Artes Visuais

Pinacoteca de São Paulo tem exposição de Antonio Obá

Revoada é a primeira mostra de um artista brasileiro a ocupar a Galeria Praça, na Pina Contemporânea

Foto: Divulgação
Fata Morgana nº 1 (2022)

A Pinacoteca de São Paulo, museu da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, apresenta Antonio Obá: Revoada, segunda mostra a ocupar a Galeria Praça da recém-inaugurada Pinacoteca Contemporânea. Com curadoria de Ana Maria Maia e Yuri Quevedo, Revoada apresenta cerca de 20 pinturas e uma instalação inédita, que dá título à exposição, tendo a figura da criança como fio condutor. Também compõem a mostra obras pouco vistas no Brasil, como Banhistas nº 3 – Espreita (2020) e Fata Morgana nº 1 (2022).

O trabalho de Antonio Obá é constituído por três importantes pilares, que conduzem a narrativa desta exposição: a rememoração de acontecimentos históricos – em geral marcos de violência e luta por direitos de pessoas negras nos Estados Unidos –, a atribuição de novos significados a esses episódios e o processo educativo. Juntos, cada um desses aspectos do trabalho constituem um programa para lidar com o tempo, articulando ações de ressignificação, transformação e emancipação.

A instalação Revoada foi construída em diálogo com a história do museu, que nasceu originalmente para ser uma escola. No início do século XX, o edifício da Pina Luz funcionava como o Liceu de Artes e Ofícios, escola dedicada à educação artística voltada para a capacitação profissional dos alunos.

Entre as técnicas ensinadas no Liceu estava a fundição, linguagem escolhida pelo artista para desenvolver a instalação. Durante os últimos meses, Obá organizou oficinas na Pina Contemporânea, na Ocupação 9 de Julho (Movimento Sem Teto do Centro) e no Colégio Vera Cruz, onde moldou cerca de 200 pares de mãos de crianças em resina. Agora essas peças vão alçar voo na Galeria Praça – pavilhão que conserva os arcos trabalhados em ferro da construção da antiga Escola Estadual Prudente de Morais.

“Fundindo essas mãos, Obá ensina o procedimento da moldagem ao mesmo tempo que interpreta a presença dessas crianças no espaço; considerando a marca expressiva de cada uma. Contida nesse gesto, está a crença na dimensão coletiva das memórias e na educação como processo que garante autonomia e liberdade. Os sujeitos lembram, sabem e agem”, conta o curador Yuri Quevedo.

As crianças em Antônio Obá

Além da instalação, 20 pinturas se organizam a partir do tema da infância e de um movimento vertical, muito presente no trabalho de Obá. No percurso de revisitar momentos da história, o artista inscreve a tragédia e a violência em um tempo mítico, transformando os personagens históricos em entidades, arquétipos que podem rever sua posição na própria história.

Por meio de seu trabalho, Obá busca transmutar momentos trágicos em episódios poéticos, sem dessa maneira esquecer aquilo que martirizou quem viveu esses momentos. Esse procedimento pode ser observado em Figuras no caminho “Criança suspensa” (2022), em que o artista retoma a iconografia cristã da cruxificação, suspendendo um garoto sobre pernas de pau, seguradas por duas meninas. A suspensão retira o garoto da terra e do tempo corrente. Nesse tempo sem dor, a coroa não é mais de espinhos, mas sim de flores.

A infância em Antônio Obá não é ingênua. As crianças-personagens do artista são agentes do seu tempo, conscientes e capazes de transformar o mundo. Na pintura Tocaia (2019), um menino santo, sem rosto, é atacado por uma pomba, ao mesmo tempo em que consegue reter uma segunda ave com a outra mão. O garoto aprende, se disfarça de isca, atrai e domina seu algoz.

A criança de Wade in the water - after Adriana Varejão (2019), nos desafia frente a uma piscina que se refere à série Saunas, da artista citada no título. A pintura faz alusão à canção Wade in the water, do gênero spirituals, criada e cantada por negros escravizados nos Estados Unidos. A letra é atribuída a Harriet Tubman (Condado de Dorchester, 1822 – Auburn, 1913), uma mulher negra, que nasceu escravizada, e se tornou importante agente na luta pela abolição e, posteriormente, pelo voto feminino. Tubman conduzia fugitivos por uma rota conhecida como Underground Railroad [Ferrovia subterrânea], cantando a canção como uma forma de alertar quem protegia para se esconder. Relatos afirmam que ela salvou cerca de 300 pessoas.

Em Banhistas nº 3 – Espreita (2020), Obá faz referência a um acontecimento de junho de 1964, no hotel Monson Motor Lodge, Saint Augutine, Flórida. Martin Luther King (Atlanta, 1929 – Memphis, 1968), líder do movimento anti-segregacionionista, tentou se servir de almoço e foi impedido pelo gerente.

Ao insistir, foi preso por invasão de propriedade. Dias depois, um grupo de manifestantes brancos e negros mergulhou na piscina do hotel em sinal de protesto. Em reação, o mesmo gerente despejou um galão de ácido muriático nas águas. A fotografia mais famosa desse acontecimento é de Horace Cort (1913 - 1988), a partir da qual Obá pinta. Na obra, o vilão dá lugar a um crocodilo, uma alusão às histórias em que crianças escravizadas eram usadas como isca. As crianças da cena ficam à espreita, elas agora se tornaram predadoras.

Obras que retomam a ideia de um movimento de suspensão dos personagens complementam a mostra. Fata Morgana nº 1 (2022), os estandartes Crianças suspensas (2022), Angelus (2022) e a série Strange fruit [Fruto estranho], poucas vezes expostas no Brasil, poderão ser vistas pelo público. O visitante terá acesso a vídeos explicativos sobre cada obra da exposição, na voz do artista, por meio de um QR Code.

Anote

Período: 24.06 a 18.02.2024
Curadoria: Ana Maria Maia e Yuri Quevedo
Pinacoteca Contemporânea – Galeria Praça

De quarta a segunda, das 10h às 18h
Gratuitos aos sábados - R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia-entrada)
Lançamento do catálogo: 24.06.23, em loja física e no site.