O novo presidente do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), Valtércio de Oliveira, assume amanhã o comando da 5ª Região com o desafio de construir uma Justiça mais célere, que contribua pela melhor a prestação de serviços à população.
Em entrevista exclusiva à Tribuna, o magistrado fala sobre seus planos e principais desafios à frente do órgão. Valtércio de Oliveira destaca ainda a importância do processo judicial eletrônico e a necessidade de novos concursos para preencher espaços e otimizar a Justiça baiana.
O novo presidente do TRT afirma também que a execução penal é o “tendão de Aquiles” do Judiciário brasileiro. “Digo brasileiro porque em algumas nações mais desenvolvidas, a dívida existe para ser quitada, no Brasil existe para ser protelada”.
Tribuna da Bahia - Eleito para dirigir o Tribunal Regional do Trabalho (TRT 5ª Região). Assume o cargo no dia 5 de novembro. Qual o maior desafio do senhor à frente do órgão?
Valtércio de Oliveira - Olhe, a principal dificuldade é sempre orçamentária. O Tribunal tem um orçamento muito pequeno em relação à demanda da cidade, do Estado, mas nós já estamos enfatizando ações no sentido de conseguir verbas junto ao Legislativo, verbas de bancadas para construção de alguns fóruns trabalhistas, a exemplo da vara de Ipiaú e Paulo Afonso.
Tribuna - Falta estrutura para a Justiça do Trabalho da Bahia?
Valtércio - De certa forma não. Nós temos um corpo de servidores muito preparado. Pessoas altamente qualificadas, que dão uma resposta muito grande e positiva para atender a demanda que é reivindicada pelo Judiciário. Por outro lado, a sua maioria esmagadora está comprometida com a instituição, fazendo com que o cidadão receba os seus direitos.
Tribuna - O TRT baiano é considerado um dos melhores do país. Só para ilustrar, os resultados mostram uma diferença enorme entre a Justiça comum e a Justiça do Trabalho. O que os diferencia na Bahia?
Valtércio - Eu posso afirmar, sem nenhuma sombra de dúvida, que o Tribunal de Justiça tem prestado um serviço extraordinário à comunidade. Em que pesem deficiências pontuais, que por uma questão de ética me reservo a não elencá-las. Mas, uma coisa eu posso afirmar: necessidade de urgente preenchimento de cargos de servidores para atender aos interesses da coletividade. Em relação ao nosso Tribunal, trata-se de uma Justiça severa, que tem um cunho social extraordinário e que hoje é um seio de inúmeras pessoas para integrar o seu quadro. Haja vista que teremos um concurso de servidores no dia 1° de dezembro, que já tem cerca de 80 mil pessoas inscritas. Isso é um diferencial muito grande.
Tribuna - A falta de magistrados e servidores dificulta a prestação de um serviço de qualidade no Judiciário?
Valtércio - Nós temos hoje uma carência de 10 magistrados. Tivemos um concurso recente que, infelizmente, não tivemos nenhum candidato aprovado. A terceira prova de sentença, realmente, foi muito difícil, mas isso não foi suficiente para afastar alguns candidatos. Não posso entrar no mérito na questão porque não fiz parte da banca examinadora.
Tribuna - Há previsão de concurso para preenchimento de novas vagas para juízes?
Valtércio - Assumiremos no dia 05 de novembro e já estamos fazendo estudos no sentido de indicar uma comissão para o concurso e para que logo tenhamos uma prova para aprovação de magistrados.
Tribuna - A digitalização dos processos foi um avanço importante. O senhor acha que a Justiça do Trabalho ganha mais celeridade agora?
Valtércio - Uma marca da Justiça do Trabalho é a celeridade como os processos são analisados. Com o advento do processo judicial eletrônico, haverá uma diminuição do tempo de vida desses processos. Nós temos como exemplo a vara de Santo Amaro, que foi a primeira vara do trabalho na Bahia a institucionalizar o processo judicial eletrônico, que houve uma redução do tempo de duração do trabalho. Um processo que durava sete a oito meses, do inicio até a sentença, hoje leva em média dois ou três meses de duração. Então isso é um ganho para a sociedade, para o Juridiário, porque há uma redução de prazo de duração do processo. Em minha opinião, isso atende a Constituição Federal, que prevê no artigo 5° a duração razoável do processo, ou seja, uma duração para que o cidadão tenha em pouco tempo o seu direito assegurado.
Tribuna - Que duração é essa?
Valtércio - Entendo eu que essa duração do inicio do processo, análise de provas, instrução, análise pelo juiz de documentos e testemunhas deva ter no máximo cinco meses para que a justiça se torne efetiva. O gargalo na Justiça do Trabalho está na execução porque o processo de execução sofre várias nuances. Primeiro, saber se o executado continua em condições financeiras de quitar o seu débito, saber se a empresa faliu, abriu processo segmentar, mudou de denominação, se mudou de sócio e se ela continua viva, resistente. Isso demanda um pouco de tempo. Além disso, a execução se torna mais longa, porque é preciso todo um amadurecimento da questão. A efetivação dos cálculos pelo exequinte (reclamante) ou pelo executado, a homologação desses cálculos pelo juiz, a sua impugnação dos cálculos, a decisão do juiz ou embargo da execução e o descontentamento dessa decisão. Isso demanda um pouco de tempo e não é só da Justiça do Trabalho. A execução é o “tendão de Aquiles” do Judiciário brasileiro. Digo brasileiro, porque em algumas nações mais desenvolvidas, a dívida existe para ser quitada, no Brasil existe para ser protelada. Então, quanto mais o réu venha protelar sua divida, ele entende que estará ganhando, mas isso representa uma dívida a mais, pois conta juros e correções monetárias. Com a minha experiência, isso indica que essas dívidas às vezes são proteladas, e o valor final é exorbitante, em razão dos juros e correções monetárias.
Tribuna - O ideal é buscar o fim do processo o mais rápido possível?
Valtércio - Há uma máxima no Judiciário: é melhor um péssimo acordo do que uma boa dívida. É melhor encarar um prejuízo momentâneo, mas no futuro isso mostrará que houve um ga-nho se for calcular juros e correções monetárias e todos os tributos que assolam o nosso país.
Tribuna - O baixo resultado dos avaliados nos últimos concursos é um reflexo da proliferação de faculdades de Direito, que só visam o exame da OAB?
Valtércio - Os candidatos que concorreram nesse concurso tinham gabarito suficiente para passar e ser aprovado no concurso. Haja vista que alguns deles já lograram êxito em outros concursos a exemplo do Tribunal da 3ª Região, Minas Gerais, e da 15ª região Campinas. O que aconteceu é que, efetivamente, a prova foi muito difícil e houve por parte da banca examinadora uma busca por uma seleção mais aperfeiçoada. Isso não significa que os candidatos não tenham condições de ser magistrados, mas temos que levar em consideração que um concurso exige, além do preparo, equilíbrio, momento psicológico que o candidato está passando. Uma prova complexa como foi a do Tribunal da Bahia não foi suficiente para análise dos candidatos. Observe que um juiz pega um processo, instrui, analisa, ouve as testemunhas, ouve as partes, vê a documentação existente e depois de cinco, 10, 15 ou 20 dias julga o processo. O candidato é consultado e tem quatro horas para receber um problema e resolvê-lo em um curto espaço de tempo.
Tribuna - Empresas ainda insistem em descumprir os direitos trabalhistas, negligenciar os direitos dos trabalhadores?
Valtércio - O nosso Brasil é um país continental. Infelizmente, ainda no século XXI convivemos com trabalho infantil, trabalho escravo, terceirização exacerbada e, principalmente, o conceito que algumas pessoas ainda têm de levar vantagem sobre o outro. Eu vejo que as leis ainda são muito descumpridas por maus empregadores, que buscam insistentemente, o lucro pelo lucro. Por trás disso gera para o cidadão, sobretudo o trabalhador, uma gama de direitos que não estão conferidos pelo empregador. Por outro lado, não podemos deixar de considerar que temos empregados que buscam lesar o seu empregador. Descumprindo as normas da empresa, apresentando atestados médicos falsos, não cumprindo o horário que lhe é estipulado, fazendo com que o empregador às vezes tenha que despedir o trabalhador.
Tribuna - A legislação trabalhista precisa passar por uma revisão?
Valtércio - É uma situação difícil no país. A CLT completou, em 2013, 70 anos de existência. A CLT foi um instrumento criado sobre a regência de um governo ditatorial, que era o de Getúlio Vargas, que de cima para baixo trouxe, de qualquer forma, dignidade para o trabalhador. O Brasil estava numa época de transição de uma sociedade agrícola para uma iniciante no setor industrial. Com isso, a necessidade de trazer para o empregado a dignidade foi muito grande. Por incrível que pareça, em pleno século XXI, temos ainda trabalhadores que labutam em condições subumanas. A CLT, na minha ótica, trouxe dignidade ao trabalhador e igualdade entre as partes. Eles sentam numa mesa de audiência em condições de igualdade. Eu só vislumbro essa condição em três lugares: na praia, onde todos são iguais, na igreja e na Justiça do Trabalho. Isso é dignidade para o povo. A legislação precisa ser modificada, em algumas situações há necessidade, mas eu quero chamar atenção para um fato, que, na minha opinião, é um dos mais significativos. Entendo que o que mais prejudica o empregador, não são os direitos trabalhistas. Se ele for despedido injustamente, o empregado tem aviso prévio, férias proporcionais, 13° salário proporcional, um acrescimento de 1/3 de férias, fundo de garantia e seguro-desemprego, se por ventura ele tiver diferença salarial, equiparação e horas extras, são direitos inerentes. Se eu tenho uma legislação lá, desde a revolução industrial, que criou, que havia exploração porque o homem trabalhava 16 horas por dia e crianças, 12 horas, e essa carga reduziu para 08 horas, é porque o corpo humano necessita de repouso para recompor suas energias. Se eu tenho que trabalhar 08 horas e trabalho 10, nada mais justo que eu receba horas extras. O câncer dessa legislação se encontra nos tributos que são fixados para o empregador. Em cada salário pago ao trabalhador, o empregador paga o mesmo valor para a União em tributos. Tenho um exemplo recente.
Tribuna - Que exemplo?
Valtércio - A nossa presidente atual, Vânia Chaves, esteve num movimento de trabalho seguro que o TST (Tribunal Superior do Trabalho) tem incentivado tribunais para orientar o trabalhador a se preocupar com a sua vida. Em Itapetinga, a empresa tinha 22 mil trabalhadores, já demitiu 17 mil, só tem cinco mil e dois mil em sobreaviso porque a empresa está ‘arrumando a sua bagagem’ para ir para a China. Lá, o trabalho é mais barato, porque não há tributos. O governo brasileiro precisa, urgentemente, tornar a empresa brasileira competitiva no mercado, e isso significa redução de impostos. O Brasil precisa valorizar o seu parque social.
Tribuna - Os peritos são responsáveis por avaliarem a periculosidade e tal pagamento, mas muitos deles ficam contra a Justiça trabalhista. Como o senhor encara? O que fazer para sanar?
Valtércio - Primeiro lugar ficar preso a uma avaliação feita pelo perito, porque ele conhece direito e sabe avaliar as condições de trabalho. O que nós temos é um número significativo de ações que reivindicam danos morais decorrentes de acidente de trabalho, que pode decorrer de uma situação insuficiente para o trabalhador, do mau uso dos equipamentos e aparelhos de segurança. Não estou defendendo o perito, mas às vezes quando ele chega numa empresa para fazer a perícia, o cenário apresentado é diferente do mesmo em que ocorreu o fato. Ela é escamoteada. Para os peritos é uma situação difícil, e os advogados precisam compreender essa situação fática. O ideal era que houvesse fiscalização permanente da Delegacia Regional do Trabalho. Apesar de a delegada fazer um belíssimo trabalho, ainda não tem um quadro suficiente para atender a demanda. Outro aspecto que deve ser considerado pode ser do empregador que pode, tranquilamente, adulterar aquele quadro, transformando ele numa situação cômoda para si, onde não exista mais a deficiência do trabalho que ocorreu na época que o empregado estava na empresa.
Tribuna - Negociação através dos acordos, dissídios coletivos. O que isso traz de benefício para a sociedade? Isso diminui o número de ações na Justiça? É um caminho a ser seguido?
Valtércio - A sociedade convive com a conciliação desde quando a CLT foi promulgada por Getúlio Vargas. No artigo 831 da CLT se tornou obrigatório para o juiz em primeiro plano tentar sempre a conciliação. Há também normas na CLT que expressam que o magistrado deverá envidar todo o esforço para a conciliação. Isso porque a finalidade precípua da Justiça do Trabalho e do Judiciário como um todo é trazer a paz para a sociedade, e isso é conseguido através do acordo. O CNJ entendeu essa necessidade, o legislador vislumbrou essa possibilidade porque inseriu no Código Civil a necessidade de se fazer a tentativa de acordo, antes de o réu apresentar defesa. O CNJ, inclusive, faz um movimento anual, buscando incentivar o magistrado a realizar acordo, porque isso traz a paz social para a sociedade.
Tribuna – A instalação do processo judicial eletrônico em Feira de Santana está entre as suas prioridades, presidente?
Valtércio - Não só em Feira, mas em todo interior da Bahia. Feira de Santana é uma cidade que tem seis varas do trabalho, e nós vamos buscar no primeiro semestre de 2014 fazer com que o processo judicial eletrônico chegue àquela chamada ‘Princesa do Sertão’. Assim como também em Camaçari, Simões Filho, Juazeiro, Vitória da Conquista, Itapetinga, Itaberaba, onde não exista processo eletrônico, porque isso vai trazer maior aproveitamento para magistrados, advogados, principalmente as partes.
Tribuna - Contatos que teve com representantes do Governo para aproveitamento de militares da reserva no suporte à Justiça. O senhor falaria disso agora?
Valtércio - Entendo que é necessário nessa interlocução com a sociedade que o governo do estado, os governos municipais e todos os órgãos atuem conjuntamente para que possamos manter um diálogo frequente, trazendo, principalmente, benefícios para servidores, magistrados, advogados e as partes. Fui recebido pelo chefe da Casa Civil, Rui Costa, apresentamos um projeto de aproveitamento de policiais militares reformados para que possam prestar um serviço à Justiça do Trabalho e à própria sociedade. Em contrapartida haveria um apoio remuneratório para esses policiais. Esse projeto só existe no tribunal da 23ª região do Mato Grosso e nós estamos trazendo para a Bahia. Isso traz dignidade, reconhecimento social, benefício à população e aos policiais que queiram prestar essa ajuda, após, claro, o governo encaminhar um processo de lei e este ser aprovado pelo Legislativo.
Tribuna - Como pensa em administrar as frequentes greves do Judiciário?
Valtércio - A greve é um direito consagrado na Constituição a fim de que o trabalhador reivindique seus direitos. Porém, eu clamo que o legislador estabeleça quais são as prioridades nacionais. Quais os serviços essenciais à sociedade, e para mim a Justiça é essencial. Quando o cidadão ingressa com uma ação e estando ele desempregado, ele passa por situações difíceis financeiras. Muitas vezes ele vê uma filha de 12 anos se prostituindo porque não tem recursos para levar o alimento à sua casa. O Judiciário precisa dar essa resposta. O trabalhador tem direito de reivindicar, mas é preciso que se estabeleçam quais são os serviços essenciais da Justiça. Com o PJE, o setor de distribuição está solucionado, mas é preciso que o magistrado e o servidor estejam prontos para assumir a audiência e realizar aquele processo.
Tribuna - O que esperar do mandato do senhor à frente do Tribunal Regional do Trabalho?
Valtércio - Primeiro, dedicação e muito trabalho. Segundo, atender a um planejamento específico de gestão a fim de promover e dar continuidade a tudo àquilo que foi iniciado, não só na administração atual como nas anteriores, porque administrar é dar sequência a ampliar a importância e utilidade do Tribunal em desenvolvimento e tudo aquilo que a sociedade reivindica.
Colaboraram: Fernanda Chagas e Osvaldo Lyra