O jornalista Marcelo Rezende lança e autografa seu livro “Corta pra mim”, neste sábado, às 15h, na Livraria Cultura do Salvador Shopping. A obra mergulha no mundo do jornalismo investigativo, onde o repórter viveu por 40 anos.
Durante todo esse tempo, ele viveu muitas histórias. Esteve na mira de bandidos, enfrentou a máfia chinesa, foi preso no Paraguai, esteve para ser preso nos Estados Unidos, mas a argúcia e a inteligência rara o fizeram escapar de todas essas armadilhas. Em entrevista à Tribuna da Bahia, o apresentador do “Cidade Alerta”, da Rede Record, contou parte dessa trajetória.
Tribuna da Bahia: São 40 anos no jornalismo brasileiro. Você tem muitas histórias para contar. Tem alguma que mais chamou sua atenção. Qual?
Marcelo Rezende: A mais difícil foi o Globo Repórter sobre a administracao do Ricardo Teixeira à frente da CBF. Eu e meus companheiros, entre eles o meu eterno amigo Tim Lopes, sofremos uma pressão tremenda. Ricardo dominava o futebol brasileiro, era do comitê executivo da Fifa e, portanto, tinha influência sobre a Copa do Mundo. Mas a Globo aguentou firme a pressão. Eram muitos interesses em jogo, mas prevaleceu o interesse do jornalismo. A que mais repercutiu, sem dúvida, foi o massacre da Favela Naval, em Diadema, onde PMs torturavam e matavam pessoas.
TB: Como foi que decidiu ser jornalista?
Marcelo: Foi por acaso, como mostro no primeiro capítulo do livro. Fui visitar uma redação de jornal, a convite de um primo, e lá estava um homem enrolado datilografando uma lista enorme de times de futebol de um campeonato de várzea. Fiquei com dó e perguntei se poderia ajudá-lo: comecei a ditar. No dia seguinte meu primo telefonou e perguntou se eu queria ir trabalhar no jornal, o Jornal dos Sports, do Rio de Janeiro. Pensei que ia ser contínuo, mas ele disse que era para ser repórter. O homem que eu ajudara era o diretor geral do jornal, que estava angustiado porque precisava mandar a edição para a gráfica e estava tudo atrasado. Ele saiu para ajudar, eu o ajudei e acabei ajudado. E um exemplo de como na vida é bom ajudar o próximo.
TB: Por que quis seguir carreira, como repórter investigativo?
Marcelo: Eu estava no esporte da TV Globo quando decidi mudar de área. Armando Nogueira e Alice Maria, diretores da Central Globo de Jornalismo, me perguntaram o que eu queria fazer. Pedi para fazer reportagens gerais. Aí foi assassinado um milionário, José Carlos Nogueira Diniz Filho. Ao fim das reportagens no Jornal Nacional eles decretaram: seu caminho é a investigação. E assim foi.
TB: Gosta do que faz?
Marcelo: Amo. Em cada momento, sempre encontro uma satisfação, seja como apresentador, como repórter, seja agora, escrevendo o livro. Deus tem sido um excelente Pai.
TB: O livro com o título “Corta pra mim”, que é um de seus bordões, comemora seus 30 anos como repórter policial. Por que decidiu contar sua história agora?
Marcelo: Não tinha tido o estímulo necessário antes, achava que eram histórias conhecidas, até que um amigo – o diretor do “Cidade Alerta”, Clovis Rabelo – disse: " Mas ninguém conhece os bastidores da investigação". Pensei: ele está certo.
TB: Você tem pretensão de ingressar na política?
Marcelo: Não. Desculpe, mas não sei mentir.
TB: Ser repórter policial/investigativo é uma profissão perigosa. Em 2002, o jornalista Tim Lopes foi morto por traficantes por conta de uma reportagem. Você não teme por sua vida?
Marcelo: Não. Tenho a cabeça tranquila. Nesses muitos anos recebi ameaças, mas não esquentei. O pior é o silencio, como no caso da Favela Naval: PMs condenados a anos e mais anos de cadeia sem reclamar. Quando a outra parte não reclama é mal sinal.
TB: Você considera Eduardo Faustini um dos melhores repórteres do Brasil. Por que não mostra a cara?
Marcelo: Um produtor não pode mostrar a cara. Ele é o alicerce da reportagem. Faustini foi meu companheiro durante anos na Globo e sempre trabalhamos juntos. Ficar no anonimato é essencial para um grande repórter que trabalha montando as matérias. Um erro do Tim foi ter ido receber o merecido Prêmio Esso pela reportagem da feira das drogas. Tempos depois ele foi ao mesmo lugar fazer uma denúncia sobre sexo e baile funk. Um criminoso o reconheceu das imagens mostradas ao receber o Prêmio Esso. E deu no que deu.
TB: Desses 40 anos de carreira, 23 foram dedicados à Rede Globo. Por que saiu da emissora?
Marcelo: Era tempo de conhecer o mundo lá fora. Vivi anos extraordinários tanto profissional quanto pessoal na Globo. Mas era preciso arriscar. Parece que deu certo.
TB: E as críticas feitas ao então presidente Lula motivaram sua saída da Record, em 2005?
Marcelo: Fui um pouco além da conta. Queria um tipo de governo menos flexível com as camadas mais abastadas da sociedade. Não estava entendendo o Lula e bati forte. Ele reclamou e tiraram o “Cidade Alerta” do ar. Mas aqui estou de volta.
TB: Você tem cinco filhos de esposas diferentes. É namorador?
Marcelo: O suficiente para viver bem. Tenho cinco filhos lindos, todos se dão bem, viajaram juntos. Agora mesmo consegui estar com os cinco em casa. É um pouco difícil, muitos moram fora do país. Mas é lindo ver cinco filhos de mães diferentes se dando bem, amando um ao outro. O que possa mais querer?
TB: Qual o seu tipo de mulher ideal?
Marcelo: A que me ame. Não tenho relação pensando nesse ou naquele atributo. E uma mágica que bate na hora. Como dizem meus amigos Zezé di Camargo e Luciano: dois corpos não ocupam o mesmo espaço, mas dois corpos que se amam, num abraço, parecem um só.
TB: Atualmente, está casado?
Marcelo: Não. Estou pensando em não mais casar, mas nunca se sabe.
TB: Você perdeu seus pais quando tinha 30 anos. Já foi hippie e vendeu artesanatos. A vida foi difícil?
Marcelo: Não. A vida foi um desafio. Creio que como a vida de todos. A questão é que, nos momentos alegres e nas dificuldades, jamais larguei a mão de Deus. E com isso tudo foi mais fácil.
TB: Hoje à frente do ‘Cidade Alerta’, na Record, você consegue mostrar a dura realidade das ruas de forma bem-humorada, até então escondida por trás da cara sisuda. De onde vem esse bom humor?
Marcelo: Eu sou assim, alegre, bem-humorado. Sempre digo: eu danço com a vida antes que ela dance comigo. A vida é para você ser feliz, aprender com as derrotas e, ao juntar tudo, sorrir. O humor é uma das janelas da felicidade.
TB: No seu programa, você tem total liberdade para falar o que você quiser?
Marcelo: Tenho. Eu reflito o que sinto. Às vezes dá problema, como no caso do Lula. Mas já viu vida sem problema?
TB: De onde surgem os bordões?
Marcelo: Do improviso, na hora, na intuição Sempre digo: a intuição é o olfato da mente. Quando estou falando sinto a magia – e aí repito. Não para virar bordão, mas porque gosto.
TB: Vai permanecer por mais quanto tempo no ‘Cidade Alerta’?
Marcelo: Vou te dizer com um verso do mestre Paulinho da Viola: Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar.