Quem não sabe povoar sua solidão, também não saberá ficar sozinho em meio a uma multidão
A solidão sempre teve uma conotação negativa. E agora está associada ao isolamento social indesejado, ao tédio, ao ócio, ao acúmulo de trabalho dentro de um apartamento; e também a uma espécie de punição.
Tirando os monges e/ou os religiosos enclausurados por vontade própria, o isolamento imposto pela pandemia trouxe, além de milhares de mortes e de dor, o medo, a ansiedade, as crises de pânico, doenças de todos os tipos. Há até pesquisa sobre isso.
Neste exato momento, o céu está chorando, as ruas estão cheias de lágrimas. E a chuva que cai não limpa o nosso medo. Chegou mais uma gripe violenta, mais uma variação da covid-19.
Desligo a televisão. Saio da Internet. Reparo no sorriso das crianças. Lembro que gosto de tomar chuva. Um pássaro voa alto no céu. Sinto o vento no meu rosto. Há esperança.
Claro que quem consegue ficar só, que tem a possibilidade de desfrutar da solidão, por exemplo, pode aproveitar. Há esperança.
Li em algum lugar: o encontro dos pessimistas anônimos foi cancelado pois todo mundo achou que algo poderia dar errado. Foi cancelado! Há esperança.
Não, não vou descrever o mergulho na piscina com minhas filhas. E nem falar sobre Valentina dando cambalhotas na grama. Eu vou é aproveitar... me molhar e me sujar. Há esperança.
Faulkner gostava da companhia das pessoas simples, dos pescadores - era onde se sentia em casa. Bukowski odiava saraus de poesia. Não andava em bando - preferia os gatos.
Certos rótulos nos roubam a humanidade. Você nasceu. Mas não nasceu num formato de entidade. Se bem que tem gente que já veio ao mundo até com nome artístico, cachecol, troféus e já cadastrado em determinado grupo de 'elite' - com cartão de visita e tudo. Tô fora. Mas suponho que você nasceu nu e sozinho e ainda não sabia falar. É você. Esplêndido como um deus! Você vislumbra as alturas, os voos rasantes. Você não se imagina numa poltrona da autopiedade, do coitadinho de mim. E nem quer palco o dia todo. Até porque isso não é vida. Você quer experimentar. Quer fazer sexo, meter bastante, quer bater um rango, peidar, beijar, abraçar, beber água. Quer brincar com as filhas. Quer até tomar chuva. Há esperança.
O espírito enriquece-se com o que recebe de todos os lados e a todo momento. Cores, sentidos, experiências, privações, sensação de impotência, inadequação, doação, alegria, amor, chute no saco, gripe, enterros. E eu recebo tudo de peito aberto. É só na solidão, no silêncio, que é possível fazer uma reflexão mais profunda. Como diz o poema de Leminski: “Aqui jaz um grande poeta. Nada deixou escrito".
Então, por hoje é só um psiu e um grande foda-se para a tristeza! Há esperança. Há esperança. Há esperança. Você tá vivo (a)! Há esperança.