Consuelo Pondé

Luiz Gonzaga e Gonzaguinha, uma relação tumultuada

Não tenho qualquer preconceito em relação ao cinema brasileiro, que vem melhorando sensivelmente, a partir de apoios oficiais, diante de novos diretores talentosos, de intérpretes seguros, dentre os quais cito Selton Mello, Breno Silveira, Guell Arrais e tantos outros de igual estirpe.

Assim, por ser admiradora do centenário Luiz Gonzaga e do seu indefinido filho, Gonzaguinha, apreciei muitíssimo o filme dedicado aos dois artistas, que está sendo exibido em algumas salas de cinema de Salvador.

De acordo com minhas leituras o filme é muito fiel à história de vida do rei do xaxado, do baião e de outros ritmos nordestinos.

Luiz Gonzaga nasceu a 13 de dezembro de 1912 na fazenda Caiçara, numa casa de barro batido, no povoado de Araripe, município de Exu, no sertão pernambucano. Era o segundo filho de Ana Batista de Santana e oitavo de Januário José dos Santos.

Não adquiriu conhecimentos escolares que o habilitassem aspirar uma situação favorável. Aprendeu a tocar com o próprio pai que lidava com a roça, num latifúndio, consertando e tocando acordeão nas horas vagas. Por causa dessa humilde condição, da falta de berço e de escolaridade, teve contrariado o seu sonho de casar-se com Nazarena, filha de um fazendeiro das proximidades do rancho de Januário, o respeitado e temido coronel Raimundo Deolindo.

Sentindo na pele a força de preconceito de classe e de cor, percebeu que seria impossível vencer tamanha resistência, em que pese o amor que o jovem casal alimentava. Ameaçado de morte pelo pai da jovem, temendo pela própria vida, fugiu da casa paterna e viajou para o Crato (CE) onde ingressou no Exército. Durante nove anos manteve-se longe da família, sem dar qualquer notícia do seu paradeiro. Engajado na tropa, percorreu, como soldado, vários estados brasileiros, chegando ao Rio de Janeiro.

Apaixonado por Nazarena, não se firmou amorosamente com mulher alguma, tendo tido muitas amantes ao longo do tempo. Em 1939, deu baixa no Exército, no Rio de Janeiro. Havia conhecido em Juiz de Fora um soldado de nome Domingos Ambrósio, habilíssimo acordeonista, passando, por influência desse amigo, a pensar na carreira musical. Naquela oportunidade teve definido o seu caminho, passando a tocar acordeão nas zonas de prostituição da cidade.

A princípio, apenas solava acordeão, tocando choros, sambas, foxtrotes e outros gêneros da época. Seu repertório, de músicas estrangeiras, não fazia sucesso.
Todavia, em 1941, apresenta-se no programa de rádio de Ary Barroso, com um ritmo novo Vira e Mexe, de sua autoria, que balança o auditório.

Em seguida, foi contratado pela Rádio Nacional, onde fez amizade com o gaúcho Pedro Raimundo, que usava trajes típicos da sua gente. Surgiu-lhe a idéia de fazer o mesmo, passando a usar roupa de vaqueiro nordestino, com cujo figurino consagrou-se como artista.

Durante esse tempo manteve relacionamento com uma cantora do Dancing Brasil, Odaléia Guedes dos Santos, caso que iniciou quando ela já se encontrava grávida, tendo Gonzaga assumido a paternidade do recém nascido, dando-lhe seu nome: Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior. As relações do casal, embora fossem fundadas no amor, eram muito tumultuadas, com muitas brigas e discussões, situação agravada com o nascimento do garoto.

No filme de Breno da Silveira, Léia, como era chamada Odaléia, adoece gravemente, falecendo de tuberculose. Após sua morte, Luiz Gonzaga pretendeu levá-lo para morar em casa, pois Gonzaguinha ficara órfão com dois anos e meio. Entretanto, foi impedido por Helena, tendo a criança passado a viver com os padrinhos: Leopoldina e Henrique Xavier Pinheiro, moradores do Morro de São Carlos, onde recebeu muito carinho e amor. Luiz Gonzaga sempre o visitava e se responsabilizava por suas despesas.

Em 1946 Gonzaga voltou ao Exu, tendo um emocionante encontro com os pais. O reencontro com o pai está narrado na composição: Respeita Januário, feita em parceria com Humberto Teixeira.

Em 1948, Gonzaga se casa com a pernambucana Helena Cavalcanti, tendo o casal vivido junto até o fim da vida. Como não tiveram filhos biológicos, decidiram adotar uma menina, batizada com o nome de Rosa.

O filme retrata, com fidelidade, os desencontros entre pai e filho, por cuja razão, talvez, o menino tenha tido um comportamento pouco recomendável. Não podendo tê-lo em sua casa, por implicância da mulher, internou Gonzaguinha, que contraiu tuberculose, salvando-se por milagre. Aos 16 anos de idade Gonzaguinha foi levado pelo pai para sua casa na Ilha do Governador, mas as desavenças entre os dois só fizeram crescer, por conta do desejo de liberdade do filho e do autoritarismo do pai.

O rebelde jovem tornou-se malandro, viciado em drogas e alcoolista, embora tenha conseguido formar-se em Economia pela Universidade Cândido Mendes. Seu gosto era para música, tendo-se firmado como um dos mais brilhantes compositores e intérpretes daquela época. Felizmente, em 1979, ambos se entenderam e fizeram uma vitoriosa turnê pelo Brasil. Tornaram-se, enfim, amigos. Luiz Gonzaga morreu em 1989, vítima de uma parada cardiorespiratória, tendo sido velado em Juazeiro do Norte e, mais tarde, conduzido para sua terra natal.

Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior nasceu no Rio de Janeiro, no dia 22 de setembro de 1945 e faleceu, em Renascença, a 29 de abril de 1991. Compôs sua primeira canção aos 14 anos, intitulando-a: “Lembranças da Primavera”.

Pouco mais de um ano e foi a vez de Gonzaguinha, precocemente, desaparecido em desastre automobilístico. Cada um no seu gênero foram ambos magníficos representantes da música popular brasileira.