Artes Visuais

Inhotim inaugura Galeria Yayoi Kusama 

Prédio dedicado exclusivamente à multiartista recebe duas instalações imersivas

Foto: Daniel Mansur
I?m Here, But Nothing (2000)

O Instituto Inhotim inaugura, a partir do dia 16 de julho, a sua vigésima galeria permanente, dedicada a Yayoi Kusama (Matsumoto, Japão, 1929), uma das mais renomadas e emblemáticas artistas da atualidade. A Galeria Yayoi Kusama abriga duas de suas obras: I’m Here, But Nothing (2000) e Aftermath of Obliteration of Eternity (2009), trabalhos pertencentes à Coleção do Instituto Inhotim, adquiridos em 2008 e 2009, respectivamente.

“A inauguração da Galeria Yayoi Kusama cumpre uma ambição artística central no Inhotim em relação a obra de uma das artistas mais visionárias de nosso tempo”, diz Allan Schwartzman, cofundador do Inhotim. “Essa ocasião permite-nos oferecer uma presença permanente para 3 das obras mais emblemáticas da artista, cada uma delas incorporando uma expressão ambiental nitidamente diferente do universo criativo da artista: a transformação ótica de um espaço escuro em um lugar psicológico de sobrecarga sensorial; um espaço infinito contemplativo; e um jardim de flutuação suspensa composto por inúmeras esferas metálicas pairando sobre a paisagem natural do Inhotim. A Galeria Yayoi Kusama incorpora os mais altos objetivos do Inhotim de oferecer ambientes únicos para a experiência de obras de arte excepcionais em grande escala para um público amplo e diversificado”.

Yayoi Kusama é reconhecida mundialmente pelo seu trabalho caracterizado por uma imaginação criativa e cativante, com diversidade de suportes e linguagens, sobretudo nas instalações imersivas, que convidam o espectador a adentrar em seu universo, aguçando a sua percepção. Happenings, performances, pinturas, esculturas, instalações, trabalhos literários e filmes fazem parte do acervo criativo da multiartista. A participação coletiva em suas instalações de imersão dá sentido às suas obras, concretizando uma experiência sem limites, sem bordas, com cores, contrastes, luzes e sombras.

O projeto arquitetônico da Galeria Yayoi Kusama foi desenvolvido pelos arquitetos Fernando Maculan (MACh) e Maria Paz (Rizoma), com uma área de 1.436,97 m², localizada no Eixo Laranja, próxima à Galeria Cosmococa e ao Jardim Veredas. A proposta da arquitetura da galeria pensa não somente em um espaço protegido para receber as instalações, mas também para o seu público, trabalhando com a ideia da espera e da permanência em um espaço de convívio. “Dada a relevância do trabalho de Yayoi Kusama e a conhecida atratividade de grandes públicos, o projeto da galeria conta com um amplo espaço de espera e preparação”, explicam os arquitetos.

O paisagismo da Galeria Yayoi Kusama traz um caminho sinuoso feito de pedras que desvela a galeria ao público, perante as curvas do caminho, despertando a curiosidade de quem chega. O projeto paisagístico foi realizado por Juliano Borin, curador Botânico do Inhotim, Geraldo Farias, da equipe do Jardim Botânico do Inhotim, com contribuições de Bernardo Paz. O jardim planejado é inspirado em um jardim tropical multicolorido, com um toque de psicodelia, onde foram plantadas mais de 4 mil bromélias e apresenta a linguagem paisagística já consolidada do museu e jardim botânico, mas remete também a ligação de Yayoi Kusama à sua origem japonesa e aos dots que se repetem em sua obra.

 

Fachada da Galeria Yayoi Kusama, no Instituto Inhotim - foto Ícaro Moreno

A artista   

Os padrões repetitivos marcam a trajetória de Yayoi Kusama desde os seus desenhos feitos na infância, mesmo período em que, devido ao seu quadro de saúde mental, ela começa a apresentar alucinações envolvendo pontos e círculos - polka dots - constantes. O desejo de se tornar artista, paralelamente aos conflitos familiares e à falta de apoio nessa empreitada, fizeram com que Kusama se mudasse para os Estados Unidos no final da década de 1950. Foi em uma de suas primeiras exposições em Nova York que a artista ficou conhecida por suas pinturas de grande escala, com infinitos pontos monocromáticos sobre a tela. Conforme experimentava uma série de suportes e linguagens, Yayoi Kusama elaborava projetos artísticos cada vez mais audaciosos para o contexto conservador da época, se manifestando politicamente e propondo a libertação do corpo por meio de happenings e performances.

Há, na obra de Kusama, uma ideia geral que conecta o conjunto de seus trabalhos e a acompanha durante toda a sua carreira - o conceito de auto-obliteração [Self-Obliteration], que consiste na abolição da individualidade para se tornar um com o universo, e se encontra no título de uma das obras que estão na nova galeria no Inhotim. É dessa maneira que Kusama nos lembra que somos conectados por algo maior e que fazemos parte de um todo. Essa sensação de auto-obliteração se dissolve e acumula; prolifera e separa, ao mesmo tempo que nos integra ao ambiente, na busca de alcançar o infinito pela repetição das formas.

Em uma performance em 1967, durante a apresentação do filme Self-Obliteration [Auto-Obliteração], Yayoi Kusama usou pela primeira vez tinta e lâmpada fluorescentes para tornar visível sua percepção de mundo que passa pela repetição de elementos como pontos e partes do corpo. Depois de usar pessoas como telas para suas pinturas, a artista passa a transformar a percepção por meio de ambientes imersivos, como em I’m Here, But Nothing. 

As obras 

Totalmente Iluminado por luz negra, um ambiente doméstico comum é tomado por inúmeros pontos brilhantes coloridos. Os móveis e os objetos que compõem I’m Here, But Nothing (2000) são corriqueiros de uma casa, como sofá, televisão, mesa, cadeiras, porta-retratos, tapetes e mais objetos de decoração. Os pontos em tinta fluorescente são adesivos espalhados pelas paredes, por todos os objetos, no teto e no chão. Com a luz negra (UV-A, ultravioleta), esses pontos coloridos cintilam ao olhar do espectador, transformando o espaço, ativando a percepção e, de certa maneira, preenchendo um vazio.

A obra pode ser percebida também como parte do conceito da artista da auto-obliteração, no sentido da dissolução da pessoa espectadora no próprio ambiente – que, para algumas pessoas, pode trazer uma sensação de segurança, por estar em contato com objetos e mobílias reconhecíveis, enquanto para outras pode trazer uma sensação mais relacionada à ausência, como sugere o título da obra.

Aftermath of Obliteration of Eternity (2009), criada quando Yayoi Kusama já tinha 80 anos, parte dos princípios da filosofia de auto-obliteração pensada pela artista, do desejo de negar a sua existência se unindo ao infinito, como parte de um todo. Nesse ambiente imersivo, a proposta é que o espectador seja conduzido a um universo completamente diferente do exterior, um cosmo transcendental. O aspecto da obra nos remete a uma miragem contínua iluminada por lanternas, que vai se esmaecendo à medida em que a nossa percepção se afasta da realidade. Na tradição japonesa, esse tipo de iluminação está ligado à espiritualidade, uma conexão com os ancestrais, inspirada na cerimônia tradicional japonesa Tooro nagashi.

“Nas duas obras, com aspectos distintos, Yayoi Kusama parte do conceito da auto-obliteração, que a artista investiga em seu trabalho há muitas décadas. A ideia é pensar a dissolução do individualismo, buscando uma comunhão com o universal, borrando os limites do que é obra, espaço, corpo e paisagem”, explica Douglas de Freitas, curador do Inhotim. “Em I’m Here, But Nothing um espaço doméstico reconhecível é o ponto de partida para uma alteração na percepção do espaço através da luz e de adesivos de bolinhas com tinta fluorescente. Já em Aftermath of Obliteration of Eternity a artista cria um espaço avesso ao reconhecível da outra obra. O jogo de espelhos e luz cria um cosmo, uma imagem de vazio que aos poucos se ilumina e se reflete infinitamente”, finaliza o curador.

Aftermath of Obliteration of Eternity (2009) - Foto Cortesia de Bellagio Gallery of Fine Art in Las Vegas

O projeto arquitetônico 

Para a Galeria Yayoi Kusama, foram criados pequenos largos com bancos de madeira, como um convite à permanência daqueles que visitam a galeria ou que estão apenas desfrutando da ambiência e da vista. Se visto por cima, como uma intervenção de cor na paisagem, o projeto conecta dois momentos da vegetação existente - a mata espontânea e o jardim planejado - e parece ocultar um mundo mágico a ser descoberto pelas pessoas que visitam o parque. “Nosso projeto se sintetiza em duas ações sobre esta paisagem já alterada: a criação de uma cobertura leve para sombreamento de toda a área, e a inserção de um edifício longilíneo que se estende em todo o limite da praça com a mata, ancorado nos dois taludes laterais”, especificam Fernando Maculan e Maria Paz.

Sobre toda a extensão da praça e da galeria, uma tela metálica flexível dá suporte para o crescimento de uma vegetação de origem asiática - Congea tomentosa - tipo de planta trepadeira de ampla cobertura vegetal, com floração densa, que costuma ocorrer após o inverno. A Congea atribui a noção de tempo e de transformação contínua ao projeto da Galeria Yayoi Kusama, alternando a coloração de sua inflorescência em tons de branco, rosa, lilás e cinza.

O projeto paisagístico 

No jardim planejado da Galeria Yayoi Kusama, a matiz avermelhada da estrutura de aço corten existente no edifício principal da Galeria Yayoi foi seguida na escolha de bromélias verdes, amarelas e avermelhadas – muitas delas apresentam círculos naturais em suas folhas, referenciando o trabalho da artista. Para destacar o amplo vão sem colunas do espaço da galeria, foram escolhidas plantas de baixo porte. Já o uso do arbusto Conchocarpus macrophyllus, espécie nativa da Mata Atlântica, traz a única verticalidade das plantas para alinhar com o piso e com as chapas metálicas do revestimento da galeria.

“Usamos muitas plantas da família Marantaceae, com suas folhas que parecem pintadas à mão, tornando o jardim mais onírico”, comenta Juliano Borin, curador botânico do Jardim Botânico do Inhotim. As pedras usadas na área do jardim da galeria são pedras do minério de ferro em blocos maciços que, segundo Borin, trazem uma identidade do Inhotim e da própria galeria. Em outra referência ao país de origem da artista, a posição das pedras aponta para o Japão.

De Yayoi Kusama, o Inhotim já exibe a obra Narcissus Garden Inhotim (2009), que faz referência ao mito de Narciso, aquele se encanta pela própria imagem refletida na água. Narcissus Garden Inhotim reúne 750 esferas de aço inoxidável sobre um espelho d’água, no terraço do Centro de Educação e Cultura Burle Marx, prédio desenhado pelos Arquitetos Associados. Nas palavras da artista, a obra se comporta como “um tapete cinético”, dada a ação do vento, que cria diferentes agrupamentos das esferas em meio à vegetação aquática. Esta obra é uma versão da escultura apresentada pela primeira vez na 33ª Bienal de Veneza (1966). Nesta ocasião, Yayoi Kusama, clandestinamente, colocou à venda 1500 esferas distribuídas ao lado do pavilhão Itália com duas placas com os dizeres: “Seu narcisismo à venda” e “ Narcissus Garden, Kusama”.