Escritos

Aos 70: a menina ainda dança e o guitarrista faz arranjos sensacionais

O vigor performático de Baby e a vitalidade criativa de Pepeu não foram afetados pela passagem do tempo

Fiquei na vontade desde que vi um outdoor, há mais ou menos um mês, na Avenida Paralela, mas só comprei o ingresso ontem, já perto de meio dia. Mandei mensagem para meio mundo de gente, em busca de companhia para assistir comigo ao show "Baby e Pepeu 140 graus" (soma das idades dos dois), e acabei indo sola mesmo. Que bom que eu fui. E que bom, como disse Baby após a música de abertura, "que não se faz mais 70 como antigamente".

Se eu não tivesse ido, teria essa dívida com a menina de 9 anos que desejava ter idade para ir para vê-los cantar juntos no "Rock in Rio" de 1985. 

Naquele tempo, o que me encantava eram os cabelos coloridos e as roupas brilhantes e metalizadas do jovem casal com uma renca de filhos com nomes estranhos. Além disso, eu, que sempre fui telúrica, adorava o grito energizante de "rá", acompanhado do movimento para frente do braço esticado com a palma da mão aberta. 

Sempre fui telúrica e adorava o grito energizante de "rá", acompanhado do movimento para frente do braço esticado com a palma da mão aberta
Foto: Arquivo pessoal

Li que outros artistas da época também entraram na onda do guru Thomaz Green Morton, mas só lembro de Baby, que era então Consuelo, fazendo isso.

Anos mais tarde, já com a sensibilidade musical mais aguçada, ter de decidir quem era melhor guitarrista, se Pepeu Gomes ou Armandinho Macedo, se tornou o mesmo que definir se gosto mais de Caetano Veloso ou de Gilberto Gil.

Nem vale a pena entrar nesse tipo de comparação com algumas vozes femininas da MPB, mas acho a de Baby simplesmente incrível. Talvez seja a minha preferida entre as preferidas. Tem aquele tom doce de quem canta uma canção como um beijo para o menino do Rio, ao mesmo tempo em que é capaz de arrancar da garganta aqueles graves viscerais como Elza Soares.

Já tinha visto Baby cantando com os Novos Baianos e já tinha ido para show solo de Pepeu, mas ontem foi a primeira vez em que vi os dois juntos e soberanos no comando do palco.

O show a que assisti na Concha foi o exemplo puro e perfeito da alegria de viver na terra brasilis e ter tido eles, e os Novos Baianos, e os Doces Bárbaros, e tantos outros artistas do mesmo naipe que também já se apresentaram ali, como referência desde cedo na minha formação cultural.

Mais fantástico ainda foi constatar que o vigor performático de Baby e a vitalidade criativa de Pepeu não foram afetados pela passagem do tempo. 

Foi uma experiência ímpar ouvir arranjos totalmente novos de músicas que escutei desde criança.

Eu já esperava que Baby fosse aparecer cheia de plumas, chapéus e paetês, mas jamais imaginaria que, aos 70, ela ainda tivesse todo aquele gingado, sambando do alto de uma bota prateada com quase um palmo de salto.

"Nós somos vocês amanhã", Baby prenunciou para a plateia. Que assim seja!

E foi assim, como um sonho bom, um lindo espetáculo, a me despertar. Fecho os olhos e me vejo dançando até o sol raiar.