Em 1969, enquanto a Tribuna da Bahia dava os primeiros passos, Salvador passava por uma série de mudanças radicais nos hábitos de consumo. Os velhos armazéns “secos e molhados”, vendas e feiras-livres que abasteceram as despensas dos baianos durante séculos iam gradativamente cedendo lugar a uma nova forma de comprar: o serviço de auto-atendimento dos supermercados. O primeiro deles foi inaugurado em Salvador, nos anos 50, pelo empresário Raul Schwab, em um local conhecido como “Jogo do Carneiro”, no bairro da Saúde. Mas foi quando o atacadista sergipano Mamede Paes Mendonça entrou no ramo, em 1959, que começou a verdadeira revolução no varejo baiano, uma saga de sucesso que perdurou até o início dos anos 90. Filho de uma família pobre do interior de Sergipe, aos sete anos Mamede abandonou os estudos na terceira série primária para vender farinha que ele mesmo produzia na feira de Itabaiana. Todo dinheiro que ganhava, guardava em um colchão. Aos 18 anos, já tinha capital suficiente para abrir uma padaria em sociedade com o irmão mais velho, Euclides, que acabou brutalmente assassinado junto com o filho, na praça pública de Itabaiana, por questões políticas. Desiludido, em 1947, Mamede se mudou para Aracaju, onde abriu um negócio de atacado de alimentos em sociedade com dois cunhados e outro irmão, Pedro. Na década de 50, decidiu desfazer a sociedade e partir para Salvador. Abriu uma loja de atacado na Praça Marechal Deodoro da Fonseca, no Comércio. Depois, montou o armazém de secos e molhados “Casa Sergipana”, na Baixa dos Sapateiros.
Moeda nº 1
Em 1959, Mamede foi ao Uruguai e conheceu as lojas de auto-atendimento de Montevidéu. Foi como um momento de clarividência em que o atacadista percebeu o caminho da fortuna. Voltou com a ideia de montar um supermercado em Salvador. Sabendo que o pioneiro Schwab passava por dificuldades, comprou a loja do Jogo do Carneiro, reinaugurada no dia 2 de dezembro de 1959. “Essa foi a primeira loja da Rede Paes Mendonça, que ele considerava como sua moedinha número 1 do Tio Patinhas”, conta o administrador Raimundo Paiva Dantas, 65 anos, 15 deles trabalhados como gerente-geral da rede Paes Mendonça.
O sucesso foi vertiginoso e outras filiais se seguiram: Chame-Chame, Politeama, Tupi, até chegar a ser a maior rede de supermercados do Brasil, no final dos anos 80, com 156 lojas espalhadas pela Bahia, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Na cidade maravilhosa, Mamede instalou o maior hipermercado do Brasil, com 20 mil metros quadrados apenas de área de exposição.
Concorrência afeta o império
Nos anos 70, surgiu em Salvador a rede Unimar, do grupo Correia Ribeiro, voltada para um público mais elitizado, que não chegava a ameaçar os negócios de Mamede.
Nessa época, os baianos se referiam a todo supermercado como “Paes Mendonça”, tamanha a força que a marca adquiriu no subconsciente da população. Mesmo contra a vontade dos sócios, Mamede acabou comprando a rede Unimar, o que causou a primeira cisão na empresa.
“Comecei a trabalhar com ‘seu’ Mamede em 1974, quando ele inaugurou a loja do Canela e percebeu a necessidade de profissionalização do setor”, relembra Dantas.
“O homem tinha uma visão de mercado fantástica. Foi o primeiro empresário a saber aproveitar a inflação, não para extorquir, mas para reduzir a margem de lucro nos preços da cada item e ganhar no volume. A concorrência não entendia, mas ele fazia os cálculos de cabeça e sabia que o produto comprado a CR$10 (dez cruzeiros) valeria CR$ 5 na hora de pagar ao fornecedor”, explica.
Dantas conta que o início da decadência de Paes Mendonça foi com a compra da rede de supermercados carioca Disco, que tinha muitas dívidas e um passivo trabalhista impagável. “Seu Mamede, que nunca tinha recorrido a empréstimos bancários, endividou-se pela primeira vez. Ele tinha 100 lojas e colocou como meta chegar a 150 filiais até o final daquele ano, o que conseguiu. Mas com o advento do Plano Collor, não teve condições sequer de pagar os juros da dívida e entrou em depressão. Os filhos não deram continuidade ao negócio, e a empresa acabou sendo vendida”.