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Preso pelo 8 de janeiro morre sem ter liberdade examinada pelo STF

A Procuradoria-Geral da República deu parecer para ser solto, mas o pedido não foi julgado

Um dos presos pelos atos de 8 de janeiro morreu na manhã desta segunda-feira (20 de novembro) nas dependências da Penitenciária da Papuda, em Brasília. Cleriston Pereira da Cunha teve um mal súbito durante o banho de sol, segundo a administração do presídio. Ele sofria de diabetes e hipertensão.

Equipes dos bombeiros e do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) foram acionadas para socorrer o detento. Os socorristas realizaram procedimento de reanimação cardiorrespiratória, mas ele não sobreviveu.

Cleriston Pereira foi preso no Senado durante os atos de vandalismo praticados no 8 janeiro. Segundo a defesa, o acusado não participou dos atos e entrou no Congresso para se proteger das bombas de gás que foram lançadas pelos policiais que reprimiram os atos.

Conhecido entre amigos e parentes como Clezão do Ramalho, Cleriston tinha 46 anos e nasceu na Bahia, mas morava havia ao menos 20 anos no Distrito Federal.

Sua morte foi comunicada pela Vara de Execuções Penais (VEP) do Distrito Federal ao gabinete do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que determinou as prisões dos investigados pelo 8 de janeiro e é relator do processo a que o acusado respondia.

Defesa

Em petição encaminhada ao ministro no dia 7 de novembro, a defesa de Cleriston pediu a Moraes a soltura do acusado. Segundo o advogado Bruno Azevedo de Sousa, Cleriston tinha parecer favorável da Procuradoria-Geral da República (PGR) para ser solto, mas o pedido não foi julgado.

"A defesa reitera todos os argumentos apresentados nas alegações finais, e reitera para que sejam analisados os mais de oito pedidos de liberdade do acusado, que até o presente momento, parecem ter sido simplesmente esquecidos por esta respeitosa Corte", afirmou o defensor. 

Em abril, o advogado Bruno Azevedo de Souza chegou a dizer que “a prisão pode acarretar uma sentença de morte”. Ele citou um “quadro de vasculite de múltiplos vasos” e “miosite secundária à covid-19″ – uma espécie de dano aos músculos como consequência da doença.

“Ele já sofreu graves danos e grandes sequelas em razão da covid-19. Depende da utilização de bastantes medicamentos, que sequer são oferecidos pelo sistema penitenciário. É de extrema importância informar que a médica responsável pelo acompanhamento solicitou exames necessários para assegurar a saúde do agravante, todavia ele não pode comparecer aos exames devido a prisão preventiva. Essas condições podem acarretar em complicações fatais para o paciente. Nesse sentido, é notório que a segregação prisional pode acarretar uma sentença de morte”, chamou a atenção.

Reação contra a falta de julgamento

"Se tivesse roubado, matado, traficado certamente teria sido solto na audiência de custódia", disse o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP).

O deputado federal Ubiratan Antunes Sanderson (PL-RS), presidente da Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados, destacou que um laudo médico atestava risco de vida. "Réu primário. Sem individualização de conduta. Alguém terá que ser responsabilizado."

A advogada Janaína Paschoal, ex-deputada estadual por São Paulo, criticou as prisões e acusações genéricas referentes ao 8 de janeiro. "Lendo as notícias sobre a morte do preso, só encontro a informação de que ele estava dentro do Senado quando detido. Não fica claro o que exatamente estava fazendo. Independentemente, seria importante saber se os políticos que fizeram as pessoas acreditarem que "algo" aconteceria em 72 horas se sentem culpados. Duvido que se importem de verdade. Juridicamente podem até não ser, porém, moralmente, são responsáveis pela desgraça de tantas famílias", disse. 

Ela recebeu críticas por acusar o Legislativo em vez de condenar o Judiciário.

Com um minuto de silêncio, senadores presentes na sessão plenária desta segunda-feira (20) prestaram homenagem a Cleriston Pereira da Cunha.

A homenagem foi requerida pelo senador Eduardo Girão (Novo-CE) e concedida pelo senador Jorge Seif (PL-SC), que presidia a sessão no momento. Segundo Girão, Cleriston não participou dos ataques aos prédios públicos. "Estava há dez meses preso, então, é a mão de autoridades importantes sendo suja de sangue", acusou Girão.

Senador por Santa Catarina, Jorge Seif Junior (PL) considerou a morte de Cleriston Pereira da Cunha "a materialização da ausência do devido processo legal que envolve e cerceia os direitos dos presos em 8 de janeiro".

O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) destacou que o Plenário pode votar nesta terça-feira (21) a proposta de emenda à Constituição que limita as decisões monocráticas e os pedidos de vista nos tribunais (PEC 8/2021). O senador pediu o apoio dos colegas e argumentou que é preciso defender as prerrogativas do Congresso Nacional.

"Não pode ficar na mão de um ministro, ou de quem quer que seja, a decisão da vida de muita gente. Não pode um ministro não respeitar a autonomia do Congresso Nacional e legislar por conta própria. Quem é senador, quem é parlamentar, que não votar essa matéria, pede renúncia e vai embora para casa, porque esse é o nosso papel. Legislar é aqui no Congresso Nacional."

Marcel van Hattem, deputado federal (Novo-RS), informou que Cleriston Pereira da Cunha já tinha laudo médico desde o dia 11 de janeiro atestando risco de vida. Dizia o laudo: "em função da gravidade do quadro clínico, risco de morte pela imunossupressão e infecções, solicitamos agilidade na resolução do processo legal do paciente". 

No dia 31 de maio sua defesa havia protocolado pedido de liberdade provisória e alertava que a não concessão poderia vir acarretar na morte do réu.

No dia 1º de setembro o próprio Ministério Público deu parecer acolhendo pedido da defesa do réu pela concessão da liberdade provisória.

Dia 20 de novembro. Cleriston Pereira da Cunha morre, sem ter o seu pedido de liberdade avaliado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

"Há, no mínimo, outros sete presos na Papuda que aguardam também despacho igual do ministro Alexandre de Moraes, alguns também com comorbidades. Estamos oficiando o STF com os dados de cada um", informou o deputado Marcel van Hattem, considerando a CPI do Abuso de Autoridade do STF e do TSE "absolutamente necessária".

Para ele, "já passa, há muito, da hora de o Senado deliberar sobre os pedidos de impeachment de ministros do STF já protocolados".