Qual teria sido a descoberta ou feito de maior relevância para humanidade?
A resposta a esta questão não é facil por fomentar controvérsias e opiniões razoavelmente bem fundamentadas.
De modo recorrente, tal questão vem sendo levantada por importantes instituições de ciências e engenharia já há algumas décadas.
Uma das respostas mais frequentes a tais enquetes foi a eletricidade, um feliz achado.
Concordando ou não, a resposta é bastante razoável, e atrelada a diversas invenções extraordinárias e fáceis de notar ao nosso redor. Realmente, não é possível imaginar o mundo atual sem contar com o fenômeno da eletricidade.
Em 2025 celebram-se 250 anos do nascimento do grande pioneiro da eletricidade e do eletromagnetismo: o matemático e físico francês André-Marie Ampère (1775 - 1836). Ele inventou o solenoide e o telégrafo elétrico, entre outras coisas. Foi membro da Academia Francesa de Ciências, professor da École Polytechnique e do Collège de France. Era filho de Jean-Jacques Ampère (1733 - 1793), um próspero negociante, e Jeanne-Antoinette Ampère (c. 1749 - 1809, neé Desutières-Sarcey), ambos franceses.
Sua vida familiar foi muito conturbada, com algumas tragédias: primeiro ao perder sua irmã em 1792, e no ano seguinte seu pai que, ao aceitar ser juiz de paz (“juge de paix” ou juiz local), passou a ter muitos inimigos políticos, chegando a ser guilhotinado durante a Revolução Francesa por emitir um mandado de prisão de um relevante Jacobino. Diz-se que o pai de Ampère aceitou a sentença com notável serenidade, escrevendo da cela: “desejo que minha morte seja o selo de uma reconciliação geral entre todos nossos irmãos; perdoo todos que se alegram com isso: aqueles que provocaram e aqueles que ordenaram...” Apenas uma paixão arrebatadora, que levou ao seu primeiro casamento, tempos depois, lhe trouxe um pouco de paz e conforto. Em memória a seu pai, Ampère deu o mesmo nome ao seu filho primogênito, nascido em 1800.
Na primeira quinzena de dezembro de 2025, o Musée Ampère (www.amperemusee.fr), casa onde passou sua adolescência em Poleymieux-au-Mont-d’Or, a apenas dez quilômetros de Lyon, tambem conhecido como Museu da Eletricidade, irá celebrar este marco histórico. Grosso modo, Ampère descobriu que um campo magnético pode ser criado por uma corrente elétrica, e que tal campo é proporcional à intensidade dessa mesma corrente. Ou seja, quanto maior a corrente, mais intenso o campo elétrico.
Ele foi o primeiro cientista capaz de explicar tal fenômeno em diversos trabalhos científicos, unindo pela primeira vez eletricidade e magnetismo, tendo como base as pioneiras observações experimentais do físico e químico dinamarquês Hans Christian Orsted (1777 - 1851). Em linhas gerais, correntes elétricas são como rios de minúsculas partículas chamadas elétrons fluindo através de fios. Ampère foi, portanto, pioneiro na atribuição de uma partícula elementar, carregada eletricamente, que é a base para a compreensão dos ditos fenômenos eletromagnéticos.
Seu primeiro trabalho envolveu jogos de azar: “Considérations sur la Théorie Mathématique du Jeu”, de 1802, que pode ser traduzido livremente por “Considerações Sobre a Teoria Matemática dos Jogos”. Entre seus mais importantes trabalhos, explicou ainda a razão através da qual dois fios paralelos que conduzem corrente elétrica se atraem ou se repelem, dependendo se as correntes fluem na mesma direção ou em direções opostas, respectivamente, que é parte do ensaio: “Mémoire sur la Théorie Mathématique des Phénomènes Électrodynamiques uniquement Déduite de l’Experience” (“Memórias sobre a Teoria Matemática dos Fenômenos Eletrodinâmicos, Deduzida Unicamente da Experiência”), publicada em 1826. A ciência da eletrodinâmica surgiu a partir de importantes obras desta época.
Em sua homenagem, foi atribuído ao seu sobrenome a unidade de medida do Sistema Internacional (SI) referente a intensidade ou ainda o fluxo de uma corrente elétrica em 1881. Há tambem um afluente direito do Rio Capanema, bem como um pequeno próspero município brasileiro, no sudoeste do Paraná que homenageia o nome deste grande cientista.
Católico fervoroso graças a sua dedicada mãe, enviuvou muito jovem, e escreveu uma elegia pela perda de sua esposa Catherine-Antoinette Ampère (1773 - 1803, neé Carron, e que gostava de ser chamada de Julie), baseado no Salmo 57, versículo 1: “Misericórdia, ó Deus; misericórdia, pois em ti a minha alma se refugia.” Numa tradução livre, a homenagem escrita foi: “Ó Senhor, Deus de Misericórdia, une-me no Céu àqueles a quem me permitiste amar na Terra.”
Como epitáfio escolheu, em latim, seus últimos dizeres: “Tandem Felix”, ou seja, “Enfim, Feliz”.
__________
Marcio Luis Ferreira Nascimento é professor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química da UFBA e pesquisador do SENAI-CIMATEC
