Gina Marocci

Baía de Todos os Santos: conheça
a importância para Salvador

Uma baía é uma porção de oceano rodeada por terra, ou seja, é uma reentrância da costa por onde o mar avança para o interior do continente. De maneira muito sucinta, há cerca de milhões de anos houve uma fratura do continente entre Salvador e Itaparica, e um afundamento, que foi preenchido por areia, pedras, e outros materiais, o mar invadiu e formou este “mar interior” que chamamos de Baía de Todos os Santos.

Com uma superfície de 1233 km2, é a segunda maior do país – a primeira é a Baía de São Marcos, no Maranhão – possui 56 ilhas e tem profundidade máxima de 70 metros. Fazem parte dela as baías de Iguape e de Aratu, estuários de rios, manguezais, restingas e mata atlântica.

Dez municípios são banhados por ela: Salvador, Candeias, Madre de Deus, São Francisco do Conde, Saubara, Salinas da Margarida, Maragogipe, Jaguaripe, Vera Cruz e Itaparica. E três importantes rios têm nela sua foz.

O rio Jaguaripe, o rio das onças em tupi, que tem em sua foz manguezais e diversas ilhas: Paraíso, Carapeba, Santo Antônio de Jiribatuba e Matarandiba. É considerado o limite sul da baía e sobre ele está a ponte do Funil, que liga o continente à ilha de Itaparica.

O rio Paraguaçu (rio grande, em Tupi), é maior rio genuinamente baiano, que já foi a principal via de transporte e comunicação do Recôncavo; e o rio Jacuípe, o rio dos jacus, ave típica da região.

Apesar da sua longa história conhecemos detalhes apenas dos últimos 12 mil anos, contados pelos registros arqueológicos deixados pelos grupos humanos que habitavam a sua orla, principalmente onde os rios nela desaguam. Eram grupos de caçadores coletores e de horticultores ceramistas, que construíam grandes aldeias.

Eles nos deixaram os sambaquis, estruturas caracterizadas pelo acúmulo de conchas de mariscos coletados nos mangues, tanto para consumo, como alimento, quanto para a construção de montículos, que funcionavam como aterros nos quais eles moravam.

Os diversos grupos Tupi deixaram seus descendentes, e os Tupinambás eram a maioria deles na região da baía. Eles a batizaram de Kirimurê, o grande mar, que lhes dava o alimento e contato com outros grupos.

Ela foi batizada pelos portugueses em 1501, quando a expedição exploratória comandada por Gaspar de Lemos, que tinha como cartógrafo o italiano Américo Vespúcio, a nomeou em 1º de novembro, dia de Todos os Santos, conforme a tradição cristã católica. Por ser uma larga e profunda baía, além de ser um porto estratégico, ela atraiu navegantes, piratas e colonizadores, não apenas portugueses, mas, também, ingleses, franceses, espanhóis e holandeses.

Para aproveitar todo o potencial que a Baía tinha, a colonização portuguesa trouxe a alta tecnologia do século XVI, tanto na implantação dos engenhos de açúcar, como na construção naval.

Além de um bom porto para os navegantes, ela era um lugar para reabastecimento fácil. No entanto, a resistência dos indígenas ao avanço dos portugueses, que queriam escravizá-los para o trabalho na lavoura de cana-de-açúcar, culminou com o incêndio dos engenhos levantados na atual cidade do Salvador, em 1540.


Engenho de açúcar (Frans Post, c. 1640)

Por toda a orla da Baía instalaram-se engenhos e, ainda no século XVI, houve a interiorização do cultivo da cana-de-açúcar para o Recôncavo. Em 1612 já se contavam 50 engenhos no Recôncavo e para o final do mesmo século, 130. Entre 1640 e 1649, os holandeses incendiaram 57 deles, por conta da facilidade de acesso pelos rios, principalmente o Paraguaçu.

O escoamento da produção dependia exclusivamente desses rios e de embarcações de vários tipos, que no século XVIII eram mais duas mil. Saveiros de vários tipos, canoas com velas e jangadas faziam o transporte de pessoas e de mercadorias.

A canoa indígena cavada nas cascas das árvores diversificou-se, adaptada às tecnologias dos portugueses e dos africanos do Congo. Alvarengas faziam o transbordo de mercadorias dos navios para os ancoradouros.

Era uma profusão de velas dos mais diversos tipos. Essa tecnologia náutica também serviu para aperfeiçoar os navios negreiros, as naus da morte e da dor, aumentando-lhes o espaço do casco para receber mais passageiros, quilhas arredondadas para o acesso às águas rasas da costa africana e aos ancoradouros da baía.


Vista da Baía de Todos os Santos (Johannes Vingboons, 1665)

No entorno da baía também se aventuraram os religiosos, primeiramente, indo às aldeias, depois, organizando-os em aldeamentos sob a responsabilidade de missionários e, às vezes, de agentes governamentais.

Assim, no século XVI já se contavam 25 desses aldeamentos que, em alguns casos, deslocavam tribos de um lugar para outro anulando a relação com a terra e com suas tradições. Vila Velha, onde viviam os índios aliados e parentes de Caramuru, Calvário (Carmo), São Lourenço (Chapada do Rio vermelho), ilha de Madre de Deus, Santa Cruz de Itaparica, Santo Antônio de Jaguaripe são exemplos de missões jesuítas que se tornaram povoados e vilas.

A baía, com suas enseadas, rios e manguezais, também servia de abrigo aos traficantes de escravos, que construíam depósitos provisórios de tratamento contra os males das terríveis viagens nos navios negreiros, mas, por outro lado, abrigava, também, os escravos que fugiam dos seus senhores, protegendo-os nas matas, nos mangues, em acampamentos provisórios.

Os caminhos marítimos e fluviais serviram para a comunicação e a propagação de ideias e revoltas dos escravizados nas diversas vilas e povoados e em Salvador, como ocorreu em 1835, na Revolta dos Malês. É, a baía tem muita história para contar!

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Para saber mais

AZEVEDO, E. B. de. Engenhos do Recôncavo Baiano. Brasília, DF: Iphan, Programa Monumenta, 2009.

CAROSO, C.; TAVARES, F.; PEREIRA, C. (Org.). Baía de Todos os Santos: aspectos humanos. Salvador: EDUFBA, 2011.