Há duas versões quanto à origem da palavra forró. Uns dizem que o termo vem da junção da expressão em inglês “for all”, que significa “para todos”, em português. Conta-se que os engenheiros britânicos da Great Western, instalados em Pernambuco, desde o final do século XIX, para construção de ferrovias no Nordeste, bem como os soldados das bases-aéreas americanas durante a Segunda Guerra, promoviam bailes abertos a todos que quisessem participar, especialmente nas cidades de Recife e Natal.
Essa versão inspirou a música “For all para todos”, de Geraldo Azevedo e Capinan: “[...] O inglês da ferrovia/Escreveu no barracão/For all.../Foi então que o pau comeu/Nunca mais sentou o pó/ Eu só sei que o povo leu/Forró Forró Forró Forró [...]”.
O produtor e músico Zé da Flauta fala que quem quiser acreditar que acredite nessa versão, mas, para ele, essa história é “conversa pra boi dormir”. Zé da Flauta ― do mesmo modo que o historiador Luis Câmara Cascudo ― defende que a palavra forró vem do termo “forrobodó”, utilizado para se referir a baile popular, arrasta-pé, festança, bagunça, confusão, como consta dos dicionários.
No texto "Você realmente sabe o que é o Forró?", ele apresenta o seguinte argumento:
“Quando eles [os ingleses] chegaram ao Brasil, com a Great Western, para construir estradas de ferro, no início do século XVIII, o forrobodó já existia, assim como o pagode, o samba e o arrasta-pé ― que eram expressões para designar as festas populares movidas à música, dança e aguardente. O forrobodó, por ser uma palavra nascida no Nordeste, foi que deu origem à palavra forró. O primeiro registro data de 1733, num jornal chamado O Mefistófolis (o satanás), no número 15: ´Parabéns ao Dr. Artur pelo grande forró realizado em sua casa...’”.
Targino Godim, no documentário “Viva São João”, reforça a ideia de que o forró é animação, diversão, bagunça. Segundo ele, é a forma que o povo do Nordeste, onde o forró nasceu, tem de expressar sua alegria, sua vontade de se divertir, de brincar, de criar.
Forró era chamado de samba
Gilberto Gil, num texto escrito por ele e intitulado “O forró”, comenta que a expressão “samba” (palavra que, em sua origem tupi, era usada para nomear uma roda de dança) veio a se tornar, especialmente no Nordeste, “a designação genérica para toda festa, todo folguedo, toda reunião lúdica regida pela música”.
Ele conta que, em 1972, quando voltou do exílio na Inglaterra, ao percorrer a extensa região de Alagoas, Paraíba, Pernambuco e Ceará ficou surpreso ao ver que a palavra “samba” era comumente utilizada para designar os arrasta-pés. Nos bailes locais, o baião, o xote e o xaxado eram as principais manifestações musicais, e não o samba, como este é conhecido na Bahia e no Rio.
No documentário “Viva São João”, Sivuca lembra de sua primeira apresentação como sanfoneiro: foi numa festa de São João, num lugarejo na Paraíba chamado Fava de Cheiro, numa fazenda também chamada Fava de Cheiro, no ano de 1940.
“Pela primeira vez, empunhei a sanfona para fazer um baile profissionalmente, eu tinha 10 anos, e era um forró. Mas ninguém ousava chamar, numa casa de família, um baile de forró. Se o tocador dissesse dentro da casa ´estou tocando no forró´, ele era posto para fora, a socos e pontapés, porque era uma palavra obscena naquele tempo”, disse Sivuca.
Ele fala que o termo “samba” era até aceitável, mas ainda soava pejorativo; correto mesmo era chamar o evento de baile. No entanto, não se admitia dizer que era forró. “Chamar de ´torrado´, então, era terrível”, recorda o sanfoneiro.
Popularização do termo forró
Gilberto Gil acredita que a adoção da palavra “forró” como nome genérico para a festa nordestina se tornou predominante quando este termo ― de origem urbana, segundo ele ― passou ocupar o imaginário nacional. E Luiz Gonzaga foi o grande responsável por isso, ao disseminar o baião e os demais gêneros nordestinos em nível de massa, nos anos 50.
“Em 1946, Luiz Gonzaga grava e populariza o primeiro disco de baião. Nos anos de 1950-60, o gênero (baião, xaxado, xote, pé-de-serra) já se inscreve como um gênero de aceitação nacional, passando, daí em diante, a dialogar com todo o universo musical brasileiro, do são-joão ao carnaval”, afirma Gil.
Alceu Valença, no documentário “Viva São João”, fala que o forró, como gênero musical, é fruto dos vaqueiros, dos aboios e toadas. “É o xaxado, é o xote, tudo isso é forró. Forró é o genérico. É uma música mourisca, porque a cultura árabe veio através dos portugueses para o Brasil, na colonização. Então, o aboio é uma coisa árabe”.
A longa dinastia do baião
Gilberto Gil, ao final do texto “O forró”, situa no tempo, dos anos 50 aos dias atuais, a longa dinastia da família do baião, a partir do reinado de Luiz Gonzaga: “De dança da moda dos salões cariocas nos anos 50 até a base do galope do carnaval baiano dos anos 90, a família nordestina do baião se movimenta, ao longo da segunda metade do século XX, como uma verdadeira família real cuja longa dinastia viria a se estender pelos novos tempos da musica tecno no século XXI”.
De acordo com ele, o forró engloba tanto os clássicos de Marinês e do Trio Nordestino, incluindo seus “descendentes retrô”, como “as formas mutantes da oxente-music”, de Fortaleza, Campina Grande e Caruaru.
Ao contrário dos puristas, ele considera esse processo de transformação do forró como algo próprio da dinâmica da cultura popular brasileira. Em suas palavras: “misturada aos elementos lítero-musicais do brega, do sertanejo e do pagode, a música do forró vai levando adiante a saga antropofágica da nossa cultura popular, assumindo a hibridação como seu traço constituinte elementar”.
Saiba mais:
Veja o artigo “Forró: música e dança `de raiz´?”, escrito pela professora Adriana Fernandes, da Universidade Federal de Goiás.
Leia também: “For all, folkmídia e a indústria cultural regional”, da professora Maria Érika de Oliveira, do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
E para quem quiser se aprofundar ainda mais no assunto, está disponível na Internet, a dissertação de mestrado, “Para todos os gostos: um estudo sobre classificações, bailes e circuitos de produção do forró”, de Daniela do Amaral Alfonsi.