
A três meses do encerramento de 2025, os gastos públicos somam mais de R$ 4 trilhões, segundo a plataforma Gasto Brasil, enquanto a arrecadação de impostos atinge R$ 3 trilhões, de acordo com o Impostômetro. O déficit de R$ 1 trilhão preocupa especialistas e acende alerta fiscal.
Os dados mais recentes da plataforma Gasto Brasil, que reúne informações oficiais do Tesouro Nacional a partir de diferentes bases públicas, indicam que a soma das despesas da União, estados e municípios já ultrapassou R$ 4 trilhões em 2025. Por outro lado, o Impostômetro, ferramenta que contabiliza a arrecadação de tributos em tempo real, registrou R$ 3 trilhões em receitas no mesmo período.
O cálculo é hipotético, mas ajuda a dimensionar o abismo entre os valores movimentados pela máquina pública e a renda real dos brasileiros. Para um trabalhador que vive com um salário mínimo, acumular R$ 4 trilhões seria uma missão impossível.
Matematicamente, essa pessoa precisaria de 236 milhões de anos para chegar a essa quantia -- isso supondo que não gastasse absolutamente nada do que ganha. O número é tão gigantesco que supera em centenas de vezes a própria idade da humanidade moderna, estimada em cerca de 300 mil anos.
Em outras palavras, uma pessoa recebendo um salário mínimo desde o surgimento do Homo sapiens ainda estaria muito, muito longe de alcançar o montante gasto pelo poder público brasileiro em apenas um ano.
O número impressiona pela quantidade de zeros (são 12), mas também desperta uma pergunta inevitável: o que esse valor representaria se fosse dividido igualmente entre os brasileiros?
De acordo com estimativas do IBGE, o Brasil tem cerca de 203 milhões de habitantes. Se o montante de R$ 4 trilhões fosse repartido de forma igualitária, cada cidadão receberia R$ 19.704,43. Em outras palavras, o equivalente a quase 14 salários mínimos, considerando o valor atual de R$ 1.412.
Dados do Tesouro Nacional mostram que a dívida pública federal é ainda maior: 7,9 trilhões.
Os gastos muito acima da receita pressionam a inflação, que deveria ser de 3% ao ano, no Brasil, com tolerância para chegar até 4,5%, mas se encontra atualmente em 4,85% anual, acima, portanto, do teto estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional.
Para controlar a alta generalizada dos preços o Banco Central precisa manter alta a taxa de juros básicos (Selic), hoje em 15%, o maior nível desde 2006, quando chegou a 15,25%.
O Brasil registra o segundo juro real mais elevado do munto (7,9% ao ano), perdendo apenas para a Rússia (9,9%), um país em guerra e sob sanções econômicas mundiais.
Desequilíbrio
Para Ulisses Ruiz de Gamboa, economista da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), o país enfrenta um desequilíbrio estrutural entre arrecadação e despesa. “O gasto está crescendo muito além da capacidade de arrecadação. O resultado disso é o aumento do endividamento e a persistência da inflação”, afirmou, segundo o portal Brasil 61.
De acordo com o especialista, a tendência de aumento nas despesas tem se intensificado ao longo do atual mandato presidencial. Ele estima que o governo deve encerrar o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com elevação de 10% a 11% na relação dívida pública/PIB.
Apesar de afastar a possibilidade de uma crise nos moldes da vivida pela Grécia, Gamboa considera preocupante a trajetória fiscal do país. “O governo não vai quebrar, mas gastar mais do que se arrecada aumenta a dívida, pressiona os juros e dificulta sua redução”, analisa.
Além disso, ele ressalta que o aumento da carga tributária tem sido um dos caminhos adotados para tentar equilibrar as contas, o que, segundo ele, compromete o crescimento econômico. “Temos dois problemas: uma carga já muito elevada e uma despesa pública crescente. Isso desestimula o empreendedorismo e afeta o setor produtivo”, avalia.
Para 2026, o cenário previsto por Gamboa é de inflação resistente e juros elevados por um período prolongado, mesmo diante de uma possível recuperação da atividade econômica. “Há um lado positivo, como a expansão do consumo e o desemprego baixo, mas o custo é uma inflação persistente e a necessidade de maior ajuste fiscal”, conclui.
Despesas aceleram em ritmo inédito
Cláudio Queiroz, consultor da Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB) e idealizador do Gasto Brasil, confirma o ritmo acelerado dos gastos públicos. Ele observa que, em 2018, foram necessários 104 dias para o país atingir R$ 1 trilhão em despesas; em 2025, esse marco foi alcançado em apenas 77 dias.
Segundo ele, os dados mostram uma antecipação crescente no volume de gastos. “Em 2018, o gasto de R$ 1,5 trilhão foi registrado após 155 dias. Em 2025, atingimos esse valor em apenas 116 dias, uma antecipação de quase 40 dias”, explica.
Queiroz afirma que, se mantida essa tendência, o Brasil poderá registrar um novo recorde de despesas até o final do ano. De acordo com seus cálculos, as contas públicas estão se expandindo a uma média de R$ 100 bilhões por mês, enquanto a arrecadação avança em ritmo inferior.
O levantamento conduzido pela CACB também passa a detalhar a composição da Previdência Social, hoje o principal fator das despesas. “Agora conseguimos distinguir os valores pagos pelo regime geral e pelos regimes próprios da União, estados e municípios. Trata-se de uma conta elevada, que demandará medidas de contenção já a partir de 2026”, alerta Queiroz.
Preocupação fiscal para os próximos anos
O cenário descrito pelos especialistas evidencia um descompasso entre o volume de gastos e a capacidade de arrecadação, o que eleva a dívida pública e acende um sinal de alerta para a política fiscal brasileira.
“O governo que assumir em 2027 — seja ele qual for — vai precisar agir rápido. Será preciso cortar gastos e melhorar a gestão pública. A conta já chegou”, adverte Cláudio Queiroz.