Cassiano Antico

Uma prece e um obrigado entre os versos eternos de Rimbaud

 
A família é um refúgio num mundo sem coração
-- Christopher Lasch

Disseram que não era roséola. Que roséola não demora tanto assim. Deram antibióticos para uma "doença" autoimune, um vírus. Explico. Não é que eles erraram. Os médicos seguem protocolos. Mas com minha filha não poderia ser igual, né? Igual a todo mundo. Ela já provou não ser uma mera estatística.

Tive que largar os versos de Rimbaud que estava lendo, onde o poeta dizia: "Farsa contínua! A minha inocência me faria chorar. A vida é a farsa a ser levada por todos".

Lindo, amo! E para mim, poesia não tem contradição alguma com a vida, porque é a própria vida. Mas ali tinha uma briga, sim. Eu tive que escolher entre ficar parado ou agir. Tive que abandonar o livro e fazer alguma coisa. Alguém precisava de mim e era minha filha de 11 meses de vida.

As pintas, que segundo os médicos apareceram, têm que aparecer em cinco dias: no máximo. Com Valentina só deram as caras depois do décimo. E pode acontecer de demorar mais de 3, 4, 5 dias para as pintas aparecerem.

Estou falando de algo que aconteceu antes de Valentina completar um ano de vida. Foi uma experiência intensa e que me causou medo - pai de primeira viagem. Mais pavor que minha overdose aos 22 anos. E o erro no diagnóstico gerou uma grave infecção urinária. O que fez com que a gente ficasse no hospital por 4 ou 5 dias. Intermináveis!

Furaram as veias dos braços e das mãos daquela linda garotinha, colocaram-na no soro, ela tremia, chamava por mim, mais antibióticos, mais exames, mais dúvidas. Tão pequena. Um choro sincero e genuíno.

Nunca pensei amar tanto alguém assim. Eu andava que nem uma alma penada pelos corredores do hospital. E a gente recebeu apoio e conforto de pessoas muito queridas. E a equipe do hospital também foi muito competente. Eu passava o dia no hospital com ela e com a Juliana. Chegava logo cedo e só ia embora tarde da noite.

Juliana dormia com Valentina. Eu ia pra casa. Ia pra casa à pé. É relativamente perto. Descia a Av. Angélica, na caminhada. Me peguei fazendo algo que não fazia há muito tempo: rezando.

Tenho um pequeno Terço que ganhei da mãe, e ele fica pendurado no meu chaveiro. Fica ali. Ele é muito bonito. Mas nunca tinha usado. E eu, enferrujado pra essas coisas, senti necessidade de rezar aquele Pai Nosso e Ave Maria e o Creio em Deus Pai e tudo que lembrava, por minha filha... 

Eu estava muito, muito fraco por dentro. Uma tripinha. Na medida em que me concentrava, um pouco de força invadiu o meu coração. Porque nenhuma música, nenhum cantor, nem o Johnny Cash, nem o Otis Redding, nem a biblioteca inteira e nem o silêncio estavam ajudando. Nada! E eu me lembro de ter rezado assim umas 2 ou 3 vezes na vida. E Deus, ou o Poder Superior, nunca me deixou na mão. 

A gente comemorou o aniversário de 1 ano de minha filha, um mês depois, no parque. Ela estava linda, feliz, radiante, completamente curada.

Naquela noite, antes de dormir, abri o livro de Rimbaud numa página aleatória, e estava lá: "O gênio é a recuperação da infância por vontade própria". E me lembrei de Fernando Pessoa: "Mais vale ser criança que querer compreender o mundo".

Obrigado, filhinha! Eu te amo. Eu te amo tanto!