Cassiano Antico

Por que Zucreide morreu

 
Mais vale ser cego dos olhos do que do coração
-- Provérbio Árabe

Perguntaram se Zucreide havia morrido. Todos queriam saber que fim levou Zucreide. Alguém comentou: "Não, não, não morreu, Zucreide só saiu do Facebook." Que significa a mesma coisa. Não ver o vídeo da Zucreide com o Cremilson no Funk, dizendo: "É nóis na fita, Mozão!", não ver os comentários da Zucreide sobre sua vida passada, suas emotions, sua lacrimosa participação no último velório, suas frases de Chico Xavier de boa noite, Zucreide terminando a maratona de dois quilômetros com os braços abertos como o Cristo Redentor,  Zucreide católica, Zucreide ecumênica, Zucreide abraçada a uma celebridade.

Poxa, para todos, aquilo só podia significar uma coisa: morte. Zucreide morreu! Mas, talvez, quem sabe, Zucreide, fininha e de baixa estatura, gente boa, sempre com batom vermelho na boca, consumidora contumaz de cigarros de palha e de cachaça Boazinha esteja mais viva que a Vênus de Milo!

"Por quê que eu não pensei nisso antes?" Morrer não significa apenas parar de respirar pelas ventas. Significa não participar da vida. Tem muita gente que morre tanto!!, tanto em vida, que quando chega a hora da morte resta pouco ou quase nada para enterrar. Li, li tanto sobre isso. E vi. E vivi em minha própria carne. Eu erro tanto, mas não tenho vergonha de confessar meus pecados. E o faço publicamente. 

E isso serve para a minha alma. Outro dia tive a impressão que minha alma retrocedeu dois mil anos. Num único instante.

De repente, estava eu lá, em meio a uma multidão que segurava pedras enquanto Cristo desenhava no chão de areia; uma mulher chorava. Depois de abraçar a mulher, de sentir um gosto amargo na boca, olhei fixamente pro Homem que estava no chão... Desenhando! Porque escrever, escrever mesmo: nenhuma palavra Ele escreveu. E o desenho era um misto de traços de uma criança com os de um velho - quando suas mãos começam a traí-lo...

Não consegui decifrar o desenho. Eu poderia dizer, num primeiro momento, que aqueles rabiscos na areia representavam o céu. O céu de "bligadeilo" - como dizia minha filhinha mais nova, a Dodó. Mas reparando um pouco melhor, aquilo poderia ser o mar. Ou uma árvore. Ou a minha própria sombra. Ou até mesmo uma tartaruga. Talvez fosse a última baleia do mundo, agonizando.

Parei de pensar. Me ajoelhei. E chorei. Uma senhora me abraçou carinhosamente e chorou comigo. Eu chorava em público. Desistiram de atirar pedras na jovem. E eu não contava com isso. Me senti traído por meus próprios olhos e por meus sentimentos. E o que dizer do meu coração? Olhando nos olhos daquela senhora, não senti vergonha de mim. Não me importei com nada que representasse dor ou qualquer outro sentimento humano ou demasiado humano. 

Porque qualquer tipo de violência destrói o que ela pretende defender: a dignidade da vida, a liberdade do ser humano. Nenhum motivo justifica as guerras e nem as pedradas.