E não foi qualquer governador a passar por tamanha saia justa. Estamos falando do general Maynard Gomes, que governou Sergipe bionicamente por duas vezes e foi eleito senador outras duas. Nascido em Rosário do Catete (1886–1957) e formado militar na Escola Tática de Realengo (PJ), o general não era de levar desaforos para casa. Aliás, o ilustre passou boa parte da vida brigando por suas crenças, sempre armado até os dentes.
Só alguns exemplos da brabeza de Maynard Gomes: ele participou no Rio de Janeiro da Revolta da Vacina, entrando em choque com as forças legalistas para protestar contra a vacinação antivariólica obrigatória; foi um dos líderes da Revolta Tenentista de 13 de julho de 1924, que depôs o então governador de Sergipe, Graccho Cardoso; tomou de assalto o quartel do 28º Batalhão de Caçadores, em Aracaju e – pasmem – ajudou a empastelar o jornal Diário da Manhã (1923), violência praticada em plena luz do dia, pra todo mundo ver. Tá doido!
Nomeado governador (1930) pelo também general Juarez Távora, Maynard Gomes gozava da simpatia do ditador Getúlio Vargas (PTB). Graças à essa relação de amizade, conseguiu junto ao ministro de Aviação e Obras Públicas, Jose Américo de Almeida, os recursos necessários para a construção da Ponte de Pedra Branca, ligando os municípios de Laranjeiras e Maruim pela BR-101. Edificado pela construtora dinamarquesa Cristiane & Niielsen, este empreendimento foi considerado à época como uma das maiores obras do governo de Sergipe.
Para se ter uma ideia, Getúlio e uma grande comitiva desembarcaram do trem em Aracaju, no 30 de agosto de 1933, para inaugurar a grande obra do governo Maynard Gomes, numa concorrida solenidade. Naquele mesmo dia, o ditador inaugurou a desobstrução e o alargamento do Canal de Santa Maria, que ligava Aracaju a São Cristóvão, através dos rios Poxim e Vaza Barris, autorizou a construção de rodovias no interior, além do açude do Coité, no município de Frei Paulo. Foi uma festa de arromba!
Com pouco mais de 200 metros de extensão, a ponte de Pedra Branca foi considerada, à época, como a obra da década, pois os principais meios de locomoção em Sergipe eram o trem e as embarcações. O historiador Amâncio Cardoso ressalta no blog Fontes da História de Sergipe que a iniciativa viabilizou o transporte terrestre entre os municípios sergipanos, além de ter permitido a ligação dos estados nordestinos com os dos Sul e Sudeste do Brasil.
Antes dela, as pessoas dependiam basicamente do trem para viajar, por exemplo, entre Aracaju e Propriá. Professor Amâncio Cardoso recorre ao jornalista e escritor Carvalho Déda para destacar a relevância desse meio de transporte. Ao escrever sobre o modal, o intelectual simão-diense resgata o seguinte provérbio popular sobre as rodovias: “O trem apita é na curva”. Outro adágio imortalizado por Carvalho Déda ressalta que o relógio da estação era referência de pontualidade no saber popular: “Certo como o relógio de estrada de ferro”. É, quem atrasava era o trem!
Ainda sobre a dependência das rodovias pelos sergipanos, Amâncio cita o romance “Tereza Batista Cansada de Guerra”, do fabuloso escritor Jorge Amado. Um capítulo inteiro desta obra se passa na cidade sergipana de Boquim. “Ali, a personagem que dá título ao livro chega e parte de trem, vivendo dias trágicos, pois o município enfrentava uma grave epidemia de varíola. Num dos trechos da obra, o imortal baiano escreve que a doença “desceu em Boquim. (…), inoculou-se no foguista e no maquinista, mas o fez devagar, dando-lhes tempo para morrer na Bahia”. Misericórdia!
Pois bem!
Voltemos à afronta feita pelo pescador ao todo poderoso governador. Neste epílogo, nos socorremos com o amigo memorialista sergipano Murilo Mellins. O autor do livro Aracaju Romântica que Vi e Vivi contou ao competente jornalista Luiz Eduardo Costa que o general e comitiva se deslocaram da capital para conhecer detalhes do local onde seria construída a tão esperada obra.
Em maio de 2015, já desativada e usada apenas para a passagem da enorme tubulação da Adutora do São Francisco, a ponte desabou, deixando a Grande Aracaju sem águas por vários dias
Segundo disse Mellins a Luiz, “a estrada era horrorosa. Cobertos de poeira, chegaram à beira do rio, Maynard Gomes, seu secretário Nicanor Ribeiro Nunes – pai de Zé Peixe e de Rita Peixe – e outros que se deslocaram num segundo automóvel, coisa raríssima naquele tempo. O general, então, quis atravessar os 200 e poucos metros do rio para olhar a outra margem, porém o canoeiro que usualmente fazia a travessia não estava com o seu barco. Um dos integrantes da comitiva, que conhecia bem a canoa, avistou-a ancorada no lado oposto e começou a chamá-lo, gritando alto”, detalha.
E a história se finda assim: “A comitiva governamental não imaginava que o barqueiro fazia suas necessidades fisiológicas, protegido pelo mato, e também devia estar muito bêbado. Ao ouvir os gritos, ver o grupo do outro lado e sem saber de quem se tratava, gritou de volta: ‘Me deixem cagar, seus merdas. Vá todo mundo pra puta que pariu’. Um ajudante de ordens, indignado com a afronta proferida da outra margem, perguntou ao governador: Excelência, posso prender o canoeiro? Ao que Maynard Gomes, do alto de sua patente, respondeu: “Só se você for até lá nadando”. Todos entraram nos automóveis e voltaram para Aracaju comendo poeira”.
E não aconteceu nadica de nada com o cagão. Home vôte!