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Itapuã convive com o perigo

Polícia trava combate contra o tráfico na região
Polícia trava combate contra o tráfico na região

A área que engloba o bairro de Itapuã e regiões vizinhas já não possui a mesma tranquilidade de quando o local era apenas uma colônia de pescadores.

A praia tornou-se famosa e hoje abriga diversas casas de veraneio, além de ser bastante frequentada por boêmios e turistas em busca do clima sereno cantado nos versos de Vinícius de Moraes. A intensa movimentação de veículos e pessoas pelas ruas e avenidas em nada se assemelha ao sossego que dominava a região há algumas décadas.

A ocupação irregular modificou amplamente o local, que atualmente abriga aproximadamente 250 mil habitantes, conforme o sistema de indicadores elaborado pela prefeitura de Salvador. Como em vários outros pontos da cidade, é bastante comum encontrar ruas que, mesmo sem a estrutura física necessária, abrigam várias casas e até mesmo estabelecimentos comerciais.

Faltam também oportunidades de emprego, o que, para alguns moradores, é o principal motor para os altos índices de violência registrados pela polícia.

Segundo dados divulgados pela Secretaria de Segurança Pública (SSP), a 20ª Área Integrada (AISP), que engloba Itapuã e bairros vizinhos, é uma das mais perigosas da capital baiana. Em abril deste ano, a região foi a que mais registrou estupros (nove).

No mesmo mês, ela também foi campeã em número de roubos e furtos de veículos (89 casos no total), além de ter ficado em terceiro lugar no índice de homicídios dolosos, com 16 casos. Em maio, a ação de criminosos também foi intensa, com 69 roubos ou furtos de veículos e nove homicídios.

Nos cinco primeiros meses deste ano, foram notificados na 20ª AISP um total de 54 homicídios dolosos, 22 tentativas de assassinato e 21 estupros consumados. Desde 2007, foram 588 assassinatos, média superior a 100 homicídios por ano. O número assusta quem mora na região.

“Tenho medo de sair de noite. Se bem que hoje em dia não tem mais hora para ação de bandidos. Mesmo com a luz do dia eles assaltam, matam e fazem o que bem entendem”, disse Márcio Araújo, morador de Itapuã. Com os altos índices de violência, não é preciso procurar muito para encontrar quem já foi vítima ou presenciou um crime.

“Já fui assaltada umas três vezes. Outro dia estava saindo de casa de manhã cedo e tomaram meu celular. Também já vi matarem um homem no meio da rua, perto de onde eu moro. Passaram de moto e atiraram nele a sangue frio. Foi terrível”, contou Lívia Mota, residente no Parque de São Cristóvão.

Para Nilton Marques, líder comunitário de Itapuã, o problema da segurança na região passa pelos baixos índices de educação e pela falta de oportunidade. “Essa é uma questão bastante complexa, mas acho que a solução é dar atenção às áreas mais pobres. Se você pega um usuário e dá a ele a chance de fazer um curso profissionalizante de três horas por dia, ele já deixa de usar drogas durante esse tempo ou de tomar os pertences de algum desavisado pra abastecer o vício dele.

É preciso educar essa gente e não colocar na cadeia, que é uma verdadeira universidade do crime. Temos que achar uma solução imediatamente, porque a coisa tá pegando e se nada for feito tudo tende a piorar”, pontuou.

Na última semana, a segurança da região foi tema de uma audiência entre o deputado estadual Marcelino Galo (PT), a Frente Comunitária e Parlamentar Mista em defesa de Itapuã e o secretário de Segurança Pública, Maurício Barbosa.

Durante o encontro, o parlamentar baiano reivindicou mais ações de combate a criminalidade em localidades como Bairro da Paz, Nova Brasília, Abaeté, Água Suja, Baixa do Soronha, Alto do Coqueirinho, Stella Maris, Praia do Flamengo, entre outras.

“Discutir a segurança no bairro é fundamental, pois Itapuã é um dos bairros mais tradicionais de Salvador e possui atrativo turístico em potencial por possuir toda uma infraestrutura adequada de serviços, favorável à prática da atividade turística no espaço”, avaliou Marcelino Galo.

Ainda durante a audiência, a Frente Comunitária entregou ao secretário Maurício Barbosa um documento no qual manifestava a insatisfação com a segurança local e apresentava uma série de reivindicações, como a criação de uma delegacia que atenda exclusivamente os bairros de Mussurunga, São Cristóvão, Jardim das Margaridas, Vila Romana e Vila Verde.

“Quem mora nessas comunidades são cidadãos, que pagam impostos e desejam recuperar a qualidade de vida que se deteriora rapidamente dia após dia”, salientou o deputado.

Ainda seguindo a linha de exigências, foi solicitada à SSP a imediata implantação do programa Ronda nos Bairros da Polícia Militar na região. O projeto é reconhecido por reduzir estatisticamente os índices de violência do local em que é implantado.

Problemas sociais

Entre as áreas de maior risco na região de Itapuã, estão as invasões Planeta dos Macacos e Iolanda Pires, localizadas no bairro de São Cristóvão. As duas áreas já foram consideradas zonas críticas pela SSP, principalmente pelo domínio exercido por quadrilhas de traficantes.

Em determinados locais, a manutenção da rede elétrica, esgoto ou até mesmo a entrega de botijões de gás e correspondência só é possível por meio de escolta policial ou “autorizações especiais” dos chefes de facções criminosas. Adolescentes ou crianças recrutados pelo tráfico se ocupam de ordenar a saída dos visitantes indesejados.

“São áreas extremamente violentas e cheia de problemas sociais. É onde a cidadania não chega”, definiu Alberto Gonçalves, morador do Parque de São Cristóvão.

O folclórico Parque do Abaeté é considerado atualmente uma área extremamente perigosa em virtude do crescente número de assaltos a visitantes. “É bastante comum porque o policiamento é esporádico. Às vezes têm, outras não. Lembro de um assalto que ocorreu há algum tempo, quando um ladrão armado com um estilete roubou a máquina fotográfica de um turista.

Ele tentou cortar a alça do equipamento e acabou atingindo o ombro da vítima. Isso não ocorreria com um sistema de segurança mais efetivo. Por isso que eu digo que já não é mais seguro caminhar pelas dunas do Abaeté. Isso ficou no passado”, disse o comerciante Carlos Rodrigues.

A Baixinha de Mussurunga é outra área considerada perigosa. No ano passado, uma chacina ocorrida no local deixou quatro pessoas mortas. Em 2008, sete pessoas foram mortas no local.

As vítimas estavam em dois bares da região e assistiam a um jogo na televisão no momento do crime. O responsável pelo crime, o traficante Renildo dos Santos Nascimento, o “Aladin”, foi morto em 2010. 

PROCURADOS - A região abriga ainda alguns dos criminosos mais procurados do estado. O Ás de Copas do Baralho do Crime, ferramenta elaborada pela SSP para divulgar a imagem de bandidos foragidos, é Carlos Alberto dos Santos, o “Beto Fuzileiro”, acusado de cometer latrocínios em Itapuã, Nova Brasília e adjacências.

O Rei de Espadas, Carlos Eduardo de Jesus, também acusado de latrocínios e outros crimes, é outro que atua na região. Marivaldo Ferreira dos Santos, o “Coren”, é o Oito de Espadas, procurado por roubos cometido em Itapuã e bairros vizinhos.

No final do ano passado, uma ação promovida pela Polícia Civil baiana prendeu no Bairro da Paz Roberto dos Santos, o “Betão”, um dos traficantes de drogas mais procurados do estado. Roberto era apontado como braço direito de um dos maiores criminosos da Bahia, o traficante Genilson Lino da Silva, o “Perna”, preso durante a Operação Big Bang, deflagrada em junho de 2008.
 
Segundo os investigadores, “Betão” mantinha ligações com traficantes da Bolívia e possuía laboratórios para refino de cocaína no Bairro da Paz, Pernambués, Itapuã, Nordeste de Amaralina, na Ilha de Itaparica e cidades do interior. Ele também era apontado como responsável por pelo menos três homicídios ocorridos em Salvador e por fornecer armas para quadrilhas de assaltantes de bancos, de carros fortes e de empresas de segurança de valores.