Nordeste

Magnólia: a travesti que enfrentou a 'fina flor' da sociedade sergipana

Foi um Deus nos acuda

Foto: Arquivo pessoal

Magnólia, aos 74 anos

No final da década de 70, o Iate Clube de Aracaju só aceitava a fina flor da sociedade sergipana. Além do enorme salão nobre, a casa oferecia aos ilustres sócios a Boate Saveiros, com música ao vivo da melhor qualidade. Um luxo exclusivo para quem tinha poder e muito dinheiro.

Há histórias de novos ricos que, mesmo insistindo, não foram aceitos como sócios do Iate, clube localizado às margens do Rio Sergipe, na ainda não poluída Praia Farmosa, zona Sul de uma cidade com ares provincianos.

Para se ter uma ideia do preconceito reinante em Aracaju naquela época, durante o horário comercial as prostitutas dos cabarés famosos, como Alabama, Vaticano, Miramar, Xangai e Shell, não podiam circular pelas ruas do centro da capital sergipana.

Na Praia de Atalaia, só as famílias frequentavam o lado sul, a partir de onde é hoje Hotel Beira Mar. Prostitutas e homossexuais assumidos – poucos à época – só podiam tomar banho de sol e mar na banda norte do balneário, na direção do bairro Coroa do Meio. E ai daquela ou daquele que se aventurasse no “terreno proibido”.

Pois bem!

Badalado empresário da moda masculina e farrista dos melhores, Wilson Silva, dono de O Gavetão, importante loja localizada no centro de Aracaju, resolveu escrachar a burguesia da cidade.

Numa noite de gala, Wilson chegou à Saveiros de braços dados com Magnólia, a primeira travesti assumida de Aracaju. “Pra mim, a nossa entrada na boate foi coisa de cinema. Wilson no melhor terno e eu de peruca loira e linda, salto altíssimo, um vestido longo, vermelho brilhante, e arrasando na maquiagem”, frisou.

Pense no buxixo… As dondocas subiram no salto alto, enquanto os homens queriam apunhalar Wilson com os olhos, tamanha a raiva pela ousadia do distinto.

Magnólia, que passou quase toda a vida vendendo cuecas nos mercados centrais de Aracaju e morreu em 2022, aos 74 anos de idade, nunca esqueceu como terminou aquela noite quase encantada: “Lá pras tantas e muito dona de mim, cruzei as pernas de forma escandalosa e, com o braço apoiado na mesa, divinamente decorada, chamei o garçom com a maior voz de barítono: Luiz, me traga aí mais um uísque, porra!

Foi um Deus nos acuda. Pararam a orquestra e nos ‘convidaram’ pra sair quase aos empurrões. No dia seguinte, a direção do Iate cancelou o título de sócio proprietário de Wilson.

E ele nem ligou”, contou Magnólia, às gargalhadas.

Supimpa!