Palco

'Feitiço de Soma' leva ao palco a trajetória da epidemia de HIV/Aids

A dramaturgia busca analisar as recepções da soropositividade em corpos brasileiros

Foto: Pedro Jorge Afrop | Divulgação
Feitiço de Soma é uma peça inédita da coletiva Rainha Kong

Estruturada como uma espécie de palestra em que eventos históricos relevantes vão se sobrepondo a experimentações musicais, Feitiço de Soma, peça inédita da coletiva Rainha Kong estreia no TUSP Maria Antonia dia 10 de janeiro de 2024, com temporada até 4 de fevereiro.

O projeto também prevê a realização de um ciclo de três debates públicos com datas, locais e participantes a definir.

As conversas tem parceria da Coletiva Loka de Efavirenz, bem como com outres pesquisadores e artistas que abordam o tema HIV/AIDS em seus trabalhos, com a mediação de Pisci Bruja - membra da Coletiva Loka de Efavirenz.

Desde o início da epidemia de HIV/AIDS no Brasil, na década de 1980, a estigmatização sobre os corpos que convivem com o vírus é impactada diretamente pela ideia de que apenas pessoas pertencentes às comunidades LGBTQIAP+ e/ou pessoas racializadas como não-brancas possam contrair o vírus - ideia midiaticamente estruturada naquela década, mas que encontra ecos até hoje.

É daí que parte Feitiço de Soma, obra criada em 2020 por Aleph Antialeph. "A peça compreende a história particular de alguém que recebeu o diagnóstico da soropositividade, mas ainda é sujeito da história dentro desse fluxo que se iniciou antes e que se prolonga para muito depois", conta Aleph.

Na peça, há uma subversão da ideia tradicional da palestra, fazendo com que uma fala por vezes verborrágica vá dando espaço a um feitiço que conclama todas as pessoas para a questão do HIV, muitas vezes colocada como um problema pessoal e carregada de estigmas, como a da sujeira e da depravação.

Sinopse

Duas performers se encontram num palco iluminado, recortado por um símbolo de “+”. Aleph Antialeph e Nãovenhasemrosto reúnem-se para uma palestra, na qual refletem sobre suas próprias trajetórias relacionadas ao HIV, retomando a história do vírus e da epidemia de AIDS - fatos históricos como a Operação Tarântula, deflagrada nos anos 80 no Brasil ou a suposta descoberta de G.D., comissário de bordo canadense intitulado como “Paciente Zero”, supostamente tendo trazido o vírus para a América do Norte. 

A racionalidade da palestra é engolida pelo Feitiço de Soma. As duas palestrantes, agora agentes deste feitiço, performam magias para curar-se do vírus, infectando a todos.

Na obra, o feitiço busca criar uma espécie de contaminação, como se numa dinâmica que faça o problema deixar de ser encarado de modo individual e seja visto como algo coletivo.

"Existem indícios do feitiço desde o começo da peça, como uma carta de tarô gigante do Mago no centro do palco", conta Aleph, reforçando que a obra vai aos poucos expondo elementos e signos que compõem a magia.

Ao longo do trabalho, a DJ e produtora musical Nãovenhasemrosto, que está ao lado de Aleph no papel de uma interlocutora, traz elementos sonoros executados ao vivo na cena por Venus Garland (baterista) e Helena Menezes (baixista).

A sonoplastia da obra existe desde uma mix-tape preparada por Nãovenhasemrosto ainda em 2020 e que contaminou a forma com que Aleph estava escrevendo a dramaturgia da peça. "Essa mix-tape é uma provocação não-bibliográfica ou textual que até foi publicada junto com o livro", diz Aleph.

A cena é composta ainda por danças executadas por Nata da Sociedade e oito TVs espalhadas no espaço que projetam gravações ao vivo, exibidas ao público em uma estética de VHS, além de sugerirem ações ao público por meio de uma função de teleprompter, já que a plateia é nomeada como a personagem Assistente durante a peça.