Integrante do Partido Verde (PV) desde janeiro, quando deixou o PSDB, o senador Álvaro Dias avalia que o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) pode trazer certa “decepção” no primeiro momento. Isto porque, com a saída da petista, quem assumirá a presidência será o vice Michel Temer (PMDB).
“Eu não alimento expectativa de que teremos muita mudança depois do impeachment. [...] Minha esperança é o voto, por isso o calendário [da mudança] aponta para eleição de 2018, que será histórica e fundamental para o futuro do país”, analisa. Ainda na entrevista exclusiva, o senador sai em defesa do “quase” conterrâneo o juiz Sérgio Moro, responsável pelo processo da Lava Jato na primeira instância. Álvaro Dias nasceu no interior de São Paulo, mas foi criado em Maringá, no Paraná, onde nasceu o magistrado.
“Ele é absolutamente isento. Não há nenhuma relação dele com o mundo da política no Paraná. Eu sei das suas origens”, assegura. Para o senador, o ex-presidente Lula mostrou que tem medo da “nova” Justiça ao ironizar o juiz Sérgio Moro dizendo que foi fundada uma “república de Curitiba”.
Confira entrevista exclusiva à Tribuna da Bahia
Tribuna – Como o senhor vê esse momento de tensão política no país? Como avalia a divulgação dos diálogos entre a presidente Dilma e o ex-presidente Lula?
Álvaro Dias – É um momento de tragédia política sem precedentes na nossa história e que pode se constituir no marco de um novo rumo para a vida nacional se nós tivermos responsabilidade e o mínimo de competência para depois da Operação Lava Jato construir um novo modelo de governança para o Brasil. A questão do vazamento é interessante, porque se discute mais o legalismo, se o grampo e a divulgação do conteúdo é legal ou ilegal. Como político de oposição, prefiro me prender ao conteúdo que é gravíssimo e que não pode ser ignorado. A questão legal será julgada definitivamente pelo Supremo Tribunal Federal. O conteúdo revela uma estratégia do governo já conhecido. Então, é uma confirmação da estratégia de obstrução do trabalho da Justiça. O conteúdo de todas as gravações demonstra que o ex-presidente e, inclusive, a presidente Dilma se preocuparam em orientar a condução desse processo de investigação para a sobrevivência do grupo político no poder.
Tribuna – Os diálogos chocam. Qual o objetivo dessa divulgação, no momento em que o ex-presidente Lula assumiria uma função estratégica no novo governo Dilma?
Álvaro Dias – Podemos fazer várias ilações. Certamente, não teremos a convicção plena, já que se trata de uma atitude do juiz Sérgio Moro, que tem a maior respeitabilidade e a conquistou pela sua conduta de combater de forma implacável a corrupção. Ele vem conduzindo esse processo com inteligência, eficiência, agilidade e é difícil apontar qualquer erro cometido por ele. O objetivo foi evitar que a estratégia de obstrução da Justiça tivesse êxito. Se antes estava implícita essa estratégia, ficou explicita com essas gravações. O juiz Sérgio Moro foi mais rápido do que a presidente. Utilizou esse instrumento para combater essa estratégia de obstrução da Justiça que se consumaria com a nomeação do ex-presidente Lula.
Tribuna – A disputa jurídica politizou? Como o senhor vê esse processo de judicialização que acontece no país?
Álvaro Dias – É inevitável que as interpretações possuam vertentes diferentes dependendo do intérprete. Se há aqueles que afirmam que há uma judicialização da política, do outro há quem afirma que ocorre a politização da Justiça. Então, há aí um confronto de interpretações. Prefiro repetir o que já disse: o mais importante é observar a causa. A causa é a corrupção. E a causa é esse modelo de corrupção, de balcão de negócios que se instalou no Brasil desde o início do governo Lula, que se tornou uma usina de grandes escândalos. Esse modelo foi clonado e transplantado para estados e municípios. É o modelo do aparelhamento do estado, do loteamento dos cargos, da barganha com recursos públicos, estabelecendo essa relação promíscua entre os poderes e o setor privado. Esse modelo é a causa de todos esses escândalos e da crise que é política, ética, e que se tornou econômica e social. Esse modelo que tem que ser combatido. Como político, tenho que deixar um pouco esse preciosismo jurídico, o legalismo exacerbado para focar na causa da crise que nós estamos enfrentando.
Tribuna – Quem lidera a república de Curitiba que foi criticada pelo ex-presidente Lula nas gravações? Existe uma motivação política por trás das decisões do juiz Sérgio Moro?
Álvaro Dias – O ex-presidente Lula inaugurou uma nova república, a república de Curitiba, para a honra dos paranaenses, porque o que ele revelou ao tentar ironizar foi o medo dessa nova Justiça, que está nascendo exatamente no Paraná.
Com a república de Curitiba, com o juiz Sérgio Moro, a Justiça passa a alcançar a todos, inclusive, ex-presidente e presidente da República. Em relação ao juiz Sérgio Moro, ele é absolutamente isento. Não há nenhuma relação dele com o mundo da política no Paraná. Eu sei das suas origens. É de lá da minha cidade Maringá, estudou na nossa Universidade de Maringá. E nunca teve qualquer relacionamento com o mundo da política. A vida dele foi no campo do Direito desde o início. O comportamento dele é implacável do ponto de vista da imparcialidade.
Tribuna – Os nossos direitos constitucionais estão garantidos? Ou há algum tipo de risco nesse momento de instabilidade que a gente vive?
Álvaro Dias – O que gratifica nesse momento é a solidez e a independência das nossas instituições. E isso garante a consagração dos preceitos constitucionais. As instituições a que me refiro são a Polícia Federal, Ministério Público, a Justiça, em todas as instâncias da primeira até o Supremo Tribunal Federal. Nesses tempos nervosos, essas instituições estão se reabilitando. A descrença atingia e hoje nessa crise, esse é o ponto positivo, essas instituições estão sendo reconstruídas sobre os escombros dessas descrenças generalizadas. Essas instituições alimentam a esperança, por isso a população tem ido para as ruas. Se a população vai para as ruas na proporção que vem ocorrendo é porque acredita na mudança, tem tido fé de que é possível construir um país, onde corrupção e impunidade não sejam as regras.
Tribuna – Esse é um cenário que a gente pode acreditar? Ou é utópico?
Álvaro Dias – As instituições estão fazendo a parte delas. Espero que a conclusão [das investigações] seja com a mesma eficácia que nós observamos até agora. Se isso ocorrer, essa parte está realizada. Ou seja, a tarefa está cumprida. Aí vem uma tão importante quando essa que cabe ao mundo político. Depois da Operação Lava Jato, temos que formatar um modelo de governança compatível com esse novo tempo. Ou seja, expulsando esse modelo corrupto instalado no qual a governabilidade rima com promiscuidade. Não acredito que para governar o país precisa instalar esse balcão de negócios. Então, repito: vivemos a fase decisiva para a construção de um país sem tanta corrupção e impunidade.
Tribuna – Qual a saída para a crise? Quando o senhor acredita que ela acaba?
Álvaro Dias – Olha, o calvário se prolonga. Não há perspectiva de solução a curto prazo. Aqueles que acreditam que o impeachment será a solução podem se decepcionar no primeiro momento. Imagino que a solução virá pelo voto, que é alimento da esperança de que é possível mudar o país. Acredito, portanto, que se tivemos uma competição eleitoral competente em 2018, possamos estar iniciando um processo de mudança real no país. Vai depender desse processo eleitoral de 2018.
Tribuna – Há mais chance da presidente Dilma deixar o cargo pelo impeachment ou por uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral?
Álvaro Dias – A resposta mais completa seria o julgamento do TSE porque implicaria em novas eleições. No entanto, esse caminho é mais tortuoso. Terá um itinerário que se prolongará, porque na área judicial, além dos procedimentos protelatórios, há que se contar também com a estratégia recursal. Isso leva tempo e por isso acredita-se que no impeachment o processo será mais rápido. É claro que não é a solução ideal, porque repito: poderá ocorrer uma decepção, uma vez que o sócio majoritário desse governo é que assumirá o comando das ações, tendo à frente o vice-presidente Michel Temer.
Acredito que essa expectativa para ser atendida precisará de pouco mais tempo.
Tribuna – Há espaço para um pacto pela governabilidade, envolvendo extremos?
Álvaro Dias – O pacto pela governabilidade é que se fez no Brasil nos últimos 13 anos, enquanto tivemos uma coalização dessa dimensão, praticamente todos os partidos cooptados através desse modelo de corrupção. A oposição foi reduzida a insignificância. Nunca tivemos uma oposição tão raquítica como a dos últimos anos. Talvez, a menor da nossa história, poucos ousarão fazer oposição. Então, quando se fala em pacto pela governabilidade tem que ser com a sociedade, os partidos estão desmoralizados. Eles são responsáveis por dar sustentação ao que um antigo procurador da República chamou de organização criminosa, que idealizou um complexo e sofisticado esquema de corrupção em nome de um longo projeto.
Tribuna – Quem garante que com a saída da presidente Dilma e a prisão do ex-presidente Lula, esse modelo não vai continuar?
Álvaro Dias – Essa é a razão de afirmar que o impeachment por si só não é a solução para a mudança que a população deseja. E o que pós-impeachment pode significar a decepção porque o sócio majoritário vai assumir as rédeas do governo. Não tenho a percepção que isso pode significar a mudança nos termos que a maioria deseja.
Tribuna – O senhor teme o acirramento dos protestos?
Álvaro Dias – O comportamento das pessoas nas ruas tem sido exemplar. Fiquei admirado. Não creio que possa ocorrer violência, que se justifica pelo desespero daqueles que querem a sobrevivência política. Estão angustiadamente lutando pela sobrevivência na esperança de manter as benesses que adquiriram nos últimos anos.
Tribuna – Até quando o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha, terá fôlego para se manter?
Álvaro Dias – O processo de cassação do mandato caminha paralelamente ao do impeachment. E ele [o processo de cassação] pelo cronograma deve ser concluído antes do impeachment, que ainda vai para o Senado. Então, a solução do caso dele ocorrerá antes.
Tribuna – Quando a gente consegue sair desse mar de lama que estamos todos envolvidos?
Álvaro Dias - Minha esperança é o voto, por isso o calendário aponta para eleição de 2018, que será histórica e fundamental para o futuro do país.
Tribuna – O senhor será candidato e deve apresentar um projeto para o país. De que forma o senhor começa a trabalhar isso?
Álvaro Dias – Sempre advoguei o modelo democrático de escolha, então, prefiro não me antecipar em relação à candidatura. O partido tem vocação para oferecer alternativas. Temos o dever de mostrar alternativa para solucionar os problemas.
Tribuna – O PSDB também foi atingindo nessa delação do senador Delcídio do Amaral, o presidente do partido [senador Aécio Neves] foi citado. Isso fragiliza Aécio e tira ele do páreo?
Álvaro Dias – Não podemos prever. Acho que é preciso aguardar a conclusão desse capítulo. É preciso dar oportunidade de defesa. Infelizmente, o partido foi alcançado nessas delações e temos que ser coerentes e permitir que as investigações ocorram para depois tirar as conclusões. Não podemos prejulgar ninguém. Espero que o PSDB tenha sucesso. Deixei o partido, mas não desejo que tenha um caminho de insucesso. Espero que possa sair disso sem se ferir demais.
Colaboraram: Fernanda Chagas e Rodrigo Daniel Silva