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Empresário critica insegurança jurídica e prevê crise no setor de construção civil

Foto: Francisco Galvão

Diante dos questionamentos judiciais do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) e da Lei de Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo (Louos), o presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário da Bahia (Ademi-BA), Nilson Sarti, destaca que o setor está com fortes problemas de insegurança jurídica e apela para que haja um rápido entendimento referente à questão.

Ele sugere também que sejam feitas alterações e seja apresentada uma solução alternativa para que não se paralise ainda mais o mercado. “Eu acho que somos inteligentes o suficiente para tentarmos uma nova adequação para que se atenda minimamente o mercado e os investimentos do setor”, enfatizou. Embora enfatize que o mercado está movimentado, ele prevê paralisação no mercado e muitos desempregos, caso não ocorram soluções para os problemas atuais. O dirigente da entidade reitera o papel da entidade no desenvolvimento da cidade e sua confiança na atuação do prefeito da capital baiana, ACM Neto (DEM).

Tribuna da Bahia - Como vê o imbróglio envolvendo a Louos e o PDDU, pode dificultar o crescimento da cidade?
Nilson Sarti
– É importante o público saber, pois muitos desconhecem muito o setor da incorporação e como é o desenvolvimento do setor imobiliário. Nossa atividade é desenvolvida em longo prazo, que nunca é inferior a cinco anos. Entre você identificar um terreno, desenvolver um projeto, aprovar esse projeto, colocá-lo para lançar, após isso, lançar e colocar para fazer obra há um longo caminho. Nós precisamos ter regras jurídicas muito claras, transparentes, pois como os investimentos são muito altos, você precisa ter tranquilidade para investir. Você depende da condição macroeconômica e de uma série de outras situações, portanto é um setor muito complexo e nós já estamos vivendo no Brasil um ambiente muito complexo. Sou vice-presidente da CBI- Câmara Brasileira da Discussão e nós estamos discutindo isso, inclusive, essa semana, porque em outubro vai ter o encontro nacional da indústria da construção, que será em Fortaleza. Um dos temas do evento, justamente, é a questão do ambiente de negócios. Nessa questão se envolvem outras, desde a indenização trabalhista, ao aumento de juros, a questão de mercado, os problemas com cartórios que é nacional. Temos problemas com os cartórios daqui que é seríssimo, pois você tem uma parte privatizada e uma parte pública. Você convive hoje com as duas partes e todo mundo sem estrutura e prejudicando o setor e o cidadão comum quando precisa resolver uma situação. Temos ainda uma questão ambiental que é importante, então há um ambiente de negócios muito complexo que acaba desestimulando. Você tem um aumento forte da carga tributária em cima das empresas, e isso também vai impedir. Quando você transporta isso para a nossa cidade e coloca como exponencial, ou seja, já existe todo um problema e hoje tudo que acontece no mundo interfere no Brasil, na macroeconomia e nas expectativas. O mercado imobiliário vive de expectativas. Quando uma pessoa compra uma casa própria ela vai pagar aí por vinte, trinta anos. Quando a pessoa parte para isso, ela pensa muito antes, analisa o mercado e se tiver qualquer dúvida ela dá uma recuada e posterga.

Tribuna - O mercado imobiliário de Salvador está em crise justamente devido a essa instabilidade jurídica?
Sarti
– Nós temos que separar isso. Nós estamos com problemas de segurança jurídica forte, mas ao mesmo tempo o mercado continua rodando. Hoje nós temos uma oferta de imóveis grande. Eu gosto de falar em ofertas porque há pessoas que falam:      "Ah, porque o estoque de imóveis é imenso, Salvador têm imóveis demais e por isso vai baixar." Não é verdade. Nós vivemos outro patamar. Provavelmente estaremos fechando este ano com oito mil unidades, isso considerando Salvador, Lauro de Freitas, Camaçari e Feira. Se compararmos com o ano de 2004, que se venderam três mil unidades, eu não poderei dizer que o mercado está em crise. Eu mudei de patamar, reduzi e estamos rearrumando. Saímos do pico do mercado, pois em 2008 chegamos a vender 14 mil e 500 unidades, lançamos 18 mil, depois baixamos um pouco. Nós não estamos na crise do mercado, mas se olharmos para frente, isso nos deixa preocupados porque em algumas áreas da cidade já se começa a ter problemas de ofertas de imóveis. Quando olhamos que temos oito mil unidades dentro de Salvador, dessas, 40% estâo em lançamento, não começou nem a obra, 50% estão em obras, em várias fases, início, meio e fim. Só tem 10% efetivamente prontos, então meu estoque de imóveis em Salvador deve estar em torno de 700 a 800 unidades. Se colocarmos em uma velocidade de vendas, como está em 4% a 5% provavelmente em vinte meses, nós não teremos praticamente imóvel nenhum em Salvador.

Tribuna - Espera que a Justiça seja ágil para julgar logo esses impasses da LOUOS e do PDDU?
Sarti
- Eu acredito que tem que ser rápido e é preciso fazer algumas alterações nesse entendimento. Uma coisa era fazer um acordo em cima de uma modulação que fosse rápida, em 60 dias, por exemplo, mas isso não aconteceu. Para fazer esse acordo, foram feitas várias concessões pela prefeitura, e hoje vejo a situação de forma diferente. Acredito que hoje nós devemos tentar uma solução alternativa do que está posto aí. Você tem hoje uma proposta de modulação pela prefeitura e o Ministério Público, tem o posicionamento do próprio Tribunal e da Câmara de Vereadores. Eu acho que somos inteligentes o suficiente para tentarmos uma nova adequação para que atenda minimamente o mercado e os investimentos do setor. Isso é fundamental.

Tribuna - Como o senhor viu essa ação do Ministério Público de tentar inviabilizar e agora modular para chegar a um consenso?
Sarti
– Na realidade, é sempre bem-visto quando se parte para haver um acordo entre a prefeitura e o Ministério Público, mas tem que ser algo que atenda ao mercado, e essa não atende.

Tribuna – E o que atende o mercado?
Sarti
– É a proposta que vamos efetivamente colocar na mesa. Temos que colocar uma proposta intermediária, pois já estamos com uma paralisação no mercado. O que hoje pode se fazer dentro da prefeitura? Quais as regras? Temos até uma expressão carinhosa para isso. Estamos vivendo um frankstein. Qual é o frankstein? Você tem leis de 2011 com artigos de 1984. Só que, além disso, estamos vivendo outra insegurança jurídica. Nós precisamos que a questão dos Transcons seja resolvida. Tem uma auditoria para Transcons que até hoje não foi resolvida. Precisamos ter uma alternativa a isso. Nós somos favoráveis a auditoria, pois quanto mais firme for uma obra, melhor para o mercado. Agora não podemos parar o carro para consertar. Isso gera insegurança jurídica. É preciso acertar essa questão. Temos pequenas e médias empresas querendo lançar o empreendimento e não se sentem confortáveis para isso. Vamos propor ao prefeito, até porque houve um acordo para 90 dias e nós estamos aí como muito mais de 90 dias. Hoje há uma questão: quem quiser fazer tem que ser com 100% de outorga, e isso fere as normas que estão no PDDU porque tem que ser metade outorga e metade Transcons. Nossa sugestão é a pessoa entrar e colocar o seu Transcons e fica condicionada até o habite-se, quando deve estar concluída essa auditoria. Se for verificado qualquer tipo de irregularidade relacionada à Transcons, ela será obrigada a susbtituir a Transcons por outra moeda, pagar multa. Isso é plenamente factível, não gera prejuízo para ninguém e você resguarda a prefeitura e o mercado, que volta a funcionar normalmente. Esse seria o primeiro estágio. O segundo é você ter uma proposta alternativa melhor do que a que está, é ser mais ousado, tentar avançar um pouco mais. A nosso ver, a LOUOS não é inconstitucional, até porque o Ministério Público não considerou inconstitucional de primeiro momento. Ela acatou a inconstitucionalidade da LOUOS e fez buscar esses artigos. Acho que perante isso dá para buscarmos um caminho.

Tribuna - Como o senhor acredita que o mercado baiano e o poder público devem se comportar para dar um novo impulso aos negócios imobiliários?
Sarti
- Nós precisamos criar todas as pré-condições para tornar a nossa cidade um ambiente melhor de investimento, pois quando você dificulta o investimento não se gera renda, não se gera trabalho. O setor imobiliário é responsável pelo maior número de emprego e de renda nesta cidade, e parece que todo mundo entrou em uma de criar qualquer tipo de tumulto. Nós fazemos a cidade legal. A Ademi tem feito um esforço muito grande nos últimos quatro anos na questão da sustentabilidade, na questão do respeito ao meio ambiente, sugerindo novas regras, novas opções para implantarmos uma cidade melhor. Estamos doidos para passar dessa agenda negativa e criarmos uma agenda positiva. Trouxemos no mês passado um consultor da maior parte dos líderes europeus, como Angela Merkel (chanceler alemã), Nicolas Sarkozy (ex-presidente francês) nessa questão da terceira revolução industrial, pois as cidades estão se movimentando nessa questão da energia renovável. Nós temos que pensar nisso. Essas novidades nós estamos trazendo para cá. Outra questão que estamos analisando e um dos pontos que mais iremos discutir e colocar para o prefeito também é que a reforma tributária foi aprovada e na última rodada foi colocada uma emenda da cobrança antecipada, a vista na promessa de compra e venda de ITIV. Isso é um fator extremamente inibidor da venda na planta, quando se lança, pois você está antecipando. Vamos propor que volte a regra de parcelamento para que se facilite que as pessoas comprem. Foi colocada essa emenda para pagar a vista sem nenhuma discussão. Isso vai dificultar muito para quem quer comprar. Não tem condição das pequenas e médias empresas embutirem isso em seu preço. Hoje recebemos muito pouco, 10% do imóvel. Você paga PIS, Cofins, o corretor, paga isso, paga aquilo e praticamente não sobra nada para o incorporador. Isso tudo asfixia o empreendedor e não atrai os investidores para o mercado. Avaliamos que em São Paulo tudo está acontecendo antes de todo o país. Neste primeiro semestre tiveram um aumento de 20% e esperam aumentar até o final do ano 30%, e quais imóveis que venderam mais? Aqueles de um quarto, dois quartos, aqueles focados no investidor. Essas regras aqui dificultam para o investidor. O investidor quando observa que existe insegurança jurídica, ele recua. O momento é muito bom para investir em imóvel e nós estamos fazendo de tudo o que não deve fazer para atrair o investidor. Portanto, precisamos criar um ambiente mais favorável.  

Tribuna – Como o senhor observa a tentativa de demonização da Ademi?
Sarti
- Nós temos uma história muito bonita nesses últimos 38 anos. É uma entidade totalmente apartidária e todos os prefeitos quando saem sempre veem de forma elogiosa a Ademi porque tratamos as coisas de forma muito transparente. Tentaram nos demonizar porque não vamos entrar em dogmas nessa parte de que há uma concepção política. Nós estamos fazendo tudo de forma objetiva para conservar a nossa natureza. Na hora que você não deixa o mercado formal crescer, você cresce a informalidade. Nós hoje somos um dos municípios em que se tem menor número de árvore por habitante e temos uma grande quantidade de ocupações informais. E nessas ocupações não se tem água, não tem esgoto e isso tudo fere muito a questão da sustentabilidade. Eu não vejo esses radicais que esses são hoje os vilões do negócio. Eu acho que fortalecer o crescimento, sustentar o mercado imobiliário evita que se destrua a natureza. Nós vamos enfrentar as discussões corretamente, não vamos fugir às discussões. Acho que a verticalização protege mais o meio ambiente do que o formato horizontal. Essas discussões passam pelo mundo inteiro em que você verticaliza para deixar áreas livres para parques, etc. Essa discussão nós estamos tendo. Estamos discutindo com o Ministério Público sobre o corredor da mata atlântica, por exemplo. Agora tudo isso nós não estamos discutindo com dogmas, mas com os fatos em si.

Tribuna – E há risco de desemprego em massa na cidade?
Sarti
- Se você me pergunta assim: "O que você vê?"  Estou vendo uma crise futura muito grande. Nós precisamos resolver logo essas questões para não gerar isso. E nós já estamos vendo algum desemprego porque as obras estão acabando e você não está retomando. O mais importante que nós temos e outros países não tem é demanda. Há um déficit habitacional imenso, de 600 mil unidades. Na Região Metropolitana (RMS) é de 110 mil. A previsão do Ministério das Cidades é de que em 2023 esse déficit passe para 2 milhões na Bahia. Nós temos grandes desafios, temos que repensar essa cidade.

Tribuna - O mercado imobiliário pode investir mais na cidade, dando maior contrapartida?
Sarti
- Na realidade, ele já tem feito isso. Agora você pode, em uma ação articulada, fazer contrapartidas compatíveis com o porte do empreendimento. Eu posso estabelecer áreas da região com um bom planejamento. Você não pode fazer uma contrapartida sem saber para onde ela vai. Isso fica ruim. Eu vou desenvolver uma área de Patamares. Todo mundo ali está disposto a fazer. Está tendo é uma dificuldade na interlocução. Isso é plenamente factível de ser feito. Não é divulgado, mas já se tem isso. Agora, muitas vezes as contrapartidas não vão para a mesma área em que estão. Então você dá uma contrapartida e a prefeitura usa em uma área de baixa renda. Mas, tem que ter alguma coisa para que seja visível, e ser direcionada àquela região.

Tribuna - Qual sua opinião sobre a cobrança do ITIV sobre o Minha Casa, Minha Vida?
Sarti
- Também fomos surpreendidos com essa questão. Somos completamente favoráveis à isenção do ITIV para essa faixa da população, até porque o próprio programa é extremamente subsidiado pela população.

Tribuna - Qual a expectativa do setor para o governo ACM Neto?
Sarti
- Nós temos grandes expectativas. Acho que o prefeito está extremamente bem intencionado e tem uma energia muito boa. Eu, particularmente, gosto de trabalhar nas minhas empresas com pessoas jovens. Ele é jovem e está com muita garra, porque é muito problema. Ele precisa olhar com muito carinho para o mercado imobiliário e esses entraves precisam ser solucionados. Acho que precisamos olhar de uma forma mais global para que possamos efetivamente resolver nessa sequência. Estive algumas vezes com ele e sei das intenções dele de destravar o mercado, mas ele precisa estar dando essa posição especial porque na realidade esse imbróglio é muito grande. Temos aí Aleluia, que é um secretário bastante gabaritado, um bom interlocutor. Temos todas as pré-condições para que dê certo. Ele está com boas ideias e nós precisamos criar urgentemente esse ambiente favorável para que ele possa concretizar esses projetos.

Tribuna - Qual a expectativa do senhor em relação à consequência da conversa do prefeito ACM Neto com o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA)?
Sarti
- Eu, particularmente, tenho uma expectativa muito boa para a solução, mas acredito em uma solução alternativa. Se cada um ficar nas suas posições, meu entendimento é de que não vai para lugar nenhum, pois as pessoas estão ficando muito rígidas. Temos que encontrar formas de tentar harmonizar isso. Precisamos resolver os entraves que estão postos aí para a gente e deixarmos o caminho aberto, sem nenhum entrave passar. É preciso ter uma proposta que vá além da modulação para atender melhor o mercado. Não dá para convivermos com uma LOUOS de 1984. Tem muita coisa boa nessa LOUOS, de impacto de meio ambiente, de acessibilidade, uma série de coisas que representa avanços. Por que jogar tudo fora? Temos que aprimorar. Pela rapidez que foi a modulação, acredito que se deixou passar muita coisa. O momento é agora. Em meio a isso tudo, o ano já foi embora. Vamos aproveitar a janela dessa oportunidade e construir uma nova alternativa. A Ademi está pensando em tudo que está sendo posto para propor uma solução. Temos 30 dias para entrar com uma proposta. Nós contratamos um jurista renomado para que nos ajude nessa proposta.

Tribuna - O senhor acredita que o mercado imobiliário precisa de regras claras para poder atuar?
Sarti
- Claro que sim. Precisa de regras claras e transparentes. Tudo que é referente ao mercado imobiliário tem que ser discutido, pois quem não conhece o mercado imobiliário acha que tudo é simples, confunde com especulador, confunde o mercado imobiliário com empreiteiro de obra pública e não estou demonizando nenhuma delas. São completamente diferentes. Nós investimos em uma coisa de longo prazo. Muitas vezes um grande lançamento movimentou e tal, e chega ao final tem prejuízo, pois você não contratou bem, você atrasou obras. Nós convivemos aí com um momento ruim, quando tivemos dificuldades com mão de obra. Não é só olhar o glamour de grandes empreendimentos, do glamour de vender, mas que é uma tarefa árdua em um país que está se acostumando ainda a investimentos de longo prazo.

Tribuna - Qual o cenário que o senhor considera ideal?
Sarti
- Acredito que temos condições de resolver regras mínimas, em cima dessa questão dos Transcons imediatamente. Acredito que o prefeito vai ser sensível a esse fator. Na questão de uma alternativa ao acordo dessa parte transitória, deve ser resolvido nesses 90 dias, pelo menos até o final do ano, e é preciso se buscar já de imediato discutir um novo planejamento para a cidade, com muita urgência.

Colaboraram: Fernanda Chagas e Lilian Machado.