Livros

Ricardo Viveiros lança livro para vacinar Brasil contra autoritarismo

Obra resgata acontecimentos e o cenário político-econômico dos últimos cinco anos no País

Foto: Roberto Setton
Ricardo Viveiros

Memórias de um tempo obscuro (Editora Contexto), novo livro do jornalista e escritor Ricardo Viveiros, reúne artigos publicados originalmente pelo autor, de 2018 a 2022, na Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo (Estadão) e depois em outros veículos da mídia impressa e digital de todo o Brasil e de países como Argentina, Colômbia, Estados Unidos, Portugal, Áustria, Itália, Rússia, Paquistão e China.

Os textos retratam e fazem firme análise do processo comportamental e eleitoral que levou Jair Bolsonaro à presidência da República e do período no qual seu governo negou a ciência, negligenciou a Covid-19, fez pouco caso da cultura e da educação, envolveu-se em escândalos, conspirou contra a democracia e provocou imensa e turbulenta polarização.

O conteúdo contribui para que o leitor entenda de modo mais amplo e didático o cenário no qual a população brasileira dividiu-se entre os “contra” e os “a favor”. Como observa Viveiros na introdução da obra, “tomaram força temas relevantes que, sob radical confronto e não salutar debate, permitiram surgir e aumentar uma Cultura do ódio, título de um dos artigos. A moderna tecnologia da comunicação tornou-se arma poderosa nesse embate, dando espaço às fake news, que comprometem a verdade”.

O autor avalia que o período entre 2018 e 2022 pode ser denominado bizarro. “Foi difícil esclarecer aos colegas da imprensa internacional o que significam expressões como mimimi, tchutchuca e, o mais constrangedor, imbrochável”.

Tal desafio semântico mostrou-se ainda mais penoso se considerado o fato de que os estranhos termos foram pronunciados em um país que não pode ser engraçado no contexto de seus problemas, pondera Viveiros, enumerando: cerca de 700 mil mortos pela Covid-19, mais de 30 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza, forte desemprego, violência urbana e rural, incluindo preconceitos e discriminações contra negros, mulheres, LGBTQIAP+, indígenas e outros grupos, bem como baixa cobertura e qualidade no ensino e incentivo à cultura, muitos ataques à natureza, elevada carga tributária e altos índices de corrupção.

Lembrando que acompanha de perto os últimos 50 anos do Brasil e os problemas culturais e educacionais que levam a sociedade a buscar sempre um salvador da Pátria, o jornalista e escritor enfatiza que “o País sobrevive na coragem e resiliência de um povo único, que mescla dor e alegria como algo natural – gente movida por inabalável fé e esperança”. Memórias de um tempo obscuro ressalta as peculiaridades nacionais, defende a democracia participativa, preconiza a liberdade e responsabilidade de expressão, condena o populismo e afirma que “a imprensa existe para governados, não para governantes”. Nesse sentido, “este livro resgata acontecimentos, alerta sobre perigos e busca contribuir para que alguns erros não aconteçam de novo”, frisa o autor.

O desabafo de Viveiros 

No prefácio do livro, o cientista social José de Souza Martins, mestre, doutor e livre-docente em Sociologia pela USP, vencedor por três vezes do prêmio Jabuti e que já ocupou a Cátedra Simón Bolivar da Universidade de Cambridge (Inglaterra), ressalta que Viveiros cumpre a função crítica própria desse tipo de literatura, que é a de estranhar. “Reúne uma extensa coleção de estranhamentos para que, por meio deles, nos estranhemos e, também, estranhemos esse cotidiano sufocante, cansativo, desanimador que nos esteriliza a consciência, a capacidade de perceber os absurdos disfarçados nas dobras da irresponsabilidade política e da alienação social”.

O texto, destaca Martins, flui como uma conversa casual, bem brasileira. É a fala de trem, de metrô, de ônibus. “Viveiros desabafa, expõe seu desconforto com o estapafúrdio, o ilógico, o descabido, o que não chega a lugar nenhum. Traduz em palavras certas e em sequência correta o desdizer que diz e revela episódios da nossa perdição, dos nossos silêncios. É seu empenho o de agarrar a realidade fugidia, cinzenta e triste. Sem convidar, puxa seu leitor para o pé-do-fogo do inconformismo necessário, para refletir com ele, para temer com ele, para despertar com ele”.

E conclui: “Coisa do inconformista que ele é, o inconformismo como missão e como chamamento. Esperança de quem sabe que cada dia e todos os dias começam com a luz da aurora para que o discernimento possa vencer a escuridão”.

Em uma das orelhas do livro, a Editora Contexto publica alguns relatos de personalidades sobre a atuação de Ricardo Viveiros ao longo de sua extensa carreira:

“É raro, entre muitos, os que – como você – conseguem prender a atenção do leitor” (Carlos Drummond de Andrade).

“Ricardo Viveiros visitou os pobres da periferia, andou pelas estradas duras da vida, conheceu as manhas dos grandes e a proposta de paz dos pequeninos. Portanto, possui uma presença, uma posição definida. É a de lutar, mesmo que muita gente considere ilusão sonhar com a fraternidade e a justiça” (Dom Paulo Evaristo Arns).

“Ricardo, você é meu companheiro de poesia e de esperança” (Thiago de Mello).

“Viveiros conta, os fatos se abrem” (Ignácio de Loyola Brandão).

“Ricardo Viveiros é, como todo bom repórter, um caçador de histórias, do tipo que é capaz de ir até o fim do mundo para contar o que viu. Autor de vários livros, ele soube juntar a paixão do jornalista ao rigor da pesquisa histórica” (Audálio Dantas).

Ricardo Viveiros é jornalista e escritor, com passagem por jornais, revistas, emissoras de rádio e TV. Foi repórter, editor, diretor de redação, âncora, comentarista político e econômico, articulista e correspondente internacional. É autor de mais de 50 livros em diferentes gêneros (poesia, história, artes, biografias, infantojuvenis e reportagem). Lecionou por 25 anos. Profere palestras no Brasil e no Exterior. Tem vários prêmios nacionais e internacionais.

Uma capa muito especial 

A capa de Memórias de um tempo obscuro foi criada pelo designer Gustavo Vilas Boas, sobre imagem do advogado, escritor e fotógrafo Eduardo Muylaert, pós-graduado em Paris, professor da PUC/SP, ex-secretário paulista da Justiça e da Segurança Pública, juiz efetivo do TRE/SP e membro da primeira Comissão de Ética do Estado de São Paulo.  

É fácil montar uma capa banal. A obviedade está escancarada aos sem imaginação, aos que são adeptos do “mais do mesmo". A que foi criada para este livro é o oposto disso e atende ao que o autor escreveu. O caminhante poderia ser homem, mulher, asiático, velho ou criança. Todos sofreram no período obscuro que os artigos registram, e isso está refletido nos paralelepípedos sombreados, desgastados, ameaçadores e no andar lento e cabisbaixo, atormentado, do personagem da foto.?