
A ararinha-azul (Cyanopsitta spixii), endêmica do bioma Caatinga e um dos símbolos da luta pela preservação da biodiversidade brasileira, deu um passo importante rumo à reintrodução em seu habitat natural neste começo de 2025. Chegaram a Curaçá (BA) 41 exemplares da espécie nascidos em cativeiro e destinados à reintrodução numa ação histórica para a conservação desta ave que havia sido dada como extinta na natureza no ano 2000 como resultado de décadas de captura ilegal e degradação do habitat.
A operação, que trouxe as ararinhas-azuis de Berlim para o Aeroporto Internacional de Petrolina (PE), foi resultado de uma colaboração internacional que envolveu a Association for the Conservation of Threatened Parrots (ACTP), com sede em Hannover, na Alemanha; o Greens Zoological Rescue and Rehabilitation Center (GZRRC), da Índia, a BlueSky.
Também contou com o apoio de diversos órgãos brasileiros, como Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Polícia Federal, Receita Federal, Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e Agência de Defesa e Fiscalização Agropecuária do Estado de Pernambuco (Adagro).
As aves passaram por um período de quarentena em instalação reformada pela BlueSky, no Instituto Federal do Sertão Pernambucano (IF Sertão), em Petrolina (PE). Durante esse período, as ararinhas permanecem sob monitoramento veterinário antes de serem transferidas para o centro de reintrodução em Curaçá (BA), local onde ocorrerá a soltura dos exemplares, que deverá ocorrer quando as ararinhas estiverem prontas para sobrevivência em vida livre e está prevista para junho próximo.
Durante a quarentena, em Petrolina, as aves passaram por exames laboratoriais rigorosos e monitoramento veterinário contínuo para garantir que fiquem saudáveis e aptas para a próxima fase: a adaptação ao habitat natural. O grupo foi conduzido com segurança até o Centro Científico para Fins Conservacionistas do Projeto de Reintrodução, em Curaçá, na Bahia, onde as ararinhas passaram por uma nova avaliação antes de serem agrupadas em equipes específicas para o processo de reintrodução.
Dez exemplares foram escolhidos para serem levados diretamente ao recinto de soltura, onde se uniram a outras dez ararinhas que já completaram o processo de adaptação e que, em breve, serão soltas na natureza. Cromwell Purchase, diretor da ACTP no Brasil, detalha os critérios para a seleção das aves:
“Consideramos a diversidade genética, a idade e as características comportamentais mais adequadas para compor o grupo. Agora que as autorizações para as solturas deste ano e do próximo já foram obtidas, iniciaremos a preparação das aves para a reintrodução. As datas específicas de soltura serão divulgadas quando as aves estiverem prontas, no momento adequado”, diz o especialista, que gerencia as ararinhas-azuis tanto na Alemanha quanto no Brasil.
Ugo Vercillo, diretor da BlueSky, destaca a importância da operação como parte de um esforço contínuo para garantir a preservação da ararinha-azul. “A chegada dessas novas ararinhas reforça nosso compromisso em dar continuidade aos processos de soltura planejados pelo Projeto de Reintrodução da Espécie, fortalecendo os esforços para evitar uma nova extinção da ararinha-azul e consolidando sua população na natureza no bioma Caatinga”, afirma.
Cooperação internacional
A chegada das 41 aves é mais uma etapa do ambicioso Projeto de Reintrodução da Ararinha-Azul, que conta com a participação de organizações internacionais e do governo brasileiro. Até o momento, 101 exemplares foram enviados pela ACTP ao Centro de Reintrodução em Curaçá (BA), o que representa um terço da população total da espécie. Esse número reflete um trabalho incessante de reprodução em cativeiro e monitoramento da saúde genética das aves, com o objetivo de garantir que elas possam retornar ao seu habitat natural de forma sustentável.
Para Cromwell Purchase, diretor da ACTP no Brasil, a cooperação internacional é um fator-chave para o sucesso do projeto, especialmente considerando o custo elevado e a complexidade das ações de reintrodução. “A colaboração internacional é crucial, pois esses projetos exigem um grande esforço financeiro e logístico. Temos a responsabilidade de garantir que todas as instalações de reprodução, tanto no Brasil quanto no exterior, estejam em conformidade com os padrões de segurança e biossegurança necessários para a preservação da espécie”, detalha.
Ele também ressalta que a ACTP está comprometida em manter o monitoramento ativo da população de ararinhas por pelo menos 20 anos para garantir o sucesso a longo prazo da espécie na natureza.
Restauração da caatinga
O papel da BlueSky vai além da logística do transporte. A empresa também se dedica à restauração do habitat da ararinha-azul, um aspecto fundamental para a sobrevivência das aves no ambiente natural. Vercillo destacou que a organização tem trabalhado diretamente com as comunidades locais para recuperar a Caatinga e garantir que a espécie tenha acesso a alimento e abrigo adequados.
“A próxima etapa é prepará-las para a soltura. Queremos expandir o processo de restauração para o quanto formos capazes na Caatinga e, quem sabe, aplicar essa metodologia a outras espécies brasileiras”, afirma o diretor da BlueSky.
A recuperação da vegetação nativa cria condições ambientais adequadas para o sucesso da reintrodução da espécie. “Os 300 hectares já restaurados são apenas o início de um plano ambicioso que visa recuperar 50.000 hectares da Caatinga. Essa meta, quando alcançada, beneficiará não apenas a ararinha-azul, mas toda a biodiversidade desse bioma e as comunidades locais que dele dependem”, destacou Vercillo.
O futuro da espécie
O GZRRC, centro de reabilitação indiano, tem sido um parceiro fundamental no sucesso do projeto. Com sua experiência em Biologia, Ecologia e Medicina Veterinária, contribui com um vasto conhecimento técnico para garantir a saúde das aves durante o período de reabilitação e reintrodução. Brij Kishor Gupta, diretor do GZRRC, explica que a colaboração internacional tem sido essencial para o avanço do projeto.
“Nossa experiência em reprodução de conservação, restaurando habitats e reintroduzindo espécies ameaçadas, é aplicada diretamente no Brasil, apoiando a sobrevivência da ararinha-azul”, reforça Gupta.
Ele também ressalta a importância da diversidade genética e do comportamento das aves, elementos cruciais para melhorar as taxas de sobrevivência dos indivíduos reintroduzidos: “Nosso trabalho é garantir que as aves, quando soltas, tenham as melhores chances de adaptação ao ambiente selvagem. A colaboração entre nossos centros e a ACTP tem sido fundamental para alcançar esses objetivos”.
Resultados promissores
O Projeto de Reintrodução da Ararinha-Azul já apresenta resultados promissores. Desde a soltura das primeiras aves em 2022, sete filhotes nasceram na natureza, uma grande conquista para a conservação da espécie. Embora a vida selvagem tenha desafios, como a predação de algumas aves, o monitoramento contínuo e o suporte local têm mostrado que as ararinhas-azuis estão se adaptando cada vez mais ao seu ambiente natural.
Em um momento histórico para a conservação da biodiversidade no Brasil, a ararinha-azul, mais uma vez, mostra sua resiliência. A combinação de esforços locais, nacionais e internacionais, juntamente com o comprometimento contínuo de especialistas em várias áreas, oferece uma nova chance para essa espécie, antes à beira da extinção, prosperar novamente no coração da Caatinga.
Com o apoio de todos os envolvidos, a ararinha-azul já não é mais apenas um símbolo de um passado perdido, mas um exemplo de que, com ação coordenada e determinação, é possível restaurar e proteger o futuro de espécies ameaçadas.
Esperança para a caatinga
O retorno da ararinha-azul aos céus da Caatinga vai além de uma ação de preservação – é um verdadeiro ícone da força da natureza e da capacidade humana de corrigir falhas do passado.
O projeto prova que, quando ciência, inovação e dedicação se unem, é possível transformar cenários críticos e dar uma nova chance à vida selvagem. Mais do que salvar uma espécie, trata-se de uma história carregada de esperança. Esperança de que, mesmo diante das dificuldades, a natureza pode se renovar. Esperança de que, em união, conseguimos resgatar o que parecia irreparavelmente perdido.
Sob o vasto céu do sertão, o voo das ararinhas-azuis ressoa como uma melodia de renascimento, e lembra-nos que, mesmo nas regiões mais inóspitas, a vida sempre encontra uma maneira de florescer. E, com ela, a esperança ganha asas para alcançar novos horizontes.