O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Bahia, Luiz Viana Queiroz, cobrou, na última semana, celeridade dos desembargadores que compõem o Tribunal de Justiça da Bahia no julgamento da Lei de Ordenamento de Uso do Solo (Louos) e do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU), que tem gerado insegurança jurídica à cidade.
Segundo o dirigente, a entidade está aguardando a intimação do TJ para que possa se manifestar no processo. “A solução para o impasse que pode paralisar a cidade é o TJ ter uma decisão rápida. Qualquer que seja. Se disser que é inconstitucional, a Câmara de Vereadores terá que se debruçar para fazer outra legislação. Se disser que é constitucional, a cidade passar a atuar sob a orientação da legislação em vigor. Mas o importante é que o Tribunal de Justiça seja rápido em seu posicionamento”, disse Luiz Viana Queiroz, que participou na ultima quarta-feira (31) de um debate, seguido de almoço, com editores e diretores da Tribuna da Bahia.
O encontro foi o primeiro do “Projeto Repensar Brasil - O País Que Queremos”, que pauta a programação de aniversário de 43 anos do jornal, que será comemorado no dia 21 de outubro. Participaram do encontro o vice-presidente da OAB da Bahia, Fabrício Oliveira, o diretor-presidente da Tribuna, Walter Pinheiro, o diretor de Relações Institucionais, Marcelo Sacramento, e de Redação, Paulo Roberto Sampaio, além dos editores Osvaldo Lyra (Política), Gerson Brasil (Economia) e Nelson Rocha (Cidade). Confira abaixo o posicionamento da OAB-BA sobre os temas que têm pautado o dia a dia da população de Salvador, da Bahia e do Brasil.
Insegurança jurídica prejudica futuro da cidade
Posso me manifestar sobre isso, sem me dirigir diretamente ao impasse atual, porque a OAB foi chamada como amicus curiae dessa ação de inconstitucionalidade na gestão anterior, tem manifestação formal no processo, feita na gestão de Saul Quadros. Sobre a decisão do TJ, a OAB não foi chamada para dar a sua opinião, então se me dirijo ao impasse corro o risco de falar algo diferente do que está no processo. Posso, no entanto, falar sobre algo que é muito caro aos juristas e à sociedade, que é a segurança jurídica.
O direito existe para definir o que é certo e errado, isso dá segurança aos cidadãos. A questão da família é um exemplo que vem seguindo o caminho inverso. Vem mudando rapidamente nos últimos anos desde a legalização do divórcio, e o direito tem sido chamado para oficializar essas mudanças. O certo e errado, que garante segurança, alcança também as questões do que pode e não pode ser construído nas cidades. O PDDU e a Lei de Ordenamento do Uso do Solo deveriam espelhar aquilo que a sociedade quer através do que seus representantes, os vereadores, decidem. Isso entra na crise de representatividade. A Câmara seria o locus dessa decisão. Porém, depois de 1988, foram criados mecanismos para que a comunidade participe de maneira formal dessa decisão. Ou seja, a comunidade tem que ser chamada para opinar em audiências públicas sobre essas questões.
Sem falar especificamente no que o Tribunal de Justiça decidiu em relação ao acordo entre o Ministério Publico e a Prefeitura, eu acho que o fundamental é que isso tenha uma decisão. O que não pode é uma cidade com uma demanda gigantesca de empreendimentos, sejam habitacionais ou comerciais, ficar parada. E os empreendedores não vão investir sem a segurança jurídica necessária, isso não é só na Bahia, é no mundo. O pior é que o empreendedor não vai ficar parado, vai para outro lugar onde lhe oferecem melhores condições. Mas essa segurança tem que alcançar o empreendedor e as pessoas que vivem na cidade. Hoje se tem uma liminar que suspendeu e não foi decidida ainda. A Prefeitura fez um acordo com o MP e o Tribunal não aceitou. O ideal é que o Tribunal dê prioridade a isso e avançasse o mais rápido possível.
Como disse, a OAB é a amicus curiae do processo. E, como foi dito publicamente, a OAB deveria ter sido chamada quando da decisão do TJ. Se for chamada, a OAB vai se expressar dentro do processo. Fora do processo, a OAB entende que a segurança jurídica tem que ser alcançada com celeridade.
Morosidade do Judiciário baiano
Fizemos um diagnóstico sobre a Justiça na Bahia e entregamos ao presidente do TJ em abril. Sugerimos e instalamos uma mesa de articulação sobre o sistema de Justiça no Estado, mas nenhuma resposta foi dada aos questionamentos que apresentamos ao TJ e vamos começar a discutir outras formas de cobrança. Por isso, tenho que falar o óbvio. Para mim, essa é uma questão política. Nas cidades e estados onde se tem uma melhor articulação política, o Judiciário funciona melhor. Por que o Judiciário do Rio Grande do Sul é infinitamente melhor que o da Bahia? Não consigo entender. Lá eles têm juiz, tem serventuário, os problemas são técnicos, de entendimento, e aqui são estruturais. Sergipe é a melhor Justiça em termos de eficiência porque investiu – não porque é pequeno – principalmente em informática. Acho que nas últimas décadas, na Bahia, houve uma opção por não investir na Justiça, para submetê-la ao Executivo. Existem advogados mais velhos que dizem que a Justiça na Bahia era melhor há 25, 30 anos. Acho que foi um processo de sucateamento. E a sociedade tem responsabilidade por ser um processo político. A sociedade se acostumou à situação.
Sistema prisional brasileiro é falho
Deplorável! A sociedade parece querer colocar o problema debaixo do tapete. Positivo foi a criação no governo Wagner de uma secretaria própria para encontrar soluções. Vejo avanços materiais, já que se planeja um aumento no número de presídios. Mas não há uma política de recuperação das pessoas. E acho que continua assim porque não existe nenhuma mobilização social para reivindicar uma mudança nesse sentido. Ao contrário, me parece que as pessoa querem esquecer. Isso me leva a lembrar que vivemos uma onda conservadora no país muito importante. Não tem a ver com as instituições religiosas, ainda que resvalem nelas. A onda conservadora me preocupa pelo fato de que muitas lideranças políticas e sociais não querem controlar só a política, mas também o comportamento das pessoas. Sua sexualidade, sua liberdade religiosa, sua consciência. Isso tem a ver com a questão do sistema prisional porque isso acaba influindo no sistema de criminalização que se quer para o país.
Um exemplo é a discussão sobre a maioridade penal. As opiniões refletem o amedrontamento das pessoas devido à violência, e qualquer proposta que aparentemente resolva é abraçada como sendo alguma coisa positiva.
Efeitos do julgamento do mensalão
O julgamento já provocou efeitos na sociedade. A sociedade apoiou e a prova é o índice de popularidade do ministro Joaquim Barbosa. Sob o ponto de vista jurídico, que tem uma conotação política, todas as pessoas têm direito à ampla defesa, ao contraditório e à presunção de inocência, isso é uma conquista do cidadão. Mas a impunidade é uma marca do Brasil. No direito, como em outras áreas de conhecimento específico, tem um problema: nem todo problema é resolvido pelo senso comum. Por exemplo, discussões constitucionais só podem ser resolvidas pelo direito constitucional. Falo isso porque aconteceram questões técnicas no mensalão e não podiam ser resolvidas no senso comum.
Tem sido positivo pela ampla discussão que fez a população. Foi o grande julgamento recente. Mas existe uma expectativa de que as pessoas sejam presas. Se não forem, vai ser uma decepção grande. Mas as questões técnicas podem levar pessoas a não irem para a cadeia, questões como dosimetria da pena, por exemplo. A sociedade não conhece esses aspectos técnicos.
Mesmo que haja reduções de penas por questões técnicas que são contempladas, isso deve ser respeitado, mesmo que isso denote falhas no sistema. Mas a falha, no meu ponto de vista, não é uma frouxidão das leis, mas o fato de não se aplicar as leis. No Brasil tem regra pra tudo, o que não tem é o cumprimento delas.
Repaginar exame da Ordem
É importante, é necessário, é constitucional. Agora, acho que tem que ser repaginado. É feito nos mesmos moldes de um concurso público. Mas não é um concurso público. Foi terceirizado através da Fundação Getúlio Vargas, que é uma instituição muito séria, com credibilidade. É uma prova objetiva, cheia de pegadinhas para excluir o máximo de pessoa e depois uma subjetiva, que também tem pegadinha. Ou seja, é um modelo de prova para eliminar concorrência, quando deveria ser para avaliar quem tem condições mínimas de ser advogado. Eu já fiz uma manifestação formal ao presidente nacional da Ordem, sugerindo uma reformulação para tentar rever isso.
Tem outro lado que não aparece na prova que é a deficiência das faculdades de direito. São 1.074 escolas. Para todas funcionarem bem seriam necessários pelo menos 50 mil professores de qualidade, o que não é uma realidade. São milhares de estudantes que saem sem ter condição de exercer a profissão. Há até a acusação de que a OAB faz reserva de mercado, mas para a OAB seria muito melhor, do ponto de vista econômico, que todos passassem no exame. Na Bahia, a anuidade é a segunda menor, são 600 reais. Mas a verdade é que são muitos que não têm condição, e por isso o exame é necessário.
Falta leitura correta dos protestos
Está todo mundo atordoado com o que aconteceu em junho. As lideranças políticas ainda não fizeram uma leitura correta, o que gera perplexidade em relação ao posicionamento da polícia. A polícia esta aí para garantir o estado de direito, garantir as diferenças. Mas acontecimentos violentos, como os recentes do Rio, não representam processos democráticos. Mas tem que estar claro quais são as regras de processo. Como não estão claras, ocorrem os excessos tanto de um lado como de outro. Acho que ainda estamos num momento de perplexidade, que é muito fruto da incapacidade do Estado de ler corretame
Prisão perpétua e pena de morte
Acho preocupante por ser uma tentativa de resolver os problemas sociais através do direito penal. A violência não vai ser diminuída com a criminalização de condutas não aceitas socialmente ou o endurecimento das penas. O que precisa é de um sistema que funcione. O MP funciona mal, o Judiciário funciona mal. Tudo é uma questão de dar respostas eficientes por parte do sistema e isso não ocorre. Por exemplo, se fosse rápido o tempo entre a condenação e a prisão já seria uma forma de combater o crime. Mesmo quando vai preso depois de muito tempo, a sensação na sociedade é de impunidade.
Redução da maioridade penal
Eu sou contra a diminuição da maioridade penal porque isso não resolve e sim mascara o problema. O que precisamos é de uma política coerente para os menores. O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) tem inúmeras sanções para os menores, mas não existem centros de recuperação, os que existem só pioram a situação dos jovens infratores. Essa é também uma posição da OAB.
Só aumenta o problema do sistema prisional. Mas vejo isso muito como consequência dessa onda conservadora. Querem também transformar em hediondos crimes como a improbidade administrativa. Mas se não há julgamentos para esse tipo de crime! Se julgasse, muito político já estaria preso. Ao transformar em hediondo, o crime será julgado? Toda vez que se tenta resolver os problemas sociais pela via da criminalização, acho que é um equívoco. Você não resolve. Os estudiosos do assunto já apontam esse equívoco.
Relação do Estado com a população é frágil
Fizemos um pacto político em 1988. Com todas as contradições, a Constituição é um documento que sonha um país. Busca acabar as desigualdades. Mas esse país que se sonhou não se realizou nesses 25 anos. Mas o tempo é diferente para as pessoas e as instituições. É pouco tempo para estas últimas, mas para as pessoas é muito tempo. Do ponto de vista jurídico, a Constituição sofreu 73 emendas, apenas duas aumentam direitos: habitação como direito fundamental e celeridade da Justiça, no mais foi uma contrarreforma. Limite de juros seria 12%, mas nunca foi implementado, ao contrario, foi retirada por uma emenda no governo Lula. Diminuiu direitos dos aposentados, do servidor, das empresas nacionais.
Conclui-se que o Congresso Nacional é um dos grandes responsáveis pela não realização do país sonhado. O que me leva a achar uma grande ilusão uma assembleia constituinte, pois elegeríamos pessoas para ela que reproduziriam as forças reais de poder, que, ao invés de realizar o sonho de Brasil, foi uma força contra essa realização, ou seja, não haveria mudança. Reforma política ser votada pelo Congresso e por uma assembleia constituinte seria a mesma coisa.
Essa incapacidade de colocar em prática o que está garantido constitucionalmente gera uma série de crises. A estória de Collor já é um exemplo dessas crises. O povo queria e ainda quer um governo sem corrupção e isso caiu sobre o colo de Collor, que acabou caindo através de um processo democrático, e para tanto o povo foi às ruas.
Outro elemento são as modificações até certo ponto rápidas pelas quais o país passou. De repente pessoas que não tinham demandas, ou seja, pessoas que ascenderam socialmente, engrossaram o coro dos que pedem serviços públicos de qualidade e outras melhorias.
Mas isso é um reflexo do fato de que as mudanças rápidas da sociedade não são acompanhadas na mesma velocidade pelo Estado. Isso é da própria natureza do Estado.
A saúde é muito ruim, a segurança pública, as questões de acessibilidade são uma loucura. Ou seja, é tudo reflexo de uma condição histórica construída em 25 anos que vem demonstrando a incapacidade do Estado de cumprir com as expectativas da sociedade, de realizar o sonho que foi pensado há 25 anos. Por isso, acho que não dá para pensar claramente junho de 2013 em 2013, é cedo ainda. E por isso o atordoamento de todos sobre o que aconteceu.
O processo democrático é lento
O processo democrático é lento mesmo. Ouvi o governador Jaques Wagner falar que a reforma política é a mãe de todas as reformas, mas não terá este valor se pensar apenas numa reforma do sistema eleitoral. Ela seria importante, mas o debate sobre ela mostra uma minimização do que pode ser uma reforma política. Acho que precisamos republicanizar a República, como tentou fazer Ruy Barbosa em seu tempo. A democracia formal está muito bem, a toda hora vemos a Justiça Eleitoral caçando deputados, prefeitos etc. Precisa aperfeiçoar, sim, mas o que não está funcionando é a democracia material. Um país extremamente desigual, com demandas gigantescas e o Estado, simplesmente, não dá conta.