Famosos

Morre Jô Soares aos 84 anos

A despedida será reservada a amigos e familiares

Foto: TV Globo | Reprodução
O humorista Jô Soares

Morreu na madrugada desta sexta-feira, 5, o apresentador, escritor, humorista e diretor Jô Soares, aos 84 anos. Ele estava internado desde o dia 28 de julho no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo. A informação foi confirmada nas redes sociais pela ex-mulher de Jô Flavia Pedras Soares, que foi casada com o apresentador durante 15 anos, e a causa da morte não foi revelada. Segundo Flávia, a despedida será reservada a amigos e familiares. O local do enterro e do velório não foram divulgados.

Na publicação, a ex-mulher do apresentador fez uma singela homenagem. "Viva você meu Bitiko, Bolota, Miudeza, Bichinho, Porcaria, Gorducho. Você é orgulho pra todo mundo que compartilhou de alguma forma a vida com você. Agradeço aos senhores Tempo e Espaço, por terem me dado a sorte de deixar nossas vidas se cruzarem", escreveu no post.

Nascido José Eugênio Soares em 16 de janeiro de 1938, Jô Soares estudou em Lausanne, na Suíça. Pensava em ser diplomata e aprendeu várias línguas, o que lhe deu sólida formação cultural e intelectual. Falava, com diferentes níveis de fluência, cinco idiomas: português, inglês, francês, italiano e espanhol, além de ter bons conhecimentos de alemão. 

Viu televisão pela primeira vez em 1952, nos Estados Unidos, e começou a trabalhar no veículo seis anos depois, aos 20, escrevendo e atuando nas peças policiais de TV Mistério, programa da TV Rio protagonizado por Paulo Autran, Tônia Carrero e Adolfo Celi.

Mas só seria apresentado ao público como comediante pouco tempo depois, na TV Continental, e a capacidade de fazer rir o levaria a todos os canais de TV do Rio de Janeiro na época. Em 1960, substituiria José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, a convite do próprio, na redação do Simonetti Show, da TV Excelsior. Já na Record, em 1966, escrevia e atuava no lendário Família Trapo, sitcom que depois inspiraria tantas outras e faria a glória de Ronald Golias, Renata Fronzi, Renato Corte Real e Zeloni, além do próprio Jô.

A redação era dividida com Carlos Alberto de Nóbrega, com quem combinava as cenas que caberiam a um e a outro, cada um na sua casa. Quando se encontravam, juntavam as duas partes e todo o enredo se encaixava perfeitamente, sem necessidade de ajustes.

Depois de ensaiar por algumas vezes sua saída da Record, Jô estrearia na Globo em 1970. "Eu queria um programa de humor com uma nova cara", relata Boni, ex-chefão da emissora, em seu livro de memórias, O Livro do Boni. E continua: "Tinha um nome pronto na cabeça: 'Faça Humor, não faça a guerra'. Havíamos contratado também o Renato Corte Real e o incluímos no projeto. As reuniões se sucederam com o Augusto César Vanucci, o Jô, o Renato, o Haroldo Barbosa, o Max Nunes e o João Lorêdo."

O horário era o das noites de sexta, na vaga que antes cabia a Dercy Gonçalves. E, se Dercy alcançava, naquela época, 60% dos lares com televisão, Jô bateu nos 70% e Boni foi celebrado até pelo patrão, Roberto Marinho. "Faça Humor, não Faça a Guerra" ficou por três anos no ar e foi substituído por Satiricom, que durou mais três anos, sucedida por "Planeta dos Homens", que seguiu liderando a audiência pelos cinco anos seguintes.

Foi em 1981, ainda segundo o próprio Boni, que Jô sugeriu que já fosse hora de ter um programa todo seu. Nasceu daí o Viva o Gordo, que lançou personagens lendários, alguns deles atuais mesmo hoje. Com maquiagem e figurino a caráter, Jô fez barulho como o Capitão Gay e Norminha, entre outros.

Em 1987, Jô pleiteou à direção da Globo, ainda na figura de Boni, um talk show. Não houve acerto e ele se mudou para o SBT, levando consigo seu fiel redator Max Nunes e também o programa humorístico, lá rebatizado como Veja o Gordo. Boni o ameaçou, chegou a dizer que ele não poderia usar a palavra "gordo", e Jô respondeu com um longo e bem argumentado texto no Jornal do Brasil, lido também durante o Programa Silvio Santos, já seu novo patrão.

Anos depois, os dois retomariam a amizade. "Gritei, fiz ameaças, mas prevaleceu o carinho que sempre tive pelos dois (Jô e Max Nunes)", relata Boni. "Porém, profissionalmente, comprei a briga Criei a sessão de cinema Tela Quente, que incinerou o Veja o Gordo, fazendo com que o programa saísse do ar", completa.

Sem o humorístico, Jô passou a se dedicar integralmente ao programa de entrevistas, que cresceu, apareceu e se tornou referência do gênero na TV brasileira, mesmo que cenário e formato em muito lembrassem a matriz americana, com Johnny Carlson, da poltrona à caneca. Entre 91 e 92, foi uma das vitrines mais fortes para a crise política que levaria o então presidente Fernando Collor ao impeachment, e essa postura seria cobrada do programa por todas as ocasiões seguintes em que a política merecesse foco prioritário.

Em 2000, Jô voltou para a Globo, com o mesmo talk show e estrutura melhor de cenário e equipe. Junto, levou seu quinteto, que anos depois se tornaria sexteto, os diretores Diléa Frate e Willen Van Verelt, e, de novo, Max Nunes, amigo que perdeu em junho de 2014.

Desde sempre, sua trajetória televisiva foi acompanhada de expediente permanente no teatro, dirigindo outros ou, durante um bom tempo, montando seus próprios espetáculos, precursores que foram - no caso dele e de Chico Anysio - dos chamados stand up de hoje.

Também se debruçou sobre a produção literária, ao criar livros como O Astronauta Sem Regine, O Xangô de Baker Street!, que virou filme, O Homem que Matou Getúlio Vargas e Assassinato na Academia Brasileira de Letras. Esteve em clássicos do cinema como O Homem do Sputnik, de Carlos Manga, ao lado de Norma Bengel.

Vida pessoal

Jô teve algumas mulheres. Foi casado com Teresa Austregésilo, apresentadora da TV Tupi, com Flavinha, que viria a se tornar sua melhor amiga, e namorou as atrizes Cláudia Raia e Mika Lins. Deixa um filho.

Já de volta à Globo, foi acusado, por longo período de falar mais que o entrevistado, o que contestava. Foi vítima do quadro Sandálias da Humildade, do Pânico, e não era exatamente conhecido por sua simpatia. Não que não fosse simpático. Era, e sabia como seduzir seus interlocutores com seu vasto repertório. E não negava algum egocentrismo, vá lá.

Em 2000, quando atendeu ao convite de Boni para escrever um depoimento para o livro 50/50 (Ed. Globo), organizado para celebrar os 50 anos da TV, registrou lá: "Devo confessar que me senti lisonjeado quando fui convidado para integrar este projeto, mas, sinceramente, acho que a minha participação não é a mais adequada. Digo isso sem falsa modéstia, pois com meus 115 quilos, sou um exibido' pela própria natureza. Também por força da própria profissão, já que a exerço numa vitrine."

Jô dizia que era "mais artista que intelectual". "Trabalho mais com a intuição do que com a razão. A TV não me preocupa, me ocupa."

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Família Trapo - Ronald Golias e Jô Soares jogam bola com Pelé (TV Record, 1967)

Bordões

Ao longo de sua carreira, Jô Soares criou inúmeros bordões que se tornaram populares. Seja por meio de personagens, seja em seu programa de entrevistas, o humorista sabia captar o que as pessoas gostariam de ouvir e de repetir no seu dia a dia. 

"Não querendo te interromper, e já interrompendo..." - Durante suas entrevistas

"Vice não fala" - Referência clara ao então vice-presidente Aureliano Chaves.

"Vamos malhar?" - Professora de ginástica interpretada por ele, no auge de seu corpito.

"Cala-te boca, tem pai que é cego" - A um pai que fingia não notar que o filho era homossexual, ao fazer cursos de maquiagem, balé e corte e costura.

"É o meu jeitinho" - Rochinha, o tímido desengonçado que causava inveja nos homens por andar com o mulherão Liliane (Magda Cotrofe)

"Não quero meu nome em bocas Matildes" - Da sogra que conversava com a filha pelo telefone deitada numa banheira de espuma com uma toalha na cabeça

"Soniiinho" - Do bebê Filico, que rezava e esfregava os olhinhos quando ouvia comentários sobre assuntos de gente grande como a inflação brasileira;

"Cala a boca, Batista" - Irmão Carmelo, que não deixava seu dentuço colega de sacristia (Eliezer Mota) pronunciar uma palavra;

"Me devolve pro tubo" - Paciente despertado do coma que encontrava o mundo de ponta-cabeça e pedia para ser novamente induzido à condição de inconsciente.

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Ronald Golias e Jô Soares - Família Trapo - A Morte do Bronco (TV Record, 1967)

Carreira

Detentor de um talento versátil, além de atuar, dirigir, escrever roteiros, livros e peças de teatro, Jô Soares também foi um apreciador de jazz e chegou a apresentar um programa de rádio na extinta Jornal do Brasil AM, no Rio de Janeiro, além de uma experiência na também extinta Antena 1 Rio de Janeiro.

1956 — Estreia na televisão no elenco da Praça da Alegria, na época na RecordTV, onde ficou por 10 anos.

1965 — Protagoniza a única novela de sua carreira, a comédia Ceará contra 007, a trama de maior audiência naquele ano no Brasil. Também na Record.

1967 — Em "Família Trapo", roteirizava ao lado de Carlos Alberto de Nóbrega e atuava como Gordon, o mordomo atrapalhado e descompensado. Último trabalho na Record.

1971 — "Faça Humor, Não Faça Guerra" foi primeiro humorístico da TV Globo a contar a com a participação do comediante. O programa em meio à Guerra Fria e ao conflito do Vietnã brincava com o slogan pacifista hippie "Make love, don't make war" (Faça amor, não faça a guerra).

1973 — "Satiricom", novo humorístico da TV Globo, com direção de Augusto César Vanucci, realizava roteiros com Max Nunes e Haroldo Barbosa. A atração satirizava o título do filme homônimo de Federico Fellini - "Satyricon". Na promoção do programa, todavia, diziam que era a "sátira da comunicação" num mundo que tinha virado uma "aldeia global", expressão que esteve na moda depois dos primeiros anos da TV via satélite.

1976 — "Planeta dos Homens", nova sátira com o cinema - desta vez, a série cinematográfica "O Planeta dos Macacos", atuava com roteiros de Haroldo Barbosa.

1981 — "Viva o Gordo", com direção de Walter Lacet e Francisco Milani, foi o primeiro programa solo dele. Tinha roteiros de Armando Costa. Deu origem ao espetáculo do gênero "one man show" de Jô chamado "Viva o Gordo, Abaixo o Regime" (sátira explícita ao Golpe Militar de 1964 ainda vigente àquela época). As aberturas do programa brincavam com efeitos especiais usando técnica de inserção de imagens de Jô entre cenas famosas do cinema (como em "Cliente Morto Não Paga" e "Zelig") ou "contracenando" com políticos nacionais e internacionais, como Orestes Quercia, Jânio Quadros, Ronald Reagan etc.

1982 — Participação no "Chico Anysio Show".

1983 - Participação no musical infantil "Plunct, Plact, Zuuum". Comentários no Jornal da Globo até 1987.

1988 — "Veja o Gordo", estreia no SBT com o mesmo estilo do "Viva o Gordo" da Rede Globo. Estréia nesse ano, ainda no SBT, o talk show "Jô Soares Onze e Meia" (1988–1999).

2000 — Trazido de volta para a Rede Globo, onde apresentou o Programa do Jô até 2016, e fez participação no especial de Natal do programa "Sai de Baixo" — episódio "No Natal a Gente Vem Te Mudar" (sátira ao título da peça de Naum Alves de Souza, "No Natal a Gente Vem Te Buscar") como Papai Noel.

2018 — Participa como comentarista do programa Debate Final, no Fox Sports, debatendo sobre a Copa do Mundo FIFA de 2018.

No vídeo
Ricardo Boechat entevista Jô Soares

Artistas lamentam

Personalidades e amigos lamentam a morte de Jô Soares. Nas redes sociais, prestaram homenagem e elogiaram a carreira do apresentador. 

Nas redes sociais, a apresentadora Ana Maria Braga enalteceu a convivência com Jô Soares. "Eu tive a honra de conhecer e conviver com esse jornalista e humorista tão talentoso", disse ela.

A atriz e diretora Bárbara Paz também presta homenagem. "Aplausos e muitas risadas no céu", postou. Além dela, a apresentadora Patrícia Poeta também lamentou a perda do humorista.

Ao confirmar a morte do apresentador, a ex-mulher de Jô, Flavia Pedras, que foi casada com ele durante 15 anos, também fez uma homenagem. "Viva você meu Bitiko, Bolota, Miudeza, Bichinho, Porcaria, Gorducho. Você é orgulho pra todo mundo que compartilhou de alguma forma a vida com você.  Agradeço aos senhores Tempo e Espaço, por terem me dado a sorte de deixar nossas vidas se cruzarem", escreveu no post.

O cantor Thiaguinho destacou ter sido uma honra ser entrevistado por Jô Soares.

A apresentadora Adriane Galisteu também se manifestou sobre a morte de Jô Soares. "Você sempre foi cercado de amor e sempre será assim", disse ela.

"Como eu gostava do Jô! Sempre inteligente, divertido, inesperado e criativo", disse a atriz Lilia Cabral, nas redes sociais.

O humorista Paulinho Serra também postou homenagem ao apresentador. "Ooohhh meu amigo, como sou grato a você. Como o Brasil tem gratidão por você", disse ele.

Com o título “Adeus, Jô Soares”, o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, também emitiu uma nota oficial de pesar pela morte do humorista e apresentador. 

“Os seus sketches ficaram famosos, algumas expressões entraram mesmo na linguagem corrente, fez-nos rir e pensar durante anos, um grande obrigado a Jô Soares, que hoje saiu de cena, mas não dos nossos corações, nem das nossas memórias”, disse a nota. Jornais portugueses também destacou a morte do humorista brasileiro.

Em entrevista à GloboNews, Derico Sciotti, saxofonista na banda Sexteto, que tocava no programa do Jô Soares, falou sobre a relação com o humorista. "Passei metade da minha vida tocando ao lado dele. No programa, ele ia da seriedade para o humor em um segundo. Jô tinha uma risada característica, que encantava todo mundo", disse ele.

No vídeo
Jô Soares no Roda Viva

Políticos lamentam perda

Políticos também lamentaram nas redes sociais a morte do apresentador Jô Soares na madrugada desta sexta-feira.

O candidato à Presidência da República pelo PDT, o ex-ministro Ciro Gomes, destacou a perda do humorista.

Também candidata à Presidência da República, a senadora Simone Tebet (MDB) afirmou que o Brasil aprendeu muito com a inteligência do humorista.

Nas redes sociais, o ex-ministro Sérgio Moro (União Brasil) lamentou a perda.