A exposição fotográfica “DESarquivos - práticas de invenção, vida e parentesco” chega na A Galeria, no Ativa Atelier Livre, localizado no bairro do Rio Vermelho, a partir do dia 2 de março e até o dia 23.
O trabalho do coletivo feminino de arte formado por Madame Pagu, Nayara Rangel, Ulla von Czékus e Vânia Viana se debruça sobre o feminino, a percepção da passagem do tempo e as memórias, a partir de fotografias autorais e de arquivo, para narrar histórias que cultivam memórias reais e fabuladas.
Arquivo é o lugar onde tudo se encontra ordenado, catalogado, descrito. Desarquivar, portanto, é tornar visível, devolver à vida, acessar memórias. “Desarquivar é nossa maneira de desvelar a atualidade das angústias que muitos dos contratos sociais precisam reavaliar, como posturas e regras que foram, ao longo do tempo, impostas às mulheres”, comenta Fábio Gatti.
A exposição reúne quatro trabalhos: Motherhood, Ainda Paisagem, White Balance e Tudo o que cai na água voa. “Ao abrirem suas vidas privadas, as artistas desarquivam não a sua memória, mas o apagamento delas, enquanto emprestam ao presente o devir futuro. Cada qual ao seu modo, cria práticas de invenção, de vida e de parentesco na individualidade dos seus trabalhos e na comunhão entre eles”, conta Fábio Gatti.
Madame Pagu, em Motherhood, discute as relações tóxicas camufladas pela crença do imensurável amor materno, quando, tais relações reais muitas vezes são permeadas por dor – física, emocional e psicológica – quase sempre perpétuas.
“Por ser um assunto difícil e dolorido para todas as filhas que experimentaram este tipo de relação, através do trabalho proponho um lugar de fala que atravesse os silêncios, o descrédito e as violências sofridas, e coloco a necessária dose de dúvida sobre o tema do amor materno bom, incondicional e inabalável”, conta Madame Pagu.
Ainda Paisagem - O trabalho surge de uma inquietação da artista Vânia Viana em relação à possibilidade de morte iminente.
“A pandemia de Covid-19 deixou à flor da pele muitos dos medos da humanidade. Senti necessidade de reafirmar minha existência. Então, revirei meu passado mergulhando no meu arquivo pessoal. Descobri que recordar é uma desproporção. Mesmo as fotografias nos levam a caminhos incertos. Recordar é também fabular. E uma imagem só era pouco. Muito pouco.”
A ação de desarquivar nesta série envolve fotos da família da artista. Através da técnica da colagem analógica é possível observar as gerações se sobrepondo.
Na série White Balance a artista Ulla von Czékus mergulha em busca da imagem da sua avó Anália, mulher negra em uma família predominantemente branca. Ulla questiona como a fotometria considerava sempre as pessoas brancas e deixava a avó subexposta de modo a tornar seus traços, sua expressão e sua própria existência menos distinguíveis na imagem fotográfica.
“Com a série White Balance pretendo empreender uma busca pelo pedaço da história que me falta e me constitui como pessoa, porque sinto que faltam imagens de minha avó e sobram das outras pessoas. Procuro torná-la visível e questionar os modos como minha família inteira ultrapassou séculos sem jamais se questionar sobre isso”, conclui.
Tudo o que cai na água voa - Nesse trabalho, a artista Nayara Rangel mergulhou na rica iconografia feminina do século XIX, sobrepondo delicadamente insetos nos rostos das mulheres .
Em cada sobreposição, há uma dança entre vida e morte, entre a efemeridade da existência humana e a atemporalidade da natureza. Os insetos, com sua natureza cíclica de nascimento e morte, destacam a efemeridade da vida humana, enquanto as mulheres do passado representam a persistência da memória e da influência feminina através do tempo.
O contraste entre criar asas e as amarras impostas às mulheres é o coração pulsante dessa composição. Assim, o trabalho busca não apenas resgatar e reinterpretar a história das mulheres, mas também provocar reflexões sobre a dualidade intrínseca entre a vida e a morte, entre a libertação e as restrições que moldam a jornada feminina ao longo do tempo.