Sérgio Moro, não deveriam ter sido publicizadas.
Carneiro ainda aponta que a disputa jurídica foi politizada porque o Congresso Nacional não consegue dar mais resposta à sociedade. “Houve desvio de dinheiro público, isso é fato e já está comprovado. Tem pessoas julgadas e condenadas. Atualmente, Sérgio atua como secretário de Relações Institucionais da prefeitura de Feira de Santana, município governado pelo democrata José Ronaldo de Carvalho. Sobre o governador Rui Costa (PT), o ex-petista diz que sua fixação em querer derrotar o prefeito ACM Neto tem deixado o interior ressentido e diz que o secretário de Comunicação, André Curvelo, é quem sustenta a imagem do governo da Bahia.
Confira entrevista completa:
Tribuna da Bahia – Relator do projeto de novo Código do Processo Civil, o que faltou no novo CPC e não deu para colocar?
Sérgio Barradas Carneiro – O Código está cheio de institutos novos. Agora, ele só será eficaz se nós tivermos uma mudança de mentalidade, porque todas as faculdades de direito prepararam gerações e gerações voltadas para litigância e beligerância. É necessário que se formem novos operadores do direito, que valorizem a conciliação, mediação e a arbitragem. Em que o advogado bom seja aquele que saiba manusear esses novos institutos oferecendo aos seus clientes, no menor prazo possível, o resultado deles esperado. Acabar com esses recursos infindáveis que são utilizados de forma protelatória, punindo quem tem razão. O sistema judicial brasileiro, em regra, favorece quem não tem razão. Quando você compra um carro com defeito, um celular com defeito, ou alguém lhe deve dinheiro você não vai na Justiça. Só quando você perde a paciência que você ingressa em juízo e aí começa um martírio na vida de todo mundo pela burocracia e pelos prazos. Precisamos mudar isso, mas também com uma mudança de mentalidade. A conciliação, mediação e arbitragem não podem ser matérias optativas nas grades curriculares das faculdades de Direito. Elas têm que ser matérias obrigatórias.
Tribuna – Como avalia o vazamento do diálogo entre a presidente Dilma e o ex-presidente Lula? Houve exagero por parte do juiz Sérgio Moro em torná-lo público?
Sérgio – O juiz Sérgio Moro, que vinha bem até esse episódio, terminou mandando liberar às pressas o conteúdo dessas gravações, inclusive gerando celeumas com relação ao horário em que ele próprio tinha determinado cessar as gravações. No final das contas, colheu a figura da presidente da República, que tem foro privilegiado. Entretanto, o ex-ministro José Eduardo Cardozo, em idêntica situação, quando o ex-senador Demóstenes Torres tinha foro privilegiado e foi alcançado em uma conversa com Carlinhos Cachoeira, esse grampeado, e o ministro Cardozo afirmou não ter problema algum. Mas, o que deve valer para um, teria que valor para outro. A minha opinião pessoal, entretanto, é que as gravações não deveriam ter se tornado públicas, deveriam ter sido enviadas ao Supremo na hora que foram colhidas da presidente da República e não aprovaria a liberação de outras pessoas, como familiares do ex-presidente Lula, que não tinham nada a ver com a história e foram colhidas em conversas íntimas.
Tribuna – A disputa jurídica politizou? Como enxerga esse processo de judicialização no país?
Sérgio – O Congresso Nacional não consegue mais dar respostas à sociedade. O que o Congresso faz e decide, deveria ficar decidido. Entretanto, começaram a judicializar a política e o Congresso perdeu muito da sua condição de legislador. O país se encontra dividido em uma falsa dicotomia entre petralhas e coxinhas. Nem todo o PT é feito de pessoas que tenham cometido erro. A maioria absoluta, e posso dizer isso, não sabia o que a cúpula fazia. E, do outro lado, estigmatizam como coxinhas, pessoas que teriam suas necessidades básicas atendidas. Mas, na verdade tem pessoas desempregadas, de todos os segmentos sociais. E tem pessoas que não estão nem aí para essa disputa e só querem a apuração dos escândalos. Tem coisas que não dão para negar. Houve desvio de dinheiro público, e isso é fato, já estando comprovado. Tem pessoas julgadas e condenadas. O que o país precisa é de tranquilidade nesse momento. Como disse o ministro Edinho Silva: ‘vamos baixar o tom ou esperar o primeiro cadáver?’. Um alerta extremamente importante. As pessoas podem fazer defesa das suas teses, mas não partindo para agressões, baixarias. As redes sociais estão tomadas de baixarias e agressões. A força do argumento deve prevalecer sobre o argumento da força. É preciso que as pessoas entendam que quem cometeu um erro, tem que pagar por esse erro. A lei vale para todos. No regime democrático, em um país civilizado, a lei vale para todos, independentemente do cargo que exerceu ou exerce.
Tribuna – Qual será a saída para a crise e quando ela deve acabar?Sérgio – Essa crise é apenas mais uma. Quem já assistiu a CPI dos Anões do Orçamento, o impeachment de um presidente, o mensalão, julgado em rede nacional, enquanto acontecia o petrolão, e mesmo depois da Lava Jato deflagrada, soube do pagamento de propina, não pode acreditar que seja o último escândalo. Na sexta-feira foi deflagrada mais uma etapa da Lava Jato e trazem de volta outros personagens que estavam recebendo dinheiro, como se tivessem comprado seu silêncio. Estamos conversando agora e não sabemos se novos fatos vão surgir. A cada dia somos sobressaltados com novas evidências e novos fatos. Parece que agora não há um limite temporal para trás, ou seja, até o passado no Brasil é incerto.
Tribuna – Como vê o rompimento do PMDB e uma possível aproximação com o PSDB?
Sérgio – Os que são favoráveis ao impeachment precisam ter 342 votos para que ele aconteça. A rigor, o governo não precisa ter sequer um voto. Se o placar for de 341 votos a 0, não se alcança o impeachment. Eu já vi na história do Brasil, com o povo mobilizado para aprovar a emenda das Diretas Já, do Dante de Oliveira, e o Congresso não aprovou. É importante lembrar esses fatos históricos. Às vezes, o Congresso Nacional se mostra dessintonizado das aspirações populares. Outro exemplo foi o impeachment do Collor. Muitos deputados se esconderam, ficaram nos seus gabinetes, não responderam a primeira chamada, e só depois de atingir o quórum, eles voltaram e bradaram questões de ordens, pela ética, a favor do impeachment, mas isso só na segunda chamada. É preciso, primeiro, saber se o impeachment será alcançado e, a partir daí, poder discutir um hipotético governo Temer ou ele não sendo alcançado, como seria a continuidade do governo da presidente Dilma tão baleado, com tantos problemas que vem apresentando até agora, agravado por esse processo de impeachment.
Tribuna – Acredita que o atual cenário é mais favorável para o impeachment e a substituição de Dilma por Temer?
Sérgio – É imprevisível. De um lado, o governo opera, mapeando e revertendo situações. Por outro, acontecem revelações que surpreendem a todos e desfazem todos os esforços feitos no dia anterior. O quadro hoje é totalmente imprevisível.
Tribuna – Saindo a presidente Dilma e o ex-presidente Lula preso, a corrupção acaba no Brasil?
Sérgio – Infelizmente, como brasileiro, não acredito. Em determinados países, como os Estados Unidos, por exemplo, você tem a pena de morte e nem por isso as pessoas deixam de delinquir. A cultura do Brasil é a cultura do jeitinho brasileiro. Não tem aquela cultura que tem a Suécia, Finlândia, no próprio Estados Unidos, que não têm esse jeitinho brasileiro. Agora, tudo isso poderia ser minimizado se na hora do voto, os bons candidatos fossem escolhidos em detrimento dos maus candidatos. O povo foi à rua em junho de 2013, mas em outubro de 2014 elegeu o pior Congresso que nós tivemos até agora, onde o próprio presidente responde a processos e se diz que 150 deputados têm a situação semelhante à dele [Eduardo Cunha]. Na hora do voto as pessoas que vão para as ruas, ou engrossam os 30% que votam em branco, anulam o voto ou se abstém, ou batem no peito e dizem que votaram, mas se limitam a dar apenas o seu voto, enquanto os compradores de votos, com apenas uma pessoa, um cabo eleitoral, conseguem mil votos. Houve manifestações em 400 municípios. O Brasil tem 5.570 municípios, ou seja, em 5.170 municípios não tiveram manifestações.
Tribuna – Há uma solução nesse contexto de corrupção no país?
Sérgio – É preciso efetivamente que se cumpra a lei. O juiz Sérgio Moro começou a surpreender o Brasil usando as leis que estão aí. Ele apenas fez valer as leis e imprimiu uma celeridade, que é uma promessa constitucional da duração razoável do processo na sua atuação. Se houvesse uma punição para esse prática de compra e venda de votos, se os processos não demorassem tanto nos tribunais eleitorais para ser julgados, se os candidatos ficha sujas não obtivessem liminares que permitissem candidaturas subjudice pois, ao final, seus votos são jogados fora porque são apurados de forma separada e invalidados. Isso seria um início. Outra providência serio a aprovação das 10 medidas propostas pelo Ministério Público Federal. Entretanto, tudo poderia ser minimizado com o voto de qualidade. A pessoa indignada não deveria votar em branco, anular, se abster ou vir com essa história de que todo político é igual. Essa generalização é falsa. Do mesmo jeito que há bons e maus advogados, juízes, empresários, jornalistas, professores e estudantes, existem também os bons e maus políticos. E quem tem a capacidade de discernimento é quem melhor poderia separar o joio do trigo e influenciar a sociedade na direção dos bons candidatos. Se existem bons parlamentares lá, ainda que a minoria, porque a sociedade não tenta inverter essa situação? Essa é uma solução melhor do que qualquer lei. O poder emana do povo e na democracia representativa em seu nome será exercido, mas exercido por você e não outra pessoa que escolhe. Todos nós temos direito ao voto.
Tribuna - E Eduardo Cunha? Até quando ele terá fôlego e o que sustenta ele e que lhe dá tanto poder?
Sérgio – O tempo do direito é diferente do tempo político e do tempo que as pessoas querem. O juiz Sérgio Moro aparece porque é ele quem sentencia. Na verdade, a Operação Lava Jato é todo um trabalho que passa pela Polícia Federal, que investiga, e pelo Ministério Público, que analisa a investigação e oferece a denuncia. O Moro decide em cima daquilo que os promotores pedem. Ele não atua sozinho. A Justiça tem todo esse tempo para poder instruir o processo. São tantos casos. O ministro Teori disse que quando se puxa uma pena e vem a galinha inteira. Então se trabalha com a prioridade do dia. E Sérgio Moro é um juiz que imprime celeridade nos seus casos, mas Eduardo Cunha tem foro privilegiado, não está na área de competência do Moro. Se estivesse, já poderia ter tido algum tipo de punição. Entretanto, a esposa e a filha não têm foro privilegiado. Pode ser que, alcançadas pela lei, ele possa se apressar e fazer uma delação premiada em que a condição seja o afastamento de algum tipo de punição para a mulher e a filha.
Tribuna – A Justiça vai pegar os quase 60% de parlamentares citados direta e indiretamente na Lava Jato?
Sérgio – Possivelmente, e aí vai haver a discussão da questão do foro privilegiado, um resquício da ditadura. Quando os parlamentares eram cassados pelas suas opiniões, buscou-se no Supremo Tribunal um refúgio. Mas, em um regime democrático não se justifica esse foro privilegiado. Isso de foro privilegiado ser julgado no Supremo não tem nada de privilegiado, pois não há instância recursal. No mensalão, por exemplo, buscou-se no instituto dos embargos infringentes a possibilidade de se fazer uma revisão da pena original. Assim foi feito e se conseguiu diminuir de alguma forma as penas. Os embargos infringentes foram suprimidos no novo Código de Processo Civil, no meu relatório. Ou seja, quem for julgado daqui para frente terá que buscar outra forma para uma segunda apreciação, porque os embargos infringentes não existem mais.
Tribuna – O PT sofrerá impactos nessas eleições diante das crises em que está envolvido?
Sérgio – As eleições municipais têm um componente muito forte que é a realidade local. Pode ser que o PT e seus aliados sofram alguma consequência nas grandes cidades, mas nas pequenas ainda prevalece a realidade local. Mas, mesmo nas grandes cidades, o PT tem demonstrado uma capacidade de mobilização muito grande. É um partido que não pode ser subestimado. Estive nele por 16 anos e sei da força da sua militância. O maior patrimônio que o PT tem é a sua militância.
Tribuna – De alguma forma você se sente traído pelo PT?
Sérgio – Não. Uma pessoa só não me queria na vida pública e tinha um poder decisivo. Na medida em que não me senti útil, busquei novos ares para que pudesse continuar defendendo aquilo que sempre defendi ao longo de 33 anos de vida pública. Sempre tive uma acolhida e um respeito muito grande pela militância. Muitos tentaram interceder a meu favor, não entendendo como um quadro com o meu currículo não era utilizado, de forma que houve um divórcio amigável e cada um seguiu seu destino.
Tribuna – Quais afinidades hoje o aproximam do prefeito ACM Neto e do prefeito José Ronaldo?
Sérgio – Ambos trabalham com extremo rigor orçamentário e zelo com as finanças públicas. Zé Ronaldo é um administrador já testado e aprovado. Ele lidera um grupo que tem quatro vitórias consecutivas nas eleições municipais. E o prefeito ACM Neto foi uma grata surpresa positiva de administrador, tendo em vista que ele só havia sido experimentado no parlamento, onde teve mandatos com destaque. Contudo, os poderes têm naturezas diferentes. Um legisla e o outro executa, mas ele provou que se saiu bem nos dois. De forma que o PV, mesmo sendo um partido de esquerda, no sentido da cultura da construção coletiva, das teses que defende, ele respeita as realidades locais e não se submete a outros partidos. O PV em Anguera, por exemplo, vai apoiar o PT, mas em Feira e Salvador decidiu seguir ACM Neto e José Ronaldo, do DEM.
Tribuna – Qual a sua avaliação do governo Rui Costa?
Sérgio – Vítima, como todos os prefeitos e governadores do Brasil, do descalabro econômico que reduz as receitas, trabalha com os recursos de empréstimos externos, dada a capacidade de endividamento do Estado. Mas, isso o limita a aplicações específicas, como é o caso das estradas. Com a receita própria, não tem margem e foi uma grande vitória não atrasar o funcionalismo e pagar o 13º salário em 2015. O interior se ressente, portanto, da falta de investimentos, principalmente por conta da sua fixação em derrotar o prefeito ACM Neto. E o melhor secretário dele é o André Curvelo, pois embora Rui tenha sido deputado e secretário, não era tão conhecido do grande público. O André está escrevendo as páginas em branco e o faz, obviamente, com a competência habitual. O tempo se encarregará de dizer o que é verdade e o que não é.
Colaboraram: David Mendes e Fernanda Chagas