Em meu último texto eu falei sobre a Baixa dos Sapateiros e de como ocorreu a urbanização dela. Há cerca de duas décadas, o trecho entre a Barroquinha e o Aquidabã abrigava um comércio diversificado e bastante popular, que atraía uma freguesia em busca de preços mais baixos.
Além disso, a área era bem servida de transporte público por causa do Terminal da Barroquinha e da Estação do Aquidabã, contudo, com a pandemia de Covid-19 a situação econômica se complicou e muitas lojas fecharam as portas definitivamente, assim como ocorreu em shoppings centers e na Avenida Sete de Setembro.
Como parte das iniciativas para requalificação do Centro Histórico, a Prefeitura Municipal de Salvador reformou o Mercado de São Miguel (2020) e fez melhorias no Terminal da Barroquinha (2021), onde foram redistribuídos os abrigos de ônibus, construíram-se rampas acessíveis para a Rua do Paraíso e outras melhorias.
Ainda estão no pacote de iniciativas as melhorias na região do Aquidabã e na Rua Cônego Pereira. Mas, hoje, o que me interessa falar é sobre a Estação do Aquidabã, que já foi demolida aliás.
Por causa da pandemia eu deixei de transitar pela cidade e tomei um choque, ao passar pelo Aquidabã e não ver aquela que lá nos idos de 1979 (eu, no terceiro ano de Arquitetura na FAUFBA) tanto chamou a nossa atenção pela forma arrojada da sua estrutura.
Confesso que fiquei sem palavras e pronunciei apenas um oh!
Ao chegar em casa comecei a procurar as informações sobre o destino que seria dado à região do Aquidabã, mas o que eu mais busquei foram as justificativas, opiniões favoráveis e contrárias, e pouco ou quase nada encontrei.
Realmente, com a implantação das linhas do metrô a estação estava praticamente sem uso, com poucos destinos de ônibus, e tomada por moradores de rua e usuários de drogas, que provocavam medo nas pessoas que por ali transitavam, eis a justificativa.
Não fiquei satisfeita com o que encontrei, pois na minha opinião é necessário registrar esse momento e a própria existência da estação, o autor do seu projeto, enfim, oferecer estes registros à memória da cidade.
Pesquisei, então, em livros de queridos professores, teses e artigos que encontrei na internet, em repositórios de universidades, e nada.
Tentei o Arquivo Municipal, mas eles estão em processo de mudança para os novos prédios no Bairro do Comércio e a pesquisa demandaria mais tempo.
Fui ao Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e consultei os jornais A Tarde e Correio da Bahia do mês de março de 1979, que seria o período em que ela fora inaugurada, informação que consegui pelos mesmos jornais na semana passada. Pouca coisa, quase nada.
Não estou satisfeita, e vou continuar minha pesquisa, contudo resolvi concentrar as informações deste texto na região do Aquidabã.
Vamos começar pelo nome, Aquidabã, de origem guarani, que significa terra entre rios, ou terras férteis, mas, como em alguns textos que encontrei, acredito que o nome tenha relação com a Guerra do Paraguai.
A Batalha de Cerro Corá, a última desta guerra, foi travada às margens do rio Aquidabã, no dia 1º de março de 1870, entre o Exército Imperial Brasileiro e o paraguaio, sob o comando de Francisco Solano Lopez, que morreu no confronto.
O primeiro registro fotográfico da região do Aquidabã mostra a presença de roças, limitadas por singelas cercas de madeira em ambos os lados do vale do Rio das Tripas, já encoberto. Podem ser vistos, também, ao centro da pista, ainda sem pavimento, os trilhos de bonde. O fotógrafo se posicionou no alto do 3º Arco, construído pelo poder municipal em 1853, que conectava a Ladeira do Arco (Barbalho) à ladeira do Hospital Santa Izabel (Nazaré).
Região do Aquidabã, em 1875 (Guia Geográfico de Salvador), e o 3º Arco, c. 1940 (Amo a História de Salvador).
Outra fotografia, tirada no mesmo local, mas 50 anos depois, não revela muitas mudanças na ocupação da região do Aquidabã. Muros de alvenaria delimitam os terrenos e roças e indicam, também, a separação entre eles e a Baixa dos Sapateiros (na época, já havia recebido o nome de Avenida José Joaquim Seabra), que já apresenta pavimentação de paralelepípedos de pedra e rede de energia elétrica.
O mapa de Adolfo Morales de los Rios (1894) identifica a ladeira do Aquidabã, que liga o Bairro de Santo Antônio além do Carmo à Rua da Vala. Esta região é o que chamamos de Aquidabã.
Região do Aquidabã, em 1924 (Guia Geográfico de Salvador), e detalhe do mapa de 1984
Em 1967, o 3º Arco foi demolido para dar lugar ao viaduto da Ladeira do Arco, que fez parte das reformas urbanísticas realizadas pelo poder municipal para melhorar o trânsito em vários pontos da cidade. Na foto percebemos a pavimentação ainda em paralelepípedos e uma ocupação da região, inclusive com novas vias.
Em 1969 foi inaugurado o Viaduto Marta Vasconcelos, que dá acesso ao Túnel Américo Simas. Nesta foto vemos, à direita, a Ladeira do Arco, com a casa azul do século XIX, que é tombada pelo IPAC (1981); à esquerda, no alto, a Ladeira do Aquidabã, que desemboca no largo do Aquidabã, ocupado por várias construções sendo que duas nos chamam a atenção, pois ambas são edificações térreas, com muitas janelas. A menor tem uma porta de entrada e um pátio interno e era o 2º Centro de Saúde. Já o volume maior é formada por três volumes interligados, talvez uma vila operária de casas com porta e janela, ou uma fábrica. São especulações sobre construções que não mais existem.
Viaduto da Ladeira do Arco em 1968 e Viaduto Marta Vasconcelos em 1971 (Classical Buses).
Entre os anos de 1978 e 1979, o Aquidabã sofreu uma grande reforma para a construção de uma estação com capacidade para receber 126 ônibus por hora e, na época, com uma demanda de cerca de 10 mil passageiros por hora, para servir os bairros de São Cristóvão, Pirajá, Marechal Rondon, Largo do Tanque, Sete de Abril, Castelo Branco, Pernambués, Pau da Lima, Massaranduba, Ribeira e Pituba; e também dois pontos de táxi e quiosques. Ao todo eram mais de 7 mil metros quadrados de área, sendo mais de 3 mil metros quadrados de área coberta.
Desde 2018 o poder municipal já havia tornado pública a intenção de demolir a estação, o que foi concretizado agora, em 2022.
Pois essa história vai continuar em outra carta, quando eu tiver conseguido as informações sobre o projeto e a construção da estação.
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Para saber mais
DOREA, L. E. História de Salvador nos nomes das suas ruas. Salvador: EDUFBA, 2006.
SANTIAGO, C. C.; CERQUEIRA, K. M. de A. F. Sobre arcos e bondes: resgatando a memória urbana de Salvador. Salvador: EDUFBA, 2019.