Egresso do Movimento Sem-Terra (MST), o deputado federal Valmir Assunção (PT), em entrevista exclusiva à Tribuna, não negou haver um distanciamento entre o MST e o governo Dilma. Ele atribui o problema, em especial, à falta de empenho do governo federal para a reforma agrária e acusa o presidente do Incra, Carlos Guedes, de insensibilidade com as famílias acampadas.
Sem meias palavras, o petista não escondeu também insatisfação com relação ao governo do estado: “O governador determina e os secretários, no processo da burocracia interno das suas secretarias, não viabilizam, não agilizam aquilo que o governador determina”. Por tabela, Assunção criticou o episódio em que o subsecretário de Segurança Pública atirou para conter a invasão do movimento à sede da pasta.
Tribuna – Estamos no meio de um acampamento do Movimento Sem Terra (MST) e não no interior, estou em Salvador, na sede da Secretaria de Administração do estado. Como é que está sendo esse movimento daqui de Salvador? Vocês estão acampados na secretaria, qual a pauta? Qual a principal reivindicação do Movimento Sem Terra da Bahia?
Valmir Assunção – É um prazer imenso estar falando contigo, falando sobre reforma agrária. Nós estamos aqui em Salvador com dois pontos de pauta importantes, específicos para a vida do Movimento Sem Terra e para a vida dos movimentos sociais que têm em todo esse estado. Primeiro é que no dia 02 de abril, um companheiro nosso, Fábio, lá de Iguaí, foi assassinado por duas pessoas que chegaram aparelhadas junto no carro dele e, de moto, deram 15 tiros e assassinaram o nosso companheiro. Passaram cinco meses e o inquérito não foi concluído e nós precisávamos que a Secretaria de Segurança Pública apresentasse para nós o resultado da investigação. Porque a vida do nosso companheiro Fábio foi sempre lutando pela reforma agrária. E ele foi assassinado e nós acreditamos que foram ou os fazendeiros que assassinaram ou mandaram assassinar. E é preciso que a justiça seja feita nesse caso. Por isso essa mobilização, para pressionar o secretário de Segurança Pública, pressionar o governo do estado para poder apresentar os resultados do inquérito da investigação sobre esse caso lá em Iguaí. A outra pauta de reivindicação é que no mês de abril, o governo do estado assumiu um compromisso com o Movimento Sem Terra e todos os movimentos que lutam pela reforma agrária no estado da Bahia. Iria fazer convênios para infraestrutura dos assentamentos, do ponto de vista de produção. Isso significa em torno de R$ 10 milhões. E também passaram-se cinco meses e esses convênios não foram assinados. Então, devido a isso, em torno de 1.000 companheiros nossos, de diversas regiões, decidiram vir a Salvador, pressionar o governo do estado para atender essa reivindicação e, lógico, isso é fruto de uma luta nossa, para que a gente possa concretizar o sonho dessas famílias de ter uma qualidade de vida melhor dentro dos assentamentos, desapropriar as áreas para poder ser assentada, ter casa, ter produção dentro dos assentamentos. Essa é a nossa luta.
Tribuna – Qual o tamanho do Movimento Sem Terra na Bahia? Qual a abrangência e a penetração do movimento no estado?
Valmir – O Movimento Sem- Terra tem acampamentos em todas as regiões do estado. O Movimento Sem Terra foi criado no extremo sul da Bahia, em 1987 nós fizemos a primeira ocupação e hoje nós estamos em todas as regiões do estado, fruto da dedicação e do empenho de centenas de milhares de militantes. O apoio da sociedade faz com que o Movimento Sem Terra seja essa força.
Tribuna – A gente teve essa semana um tensionamento aqui entre o Movimento Sem Terra e entre a Secretaria de Segurança Pública. O subsecretário atirou contra o movimento. Como o senhor, um dos líderes do Movimento Sem Terra, como deputado federal, viu essa atitude de um integrante do governo?
Valmir – Eu vi com muita tristeza, porque o governo Wagner é um governo que nós sempre acreditamos e acreditamos que ajudamos a construir esse governo ao longo dos anos. Isso votando e apoiando em todos os momentos. Lógico que todos nós sabemos: uma coisa é o governo, outra coisa é o movimento social. Nós somos movimento social. E, enquanto movimento social, nós vamos continuar reivindicando. Mas nós não podemos admitir, nem podemos aceitar que um subsecretário do governo Wagner – ou de qualquer governo – possa disparar contra famílias, pessoas do Sem Terra ou contra qualquer (sic) outras pessoas que estejam reivindicando os seus direitos e que são direitos legítimos e que fazem parte de organizações respeitadas na sociedade. Em um período importante da nossa história, que toda a população brasileira tem se movimentado e mobilizado, nós do Movimento Sem Terra não ficamos dormindo ao longo dos anos. Nós sempre estivemos acordados, lutando, reivindicando nossos direitos, não podemos concordar que o subsecretário receba, na secretaria, os sem-terra à bala. Isso nós não podemos aceitar, isso nós repudiamos.
Tribuna – Existe um tensionamento com o governo do estado, mas como o senhor viu a defesa do governador para a atitude do subsecretário?
Valmir – Não existe um tensionamento nosso com o governador Jaques Wagner. Isso não existe, porque o governador sempre foi um governador que dialogou, não só com o Movimento Sem Terra, mas com todas as organizações, isso não tenho dúvida. Sempre atendeu as nossas pautas. O governador sempre foi uma pessoa que apoiou e defendeu a nossa luta, desde quando ele era deputado e agora governador. Sobre esse aspecto, nós não temos o que reclamar. A nossa reclamação central é que parte dos secretários parece que não escuta o que o governador determina. O governador determina e os secretários, no processo da burocracia interno das suas secretarias, não viabilizam, não agilizam aquilo que o governador determina. Esse é o tensionamento que existe por parte nossa. Com relação à posição do governador nesse caso específico do subsecretário, eu acho que o governador exagerou na defesa do subsecretário, porque a primeira coisa que o governador tem que levar em consideração é se essa luta nossa é justa ou não. E ele reconhece que é justa. Se esse movimento que estava na secretaria, que é o Movimento Sem Terra, qual o papel, o que é que ele estava fazendo lá. Foi fazer um acampamento em frente à secretaria que poderia terminar em seguida, mediante o atendimento por parte do secretário da Segurança Pública ou não. Isso é importante. Acho que o governador exagerou na defesa do subsecretário. Acho que o mais correto, nesse caso, era o governador averiguar o que aconteceu para depois emitir opinião. E não foi nesse caso. Se o governador ouviu a Secretaria de Segurança Pública, não ouviu a nossa situação, o que levou nós estarmos lá, na terça-feira, pressionando o secretário de Segurança Pública.
Tribuna – O senhor foi secretário do governo Wagner, o senhor participou da máquina, fez parte da composição do governo. O senhor falou que alguns secretários não ouvem o que o governador fala e se deixam levar pela burocracia das próprias secretarias, da própria estrutura do governo. Onde está o erro? Falta capacidade gerencial ou falta prioridade?
Valmir – Eu fui secretário de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza durante todo o período do primeiro governo Wagner, e todas as decisões do governo Wagner eu tentei, mediante a decisão dele, executar todos os programas e todas as ações decididas pelo governo, porque isso, para mim, era importante, porque ia atender a população dos meus iguais, ou seja, as pessoas dos movimentos sociais e as pessoas mais pobres da sociedade baiana. Então, fiz um esforço e me dediquei muito nessa responsabilidade. Nós conseguimos, em todo o governo, diminuir a pobreza no estado, fazer com que qualificasse cada vez mais o programa Bolsa Família, fizemos diversos convênios para a construção de cisternas, captação de água de chuva para poder atender a população no semiárido, fizemos diversos programas de inclusão produtiva para todo o estado. Ou seja, atendendo justamente à demanda do governador. Um dos problemas que existe, sem dúvida nenhuma, é que a Procuradoria Geral do Estado tem um procedimento para poder ser seguido, mas não é lei. É uma orientação, um assessoramento que dá aos secretários. Os secretários cumprem ou não. Muito secretários preferem seguir toda a burocracia e toda a determinação da Procuradoria Geral em detrimento da necessidade, da agilidade, da emergência que têm as famílias dos sem-terra ou de qualquer organização.
Tribuna – O senhor disse em Brasília, na Câmara Federal, que a reforma agrária vive o pior momento na sua história do Brasil. O que está errado, deputado? O que é que está acontecendo de fato com a questão da terra no país?
Valmir – Olha, vive o pior momento porque nós estamos há um ano e um mês que a presidente Dilma não assinou um decreto de desapropriação de terra nesse Brasil. Nós nunca antes, na história do Brasil, passamos um período tão longo sem ter decreto de desapropriação para assentar as famílias que estão acampadas. Essa é uma identificação dura e cruel que nós estamos vivendo hoje no processo de reforma agrária. O outro aspecto é com relação ao crédito. O governo federal se comprometeu conosco que ia criar um novo crédito para a reforma agrária, que fosse menos burocratizado, que fosse mais fácil às famílias assentadas e até hoje não criou. O presidente do Incra, Carlos Guedes, tomou a atitude de confiscar os recursos do crédito de instalação que tem dentro dos assentamentos, que é um crédito que as famílias, quando elas são assentadas, imediatamente recebem para a construção da casa, para recuperação da casa, para a questão de água, enfim, para infraestrutura dentro dos assentamentos. E o presidente do Incra estabeleceu uma portaria, por incrível que pareça no dia 13 de junho, e essa portaria fez com que todos os recursos que estavam conveniados entre o Incra e as associações que estavam depositados no Banco do Brasil ou na Caixa Econômica fossem para o Tesouro Nacional. Isso nós ficamos na seguinte situação: nós não temos o processo desapropriatório, porque o governo federal, através da presidente, não desapropria, nós não temos um novo crédito, porque o governo federal não lançou ainda, e nós não temos os créditos que desde 1985 foram criados, que é o crédito de instalação, que o presidente do Incra confiscou esses recursos. Ou seja, nós nunca pensamos, na nossa história, qualquer militante de esquerda ou de movimento social, que chegaríamos numa situação como essa, em um processo de reforma agrária num governo do PT.
Tribuna – A luta pela terra e a reforma agrária sempre foram das principais lutas do PT. O que deu errado e o que o senhor acha que aconteceu para, no meio do caminho, ter se perdido? Falta vontade política? Falta prioridade?
Valmir – Eu só posso resumir essa dificuldade em avançar o processo de reforma agrária dentro de um aspecto. O agronegócio brasileiro tem muita força no Congresso Nacional. É possível que eles tenham em torno de 250 deputados dentro da Câmara que defendem o agronegócio, que defende o latifundiário, que defende essas grandes empresas ou fazendeiros que existem no Brasil. Como muitas vezes o governo federal precisa de aprovação na Câmara dos Deputados, dos seus projetos, isso acaba cedendo. Eu só posso acreditar que seja esse o motivo que tem, de certa forma, diminuído a velocidade do processo de desapropriação de reforma agrária no Brasil.
Tribuna – Então os governos Lula e Dilma foram muito mais favoráveis ao agronegócio do que a luta de terra e a luta por terra que o movimento sempre travou?
Valmir – Eu quero fazer uma separação do governo Lula e Dilma. Porque no governo Lula, nos oito anos do presidente Lula, foi o período que mais desapropriou terra, que mais liberou crédito para os assentamentos. Ou seja, nós tivemos oito anos do presidente Lula onde nós tivemos muitas ações no processo de reforma agrária. Nesses dois anos da presidente Dilma, aí que nós estamos com dificuldade. E eu atribuo essas dificuldades justamente nesse aspecto na relação na Câmara dos Deputados, na força que o agronegócio tem na Câmara dos Deputados, na maioria que eles conseguiram ter na Câmara dos Deputados. Isso eu acho que tem dificultado o processo de reforma agrária. Mas é preciso também, nesse processo de reforma agrária, acrescentar um dado que eu acho que é importante. Fernando Henrique quando era presidente estabeleceu uma medida provisória que todas as terras ocupadas não podem ser desapropriadas. Nós, do Movimento Sem Terra, e outros movimentos criamos um mecanismo. Quando nós não podemos ocupar a área para ser desapropriada, nós ocupamos as beiras das BRs ou nas fazendas vizinhas para pressionar a desapropriação das fazendas que nós gostaríamos que fossem desapropriadas. Nós encontramos um caminho. Qual é a dificuldade agora? O governo não desapropria, colocou um limite de processo de desapropriação – por exemplo, uma fazenda na região no semiárido, o valor por família tem que custar, no máximo, R$ 40 mil, na região da Mata Atlântica vai para R$ 80 mil. Ou seja, tem um limite e nós não temos condições de criar mecanismos para superar esses limites. Então isso dificulta mais ainda para todos nós esse processo de reforma agrária. Eu acredito muito na força social e nos movimentos organizados. Nós que somos parlamentares somos instrumentos dessa força social.
Tribuna – Há um distanciamento hoje entre o Movimento Sem Terra e o governo da presidente Dilma?
Valmir – Existe um distanciamento até porque o presidente do Incra é um cidadão que, mesmo sendo funcionário do Incra, não tem sensibilidade com as famílias acampadas ou as famílias que lutam pela reforma agrária. Um exemplo concreto, para se ter uma ideia: depois do novo presidente, suspendeu até as cestas básicas que iriam para os acampamentos. Essa é uma dificuldade. Com o presidente atual do Incra, os peritos, que são responsáveis por fazer vistoria para o processo de desapropriação, entregaram todos os cargos que tinham dentro do Incra. Por que isso? Porque um perito do Incra que faz a mesma função que um agrônomo do Ministério da Agricultura ganha 40% do valor do salário de um agrônomo do Ministério da Agricultura. Ou seja, quem está no Incra não tem estímulo para poder trabalhar, quem está no Incra não é valorizado. Então junta toda essa dificuldade nacional, mais a falta de valorização do órgão, falta de prioridade no órgão, isso cria um distanciamento. Nós estamos numa perspectiva, por esses 10 ou 15 dias é possível ter uma reunião do Movimento Sem Terra junto com a presidente Dilma para poder estabelecer novamente o processo de relação e ao mesmo tempo de defesa da reforma agrária, da prioridade de reforma agrária e das ações da reforma agrária.
Tribuna – Qual a defesa que vocês têm? Mudar o comando do Incra ou a presidente voltar a colocar ou colocar a luta dos trabalhadores sem terra como prioridade?
Valmir – Não, veja bem. Nós achamos que cada um cumpre o seu papel. Nós do movimento social, acho eu que não cabe a nós ficar falando para o governo coloque tal secretário ou coloque tal presidente ou tal ministro. Não cabe a nós. Isso é uma decisão do governo, que molda a sua equipe. Então essa é uma questão que para nós é importante. Lógico que nós não estamos fazendo uma campanha nacional para tirar o presidente do Incra. Nós estamos fazendo uma mobilização nacional, lutando para que cada vez mais o governo dê prioridade à reforma agrária. Se para dar prioridade é preciso tirar o presidente do Incra, aí é um problema do governo, não é nosso problema.
Tribuna – A gente falou um pouco sobre a questão do governo do estado e eu queria que o senhor fizesse uma avaliação como integrante do PT, como deputado federal, como líder do Movimento Sem Terra, como o senhor avalia o governo Wagner, o maior erro e o maior acerto até agora?
Valmir – Eu acho que o maior acerto do governo Wagner foi ter estabelecido um governo democrático. Um governo que dialoga com todos os segmentos da sociedade, um governo que dialoga com todos os partidos, todos os prefeitos, todos os movimentos sociais. Eu acho que esse é o maior acerto do governo Wagner. Nós vivíamos na Bahia em um longo período de um governo ditador, um governo que não dialogava, um governo que utilizava o slogan “dinheiro na mão, chicote na outra”. Wagner pegou o governo e democratizou. Mostra para a sociedade que é possível fazer um governo dialogando com todo mundo. Esse eu acho que é um legado importante para todas as gerações. Eu acho que o maior erro do governo Wagner, se eu posso dizer que é um erro, foi justamente na política de aliança. Eu acho que o governo Wagner, mediante a necessidade de ter maioria na Assembleia Legislativa, fez uma política de aliança que absorveu determinadas lideranças do estado que boa parte da esquerda tinha rejeição. Eu acho que esse é o grande problema, que confunde a cabeça das pessoas, que faz com que a sociedade não entenda a diferença de projeto de governo, principalmente no interior. Essa confusão, eu acho que é ruim para a política.
Colaboraram: Fernanda Chagas e Fernando Duarte.