Em 2021, a atividade ocupava 62 milhões de hectares - três vezes mais que os 19 milhões mapeados em 1985 pelo MapBiomas. Nesse período, a silvicultura passou de 1,5 milhão de hectares para quase 9 milhões de hectares mapeados em 2021 – uma expansão de 598% ao longo de 37 anos.
Os dados são do mais recente levantamento do MapBiomas, feito a partir de imagens de satélite e classificação automatizada.
A quase totalidade da área cultivada no Brasil é de lavouras temporárias, como soja, arroz, cana-de-açúcar, algodão e outras culturas. Juntas, elas ocupam quase 60 milhões de hectares – extensão superior a de países como França e Espanha. A expansão nos últimos 37 anos foi de 3,3 vezes, passando de 18,3 milhões de hectares em 1985 para 59,9 milhões de hectares em 2021.
Esse crescimento fez com que o número de municípios com mais de mil hectares de lavoura temporária aumentasse de 1.570, em 1985, para 2.985 em 2021. Houve um aumento de área de lavoura temporária principalmente em municípios do Cerrado e do Pampa, onde já existe uma consolidação de áreas agrícolas. No entanto, também houve um avanço no bioma Amazônia, abrangendo municípios dos estados do Amazonas, Rondônia, Acre, Roraima e Pará.
Com 8,8 milhões de hectares mapeados em 2021, a silvicultura avançou 598% entre 1985 e 2021. Municípios com mais de mil hectares de silvicultura passaram de 250 em 1985 para 1.052 em 2021. Ou seja, 802 municípios incorporaram a atividade em menos de quatro décadas. Segundo o mapeamento, o bioma com maior área proporcional dedicada a plantios florestais é a Mata Atlântica, com 4%, seguido de perto pelo Pampa (3,9%) e pelo Cerrado (1,6%).
Nos últimos anos, houve uma estabilização da conversão sobre áreas naturais e aumento da expansão da silvicultura sobre áreas já antropizadas. Nos biomas com as maiores áreas de silvicultura (Mata Atlântica e Cerrado), a expansão se deu majoritariamente sobre áreas já antropizadas, como pastagens. Em extensão territorial, a área mapeada de silvicultura em 2020 atingiu 4,4 milhões de hectares na Mata Atlântica, 3,2 milhões de hectares no Cerrado e 700 mil hectares no Pampa.
O MapBiomas começa a acompanhar o histórico de algumas lavouras perenes, principalmente o café e o citrus. Estas tiveram uma expansão mais lenta do que as lavouras temporárias mapeadas pelo MapBiomas: o crescimento entre 1985, quando ocupavam 800 mil hectares, e 2021, quando alcançaram 2,28 milhões de hectares, foi de 2,9 vezes.
O aumento de área dos cultivos perenes mapeados pelo MapBiomas ocorreu de forma mais significativa (cerca de 19 mil ha) principalmente nas regiões do triângulo mineiro e no sul do estado de Minas Gerais, onde o cultivo de café é expressivo, além do nordeste do Pará, onde existe monocultivo de dendê, e norte da Bahia, pólo de irrigação de Petrolina. Essa expansão fez com que o número de municípios com mais de mil hectares de lavouras perenes passasse de 206, em 1985, para 447, em 2021.
De forma geral, entre 1985 a 2021, a expansão da agricultura se deu majoritariamente sobre áreas de pastagens e áreas já previamente antropizadas. Após a definição do marco de regularização ambiental de 2008 pelo Código Florestal de 2012 houve um aumento de conversão de áreas de pastagem para agricultura temporária, nos biomas Amazônia e Cerrado.
Por exemplo, entre 1996 e 2008, na Amazônia cerca de 1 Mha de pastagem foram convertidos para agricultura temporária, e no Cerrado, foram cerca de 5 Mha. Já entre 2009 e 2021, na Amazônia, a conversão da pastagem para agricultura foi 3 vezes maior, enquanto no Cerrado esse aumento foi cerca de 1,12X após o marco temporal de 2008.
Formas de produzir mais sem desmatar
Uma das formas de se diminuir o desmatamento relacionado à cultura da soja na Amazônia é aumentar a produção de soja por hectare, juntamente com a produção de milho, cultivada como uma segunda colheita.
A proposta vem calcada em dados de um estudo do professor Fabio Marin, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba.
No artigo Protecting the Amazon forest and reducing global warming via agricultural intensification, publicado na revista Nature Sustainability, o autor traz modelos matemáticos que calculam o quanto é possível ampliar o rendimento da produção a partir do uso de tecnologia no campo e, com isso, diminuir a expansão de áreas cultivadas na região do Amazonas.
Seu trabalho consistiu em avaliar os potenciais de rendimento, isto é, a quantidade de produção de um vegetal por hectare em situações ótimas, sem perdas devido a ervas daninhas, insetos e patógenos de diversas regiões do Brasil.
Fabio Marin trabalha há mais de vinte anos com modelos matemáticos aplicados à agricultura, principalmente na lavoura de cana de açúcar, um tipo de monocultura comum no interior do Estado de São Paulo. “Muitas empresas agrícolas se interessam e aplicam os conceitos e resultados desses estudos. Eles são reconhecidos e validados de diversas formas”, explica o professor.“
Os dados de entrada têm a ver com o clima e o solo. Também realizamos experimentos onde observamos as plantações em situações ótimas de cultivo.”
A aplicação dos modelos para a soja é um novo desdobramento de suas pesquisas. Para isso, ele ainda contou com a ajuda de botânicos para compreender a fisiologia da soja e levantou dados de diversos locais de cultivo. Seus cálculos mostraram que a região Sul, também chamada de Pampas, já atingiu quase todo seu potencial produtivo.
O professor Benjamin Osório Filho, da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, dá alguns detalhes: “No norte do Estado temos grandes produtividades devido à irrigação, às sementes selecionadas e a um rigoroso controle de pragas. Mas essa não é a realidade de todos os agricultores, somente das grandes fazendas que têm acesso à tecnologia”, diz. O Cerrado e as regiões da Amazônia, por sua vez, apresentam o maior potencial de crescimento, além de possibilitar uma colheita anual dupla, por conta do regime de chuvas.
O trabalho do professor Fabio Marin explora três cenários diferentes em relação ao cultivo de soja e milho durante um período de 15 anos, tempo “longo o suficiente para facilitar a implementação de políticas, investimentos e tecnologias de longo prazo para fechar as lacunas de rendimento, e curto o suficiente para minimizar os efeitos de longo prazo das mudanças climáticas”, afirma o artigo em questão.
A intensificação agrícola, do ponto de vista teórico, é capaz de aumentar a produtividade de forma significativa sem que seja necessário o aumento do desmatamento.
Para Osório Filho, entretanto, alguns pontos do modelo matemático talvez tenham que ser revistos. Por exemplo, a produtividade já é afetada pelas mudanças climáticas, como ele ressalta sobre a região Sul: “Em ano de La Niña, como este último ano, a seca foi intensa. A produtividade das áreas não irrigadas caiu e os reservatórios de água disponíveis para a irrigação baixaram. Sem água, a produtividade cai. Já estamos vivendo a realidade das mudanças climáticas.”
Outras questões políticas urgentes se impõem ao pensar na atividade agrícola na Amazônia, aponta o professor de Geografia da Universidade de Brasília (UnB), Fernando Sobrinho: “Estive há uns dias no Acre por conta de meu trabalho de campo e fiquei impressionado porque, em alguns momentos do dia, o céu ficava escuro por causa das queimadas. Eles estão botando fogo em tudo, sem nenhum controle. Houve um controle da expansão agrícola há alguns anos atrás, mas isso foi deixado de lado neste último governo.”
Além disso, Fernando Sobrinho aponta outra questão sobre a política internacional no comércio da soja: “Estamos numa mudança de paradigma de consumo. Em alguns anos, a Comunidade Europeia não vai querer a soja que venha da Amazônia, só vai querer soja com certificado. Tem a China, claro, mas sempre é um risco vender para um único mercado.”
Uma outra consideração pode ser feita a respeito da relação entre monoculturas e sustentabilidade. Para o antropólogo da USP Guilherme Moura Fernandes, esses dois termos permanecem contraditórios. Ele diz que um dos imperativos para a sobrevivência dos ecossistemas, inclusive agrícolas, é a constante promoção da diversidade.
Apenas sistemas agrícolas diversos dispõem de resiliência frente às mudanças climáticas. Ao passo que a reprodução de sistemas pobres em diversidade, tais como as monoculturas, é condicionada ao uso de herbicidas, pesticidas, correções do solo e outros insumos externos, cuja produção também depende de elevado consumo de combustíveis fósseis.
Na contramão das monoculturas agrícolas e florestais está a agrobiodiversidade ou diversidade agrícola. Essa última se relaciona com a sociobiodiversidade, ou seja, a diversidade de modos de vida, saberes e técnicas de cultivo e criação desenvolvidos por povos indígenas, quilombolas, camponeses e comunidades tradicionais. É por isso que ecologia e justiça social são fatores indissociáveis na busca pela sustentabilidade”, defende.