Nordeste

Mulheres negras de áreas rurais do NE são as mais afetadas pela fome

A insegurança alimentar no Brasil tem cor, gênero e localização

As populações vulnerabilizadas — especialmente mulheres negras das regiões Norte e Nordeste — são as mais atingidas pelo fome, aponta boletim divulgado pelo Centro Brasileiro de Justiça Climática (CBJC).  O problema, agravado pela intensificação dos eventos climáticos extremos, como secas prolongadas e enchentes, afeta mais de 8 milhões de pessoas no País, de acordo com dados do IBGE.

Segundo o Boletim de (In)Segurança Alimentar e Nutricional do CBJC, a crise climática não só impacta a produção agrícola e reduz a disponibilidade de alimentos, mas também agrava a situação das populações que já vivem em situação de extrema pobreza e desigualdade.

Embora os níveis de fome no País tenham caído após o auge da pandemia, muitos brasileiros ainda enfrentam diariamente a insegurança alimentar, com dificuldades de acesso a uma alimentação regular e adequada.

O boletim revela que a insegurança alimentar no Brasil tem cor, gênero e localização. Populações negras, particularmente as mulheres negras das áreas rurais e periféricas, são as mais afetadas pela fome.

Dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN) mostram que essas mulheres enfrentam barreiras adicionais para acessar alimentos saudáveis, resultado de um histórico de desigualdades raciais e de gênero. “A fome no Brasil não é apenas uma questão de quantidade de comida. Ela é um reflexo direto das desigualdades históricas que ainda persistem em nosso país”, explica Junior Aleixo, coordenador de pesquisa do CBJC. “E a crise climática só agrava essa situação”, acrescenta.

Além da fome, essas populações enfrentam uma exposição maior a doenças crônicas, como obesidade, hipertensão e diabetes, todas ligadas à má alimentação. O consumo de alimentos ultraprocessados, ricos em gorduras e açúcares, é a única alternativa para muitas famílias, devido à baixa oferta de alimentos frescos e naturais em áreas periféricas.

A relação entre as mudanças climáticas e a fome é complexa e devastadora. Eventos climáticos extremos, como secas prolongadas, inundações e ondas de calor, comprometem a produção agrícola e afetam diretamente a disponibilidade e o preço dos alimentos. Regiões que já enfrentam dificuldades econômicas, como o Semiárido brasileiro, são as mais atingidas.

“Os pequenos agricultores são os primeiros a sentir o impacto das mudanças climáticas, o que reduz a oferta de alimentos e aumenta os preços para toda a população”, destaca Andréia Coutinho, diretora executiva do CBJC, que completa: “a justiça climática está intrinsecamente ligada à justiça alimentar. Se não enfrentarmos as causas estruturais da desigualdade, não conseguiremos garantir o direito humano à alimentação adequada para todos”.

Além disso, comunidades tradicionais, como quilombolas, indígenas e ribeirinhos, têm seus modos de vida ameaçados pela destruição dos ecossistemas nativos. A monocultura, como a de soja e milho, e a pecuária extensiva contaminam solos, rios e ar, e prejudicam ainda mais o acesso a alimentos em regiões onde a produção agroecológica deveria ser estimulada.

O relatório destaca que a solução para a fome no Brasil deve passar pela construção de políticas públicas que integrem a segurança alimentar com a justiça climática. Não é suficiente garantir o acesso a alimentos; é preciso assegurar que esses alimentos sejam
saudáveis, acessíveis e produzidos de forma sustentável.

O boletim apresenta várias propostas para mitigar os efeitos da Crise Climática sobre a insegurança alimentar no Brasil, o que inclui:

-- Fortalecimento da agricultura familiar: incentivar a produção agroecológica em pequenos e médios produtores para garantir uma oferta diversificada de alimentos saudáveis.

-- Proteção dos territórios tradicionais: garantir que quilombolas, indígenas e ribeirinhos tenham acesso e controle sobre seus territórios, fundamentais para sua segurança alimentar.

-- Adoção de políticas públicas inclusivas: promover a inclusão das populações mais vulneráveis nas discussões sobre segurança alimentar e justiça climática, com a participação ativa da sociedade civil e dos movimentos sociais.