
Mais de 29 milhões de nordestinos que vivem em áreas urbanas estão em ruas sem rampas, o que representa 70,5% da população urbana da região. O dado, revelado pelo Censo 2022 e analisado pela Agência Tatu, mostra que 6 dos 10 estados nordestinos enfrentam índices acima da média nacional.
Ainda de acordo com os dados, o Nordeste tem o segundo pior índice do país, e o Ceará lidera o ranking nacional da falta de acessibilidade: 77,8% da população urbana cearense vive em ruas sem rampas. Outros cinco estados nordestinos também aparecem entre os piores do país: Paraíba (76%), Piauí (74%), Alagoas (73%), Sergipe e Rio Grande do Norte (72%).
Gabryelle de Oliveira, moradora de Maceió e pessoa com deficiência física (PCD), usa andador e cadeira de rodas e sente diariamente os impactos da falta de acessibilidade nas calçadas da capital alagoana.
“Nos dois modos eu preciso que a calçada tenha rampa e não seja desnivelada, o que em Maceió é extremamente difícil de encontrar. Quando existe, a calçada é irregular, esburacada e com rampa fora do padrão. É propício irmos ao chão”, relata.
Ela destaca que há investimentos em áreas turísticas, mas nas regiões residenciais a situação é precária. “Na orla, a gente encontra mais facilidade, mas basta ir ao Jacintinho, por exemplo, que não existe acessibilidade”, completa.
No Nordeste, 1.140 municípios (63,5% da região) têm índices de falta de rampas acima da média nacional (68,85%). Cidades como Tejuçuoca (CE) e Jaguaretama (CE) lideram os piores cenários, com 98% das vias sem rampas. Em seguida aparecem Itaú (RN) e Riachuelo (SE), com 97%, e Monsenhor Tabosa (CE), com 96%.
O Ceará ocupa o primeiro lugar no ranking nacional, com 77,8% da população urbana — equivalente a 5 milhões de pessoas — vivendo em áreas sem acessibilidade. Em seguida aparecem São Paulo, Paraíba, Minas Gerais (76%) e Goiás (75%). Outros estados nordestinos também aparecem com altos índices: Piauí (74%), Alagoas (73%) e, com 72%, Sergipe e Rio Grande do Norte.
Ausência de rampas e presença de obstáculos
A arquiteta e urbanista Zilsa Maria Pinto, professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), destaca diversos problemas relacionados à acessibilidade nas vias públicas. “Há ausência de rebaixamento do meio-fio nas travessias, como orienta a NBR 9050/2020; rampas para veículos invadem a faixa livre da calçada; e há ainda as barreiras atitudinais, com obstáculos causados pelo uso indevido dos passeios públicos”, explica.
De acordo com o IBGE, 65% da população urbana do país — cerca de 113 milhões de pessoas — vivem em vias com algum tipo de obstáculo. O Nordeste lidera com 69,3% dos moradores nessa situação e abriga o estado com o pior índice: Sergipe, que tem 78,3%. Ou seja, mesmo nas ruas que contam com rampas, a presença de barreiras físicas compromete o acesso, afetando principalmente pessoas com deficiência e idosos.
Com mestrado em Arquitetura e Urbanismo e doutorado em Educação, Zilsa ressalta que cabe às administrações municipais garantir a acessibilidade. “Enquanto as prefeituras não assumirem a responsabilidade pela construção das calçadas e continuarem repassando essa obrigação aos proprietários, a situação não será plenamente resolvida. A estrutura das vias públicas deve contemplar todos os elementos necessários à circulação de pedestres e veículos”, afirma.
Atuando na área de acessibilidade e planejamento urbano, Zilsa defende mais atenção por parte dos gestores municipais quanto à execução e fiscalização de obras.
“É necessário intensificar a fiscalização, embora muitas vezes as prefeituras não tenham estrutura suficiente para isso. Além disso, as cidades cresceram com calçadas estreitas, especialmente em bairros populares ou antigos, o que dificulta o cumprimento das exigências atuais de acessibilidade. A maior precariedade está nas periferias, onde sequer há calçadas em muitos trechos”, contextualiza.
Segundo ela, o planejamento urbano prioriza o fluxo de veículos, deixando os pedestres em segundo plano.
“O poder público se compromete com a pista de rolamento, o acostamento, a ilha e o canteiro central. Por que não se comprometer com a calçada, que é o espaço destinado exclusivamente aos pedestres?”, questiona a professora.