
A revolução provocada pela inteligência artificial não se restringe ao campo tecnológico. Ela começa a redefinir o valor econômico, social e simbólico do trabalho humano.
Avital Balwit, executiva da Anthropic, empresa criadora do modelo Claude, acredita que, no curto prazo, os trabalhadores que realizam atividades físicas -- carpinteiros, jardineiros, encanadores e eletricistas -- ganharão mais relevância e valorização. Enquanto isso, grande parte das ocupações de colarinho branco, baseadas em conhecimento, como consultoria empresarial, advocacia e pesquisa de mercado, sofrerá uma redução de prestígio e remuneração.
Os modelos de IA já conseguem executar muitas das tarefas cognitivas que antes exigiam anos de formação. O que permanecerá como diferencial humano é a capacidade de usar essas ferramentas para criar, direcionar e inovar. Em outras palavras, não se trata de competir com a IA, mas de aprender a orquestrá-la.
Os trabalhadores iniciantes são os primeiros a ser substituídos, por ocuparem funções repetitivas e de baixa responsabilidade, mostrou estudo realizado por pesquisadores de Stanford. Profissionais experientes resistem melhor, pois oferecem julgamento, supervisão e criatividade -- habilidades que a IA ainda não domina, conclui o estudo.
“A IA representa uma grande ameaça para grande parte da indústria criativa”, de acordo com Daniel Carpenter, diretor executivo da instituição de caridade Heritage Crafts, ouvido pelo Financial Times. Ele acredita, no entanto, que o setor de artesanato, avaliado em US$ 907 bilhões em 2024, será beneficiado. O faturamento do setor pode atingir US$ 1,94 trilhão até 2033, segundo a empresa de análise Research and Markets.
Muitos artesãos também estão se adaptando, adquirindo habilidades contemporâneas como o marketing de mídia social, destaca reportagem do jornal britânico.
Levantamento feito pelo The Budget Lab permite um pouco de otimismo quanto à manutenção dos empregos. O mercado de trabalho em geral não sofreu nenhuma interrupção perceptível desde o lançamento do ChatGPT há 33 meses, aponta a pesquisa, o que enfraquece os temores de que a automação da IA esteja atualmente corroendo a demanda por trabalho cognitivo em toda a economia.
"Historicamente, a disrupção tecnológica generalizada nos locais de trabalho tende a ocorrer ao longo de décadas, em vez de meses ou anos. Os computadores só se tornaram comuns nos escritórios quase uma década após seu lançamento ao público, e levaram ainda mais tempo para transformar os fluxos de trabalho. Mesmo que as novas tecnologias de IA venham a impactar o mercado de trabalho de forma tão drástica, ou até mais drástica, é razoável esperar que os efeitos generalizados levem mais de 33 meses para se materializar", diz o The Budget Lab.
O surgimento de novos setores e funções
Com a IA se tornando um agente central da economia, surgirão novas profissões em áreas até hoje impensadas. Em artigo publicado pelo portal de notícias The Free Press, Balwit aponta especialmente para o setor de energia, que precisará ser expandido para sustentar o imenso poder computacional demandado por modelos de larga escala. A biomedicina é outro campo promissor: com o avanço vertiginoso da pesquisa científica, haverá um boom de descobertas que exigirão testes clínicos, regulação e avaliação ética.
Além disso, a IA poderá contribuir para resolver problemas estruturais da humanidade, como a escassez de água potável, ao viabilizar tecnologias de dessalinização de baixo custo. Tais inovações poderão tornar habitáveis regiões antes inóspitas -- e criar novas cadeias produtivas.
Isso, segundo ela, tende a deslocar uma parte significativa da força de trabalho de volta ao mundo físico: haverá mais empregos “fora das telas”. Para Balwit, esse movimento pode representar uma oportunidade de reencontro com a materialidade da vida, depois de décadas de crescente virtualização.
A valorização do contato humano
Num cenário em que algoritmos podem redigir relatórios, desenhar campanhas e escrever piadas melhores que as humanas, a busca por experiências autênticas se intensificará. Terapeutas artificiais poderão oferecer conselhos eficazes, mas muitas pessoas continuarão desejando o calor de uma conversa verdadeira. Daí a previsão de crescimento de ocupações que envolvem interação humana direta -- mentores, treinadores, artistas, animadores, recepcionistas, anfitriões.
Mesmo que a IA possa gerar conteúdo humorístico impecável, poucos aceitarão substituir o comediante de carne e osso por uma máquina. O riso compartilhado continuará sendo um ato de comunhão humana.
O status na era das máquinas inteligentes
Mesmo em um mundo dominado por inteligências superiores, os humanos continuarão competindo entre si. A IA não eliminará a busca por status; apenas a deslocará. Quando todos estiverem classificados abaixo das máquinas, novas formas de distinção surgirão: carisma, generosidade, coragem, beleza, singularidade e até a qualidade das relações com as próprias IAs.
O fundador de tecnologia Avi Schiffmann chega a sugerir que as pessoas disputarão prestígio pela originalidade de seus companheiros de IA -- e talvez as próprias máquinas passem a competir por terem humanos mais interessantes. O que hoje parece absurdo poderá se tornar trivial, como já ocorreu em outros períodos da história.
No século XIX, o status derivava da habilidade de empunhar um martelo ou fiar lã com perfeição. Hoje, ostentamos férias em Bali e carros elétricos. Amanhã, poderemos disputar quem possui o assistente artificial mais sofisticado -- ou quem vive com mais autenticidade em meio às máquinas.
O cofundador da OpenAI, Andrej Karpathy, adotou um tom realista, sobre a capacidade atual dos agentes de IA, em conversa no podcast Dwarkesh. "Eles simplesmente não funcionam. Não têm inteligência suficiente, não são multimodais o bastante, não conseguem usar computadores e todas essas coisas”, disse Karpathy, que atualmente desenvolve uma escola nativa de IA no Eureka Labs.
Em uma publicação no LinkedIn, Quintin Au, líder de crescimento da ScaleAI, explicou como os erros desses agentes se acumulam a cada nova tarefa assumida. “Atualmente, toda vez que uma IA realiza uma ação, há aproximadamente 20% de chance de erro (é assim que os modelos de linguagem funcionam; não podemos esperar 100% de precisão)”, disse. “Se um agente precisar completar 5 ações para terminar uma tarefa, há apenas 32% de chance de que acerte todas as etapas.”