Espaços amplos, portões em forma de arcos, janelas largas e localização à beira da Baía de Todos os Santos. As características que, no passado, eram estratégicas para a instalação dos trapiches como pontos de apoio das atividades comerciais marítimas de Salvador, hoje são atrativos fundamentais para a reutilização desses espaços. Antes ociosos e abandonados, os trapiches passaram a despertar novamente o interesse de empresários desde o início da revitalização do Comércio, em 2004.
Condomínio de alto luxo, museu, centro de audiovisual ou estacionamento. Independente do tipo de atividade que possa abrigar, readequação é a palavra de ordem nesses espaços que têm se transformado e dado cara nova à Cidade Baixa. Adquiridos, em maioria, pela iniciativa privada por meio de leilões realizados pela União, segundo informações do Escritório de Revitalização do Comércio (ERC), os trapiches são alvos de grandes investimentos.
“É muito bom que venha se promovendo a utilização desses lugares de forma positiva. Pra nós, que trabalhamos diretamente com a revitalização da cidade, isso é motivo de muito orgulho”, destacou Marcos Cidreira, diretor do ERC.
Do Comércio à Avenida Contorno, entre os antigos trapiches que foram readaptados ou que ainda passam por reformas e readequações estão: o Trapiche Unhão, hoje conhecido como Solar do Unhão que, localizado ao longo da Contorno, abriga o Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM); o Trapiche Querino, na Avenida Jequitaia, que é particular e funciona como depósito e estabelecimento comercial; o antigo Caes do Ouro, hoje a casa de espetáculos Cais Dourado, foi adquirido em 2007 por um grupo de empresários; e o Mercado do Ouro que, pertencente à tradicional família Bahia, foi cedido por arrendamento a Carlinhos Brown e é sede do Museu do Ritmo – casa de show que realiza ensaios durante o verão.
Outros três espaços passam por transformações e merecem destaque: o Trapiche Pequeno, localizado na Rua do Pilar, o Trapiche Barnabé, na Av. Jequitaia e o Trapiche Adelaide, na Av. Contorno. Os dois primeiros foram adquiridos pelo mesmo empresário, o cineasta francês Bernard Attal, que, ao enxergar o potencial do Comércio, criou o grupo Trapiche Barnabé.
“O projeto vislumbrou o potencial do bairro, que está em processo de revitalização, e é uma forma de aumentar a qualidade e a quantidade da produção artística local”, ressalta a apresentação do projeto.
POLO AUDIOVISUAL – Hoje, o Pequeno funciona como espaço de intercâmbio profissional, reunindo produtoras de audiovisual, profissionais de moda, design gráfico, produção multimídia, iluminação, agência de comunicação e web. A ideia é expandir ainda mais com a criação do Centro Audiovisual da Bahia, no Trapiche Barnabé, polo de produção para difusão da atividade audiovisual do Estado da Bahia e do Norte e Nordeste do Brasil.
No entanto, apesar de proposto há mais de quatro anos, pelo menos, o projeto ainda não tomou forma. De acordo com informações colhidas no local, apenas há cerca de 60 dias tiveram início as obras de restauração da parte interna da fachada e do lado direito do trapiche. “Por ser muito grande, o Trapiche Barnabé aguarda liberação das autoridades para sua total transformação”, explicou Cidreira. Enquanto isso, a maior parte do local funciona como estacionamento rotativo.
LUXO – O mesmo local que abrigou durante doze anos o badalado restaurante Trapiche Adelaide, que fechou suas portas em outubro de 2009, agora deve sediar o empreendimento imobiliário mais luxuoso de Salvador. O Adelaide, como será chamado, em homenagem ao antigo restaurante, contará com apenas 20 apartamentos de altíssimo padrão, que terão de 306 a 741m².
O edifício faz parte da iniciativa pioneira do empresário Armando Correa Ribeiro, da Eurofort Patrimonial, que é também proprietário do trapiche pertencente à sua família desde 1860.
De acordo com o Marcus Cidreira, diretor do Escritório de Revitalização do Comércio (ERC), todas as licenças para início da construção já foram liberadas. A estimativa é de que os apartamentos custem de R$4 milhões a R$8 milhões.
Salvador chegou a ter 429 trapiches
Nos séculos 18 e 19, auge do comércio marítimo mercantilista, não era permitido manter indústria no Brasil, de forma que muito do que se consumia no país era importado. As lojas sortidas inglesas de chapéus, cutelaria, fumo, artigos franceses de moda, linhos alemães, ferragens e tecidos de algodão, comuns na Salvador da época, eram abastecidas por navios que chegavam pelo mar da Baía de Todos os Santos.
A historiadora Maria das Graças Andrade Leal, no projeto do grupo Trapiche Barnabé, explica que os trapiches começam a surgir nesse contexto como propriedades de comerciantes portugueses, feitas para armazenar os produtos que chegavam pelo porto.
Nessa época, o mar ia além da região onde hoje está a Av. Jequitaia e a Rua do Pilar e, por conta disso e da proximidade com o porto, os primeiros aterros foram feitos ali para a construção dos trapiches.
Assim, Salvador chegou a ter 429 trapiches em pleno funcionamento por toda a costa. Aqueles mais próximos ao porto, o Caes do Ouro, Trapiche Querino, Trapiche Barnabé, Mercado do Ouro e Trapiche Pequeno, situados quase um ao lado do outro, mantiveram suas atividades por mais tempo. Porém, no século 20, a construção dos galpões do Porto foi decisiva para o declínio dos trapiches.
A Av. Jequitaia, finalizada em 1940, modifica a dinâmica do Comércio. Nessa década, se inicia o declínio dos trapiches, que perderam a função com a instalação do porto e os avanços técnicos da navegação. O Mercado do Ouro também entra em declínio. Nas décadas de 50 e 60, incêndios sucessivos destroem, parcial ou totalmente, o Mercado Modelo, o Mercado do Ouro, a Feira de Água de Meninos, o Trapiche Barnabé e outros”, explica a historiadora.
Apesar de manter suas atividades por um período mais prolongado, o Barnabé termina suspendendo suas atividades por conta da degradação do prédio. Além dos citados, foram importantes para a história da cidade o Trapiche Careca, o Piaçava, o Pilar e o Xixi, também destruídos por incêndios no século passado.