Cassiano Antico

Bonitas são as pessoas cheias de vazio

Nunca concebi como os assassinos conseguem meter o cabeção no travesseiro e dormir. Nunca compreendi como aqueles que usufruem de bens roubados conseguem se divertir. Nunca compreendi as pessoas que não reparam nos olhos duros do chantagista.

Seria o ódio hereditário?

Há um ar depravado em todo doutor, ou coisa que o valha, que se julga melhor que um lixeiro, um pescador, uma faxineira, ou qualquer outra pessoa. Tem um ar pernicioso em todo homem que se acha no direito determinar o caminho pelos outros.

“Morrer é foda / viver é difícil”. Logo que saímos da barriga da nossa mãe, nos fazem sentir tão pequenos - não no tamanho -, mas em suas ambições mesquinhas.

"Pro nosso futuro!" Tentarão te destruir até que você não sinta mais nada. Até que você ache normal que crianças morem na rua, que ser forte e "empodeirado" é ser cuzão com as pessoas, que morte por bala perdida seja considerada só mais uma "causa mortis" na estatística.

E hoje existe o Homem Pen Drive. O Homem Google. E tem a coisa da competição. E tem a coisa da informação. E tem a coisa do bullying. E a do fake. E tem a coisa de querer ser notado a todo custo, de vender uma imagem  falsa... sempre tentando parecer melhor do que realmente somos.

É, tem muita coisa. E tudo é vaidade debaixo do sol. Coisas que não servem a nada. Como uma máquina quebrada, um fósforo molhado na noite escura.

Tem, por exemplo, gente que possui mais informações que a memória do computador do Bill Gates poderia suportar. São verdadeiros robôs. Lembram de tudo, lembram de tudo. Mas são incapazes de analisar tais conhecimentos, ou armazenamentos.

E há também os que não se lembram de nada quando esse "não lembrar" lhes convém. E se acham uns gênios! Os grandes cínicos, sonsos! Os que usam o conhecimento como arma.

Tive um professor de filosofia que era assim. No primeiro dia de aula, ele já avisava: "Metade da sala vai repetir comigo". E seu tesão era mostrar o quanto sabia, o quão fodinha era... E como os alunos são todos uns idiotas. Ele gostava de humilhar, de ofender. Um homem cheio! Cheio de verdades... Cheio de bosta.

E eu, muitas vezes, sou habitado por justiceiros, né? Uma vez ele (o professor) falou demais!, escorregou numa de suas explicações e eu vi uma brecha para dar um pequeno troco. Babaquice de minha parte, fui perceber tarde demais. Passei a semana na biblioteca lendo tudo que encontrei pela frente sobre Socrates, Platão. Li e reli o Mito da Caverna... La Repubblica. Bom, o assunto era chato pra caramba... Algo como a inspiração poética no ion de Platão. Lembro-me que desbanquei o cara.  Me senti um bosta, claro. Vi que ele era humano. Não era apenas um robô, ou robot. Pensava que o sujeito não passava de um pen drive ambulante, uma memória USB flash drive, um monte de arquivos “na nuvem” - mais um zé ruela livresco. Senti seu cheiro de vergonha. E o meu foi bem pior, depois.

Eu vivia carregando as perucas de Schopenhauer na corcova. Teve aluno que pediu pra eu parar por dó do professor. Alguns Brothers riam e metiam lenha na fogueira. Mas a bem da verdade é que eu saí triste da aula, me sentindo um completo otário.

O Homem pen drive é um ser feio. Como escreveu Rubem Alves, as pessoas, para serem belas e amadas, precisam ter um vazio dentro delas. A maioria acha o contrário; pensa que o bom é ser cheio. Essas são as pessoas que se acham cheias de verdades e sabedoria e tudo é tals. São umas chatas. Bonitas são as que estão cheias de vazio. 

Vazio é espaço. São minhas filhas... Amáveis! Aquilo que somos mas esquemos e enchemos com tranqueiras. Vaidade é mais uma das porcarias que colocamos lá. Bem dentro. No meio de nós.