Argentinos que enfrentam taxa de inflação superior a 100% este ano estão lutando para sobreviver, recorrendo à reciclagem de lixões ou fazendo fila para trocar pertences em clubes de troca.
A Argentina tem um dos salários mais baixos medidos em dólares na América Latina: um salário mínimo mensal de US$ 45.540 pesos argentinos equivale a US$ 334 ao câmbio oficial ou US$ 135 ao “dólar azul” (o equivalente a pouco mais de R$ 700).
Por outro lado, a pobreza atinge 37,9% da população.
O país deve registrar o maior aumento nos preços este ano, desde um período de hiperinflação por volta de 1990, um caso extremo mesmo em um mundo que luta amplamente para controlar a inflação, impulsionada pela invasão russa à Ucrânia.
"Minha renda não é mais suficiente", disse Sergio Omar, que passa 12 horas por dia vasculhando montanhas de lixo de um aterro sanitário em Lujan, a 65 quilômetros da capital Buenos Aires, em busca de papelão, plástico e metal para vender.
Omar, de 41 anos, afirmou que os custos dos alimentos aumentaram tanto nos últimos meses que ficou difícil alimentar sua família de cinco filhos. Ele disse que um número crescente de trabalhadores informais vai ao depósito de lixo para encontrar qualquer item que possa vender na luta pela sobrevivência.
"O dobro de pessoas está vindo aqui porque há muita crise", disse ele, explicando que pode ganhar entre 2 mil e 6 mil pesos (US$ 13 a US$ 40) por dia vendendo lixo reciclável.
Nas últimas semanas, duas ações de confisco por parte da população ocorreram em regiões diferentes do país. Em San Juan, dezenas de pessoas invadiram um supermercado no dia 30 de julho. Itens de higiene básica e eletrodomésticos foram levados. No dia 25 de julho, na cidade de Santa Fé, vacas de um caminhão tombado foram abatidas e as carnes levadas pelos argentinos famintos.
Há um século, a Argentina era um dos países mais ricos do mundo. Mas, nos últimos anos, passou de uma crise econômica para outra e tem lutado para manter a inflação sob controle.
Agora, os preços estão subindo no ritmo mais rápido desde a década de 90, com os problemas causados pela impressão de dinheiro e ciclos viciosos de aumento de preços por empresas, agravados por aumentos globais nos custos de fertilizantes para agricultura e importação de gás.
A inflação deve subir 6,7% apenas em setembro, disseram analistas consultados pela Reuters, antes dos dados oficiais que devem ser divulgados nesta sexta-feira. Isso levou o Banco Central a elevar a taxa de juros para 75%, com a possibilidade de outras altas.
O governo está gastando muito mais do que arrecada, apelando para a impressão indiscriminada de dinheiro, o que pressiona a baase monetária e é combustível na fogueira dos preços altos.
Há cinco anos, 17,9% dos argentinos viviam abaixo da linha da pobreza, segundo o Instituto Nacional de Estatísticas (Indec). Hoje, esse índice mais que dobrou, para 37,5%.
Os níveis de pobreza foram superiores a 36% no primeiro semestre de 2022 e a pobreza extrema subiu para 8,8%, cerca de 2,6 milhões de pessoas. Os programas de bem-estar do governo ajudaram a evitar que ela subisse mais, mas ainda há alguns pedidos de mais gastos sociais, apesar dos fundos estatais limitados.
Em 2001, durante uma das piores crises econômicas da Argentina, Sandra Contreras criou o Lujan Barter Club. A entidade está decolando novamente, pois os argentinos, incapazes de acompanhar os preços, procuram trocar itens como roupas velhas por um saco de farinha ou macarrão.
"As pessoas chegam muito desesperadas, seus salários não são suficientes, as coisas estão piorando a cada dia", disse Contreras, acrescentando que elas começam a fazer fila duas horas antes da abertura do clube de trocas, todas as manhãs.
O Estado argentino, agora dirigido pela esquerda, sangra o país para pagar juros aos credores internacionais.
Em abril, milhares de manifestantes marcharam até o palácio do governo para exigir emprego e maior assistência do Estado em planos sociais e alimentação, ao presidente Alberto Fernández.
David Miazzo, economista-chefe da Fundação Agrícola para o Desenvolvimento da Argentina (FADA), disse à Rádio CNN que “tudo começa com um grande desequilíbrio fiscal, que se torna um desequilíbrio monetário devido à impressão para financiar o déficit. Um desequilíbrio cambial, porque o objetivo do governo é manter o dólar oficial como taxa de câmbio e âncora nominal. E tudo isso gera um atraso profundo no câmbio oficial. Hoje, 130 pesos parecem um valor artificial, porque as pessoas e as empresas estão dispostas para fugir do peso em 330”.
Quando o atual presidente peronista, Alberto Fernández, venceu as eleições em 2019 e sucedeu o governo de Mauricio Macri, a situação econômica já era ruim. De lá para cá, só fez piorar.