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Era no Cine Santo Antônio, que ficava numa rua à direita da Igreja de São Francisco, Terreiro de Jesus, década de 60. A gente entrava no cinema às 14 horas e saía com a cabeça zonza e feliz depois de ver dois filmes e dois seriados, quando o artista está pendurado em cima de uma cachoeira segurando apenas num arbusto e surge um aviso: “Voltem na próxima semana”.
A festa começava na entrada do cinema. Minha mãe, dona Cleonice, só dava o dinheiro do ingresso. Para a pipoca, o dropes ou picolé tínhamos que vender revistas em quadrinhos usadas. As revistas também eram trocadas: “Troco dois Pato Donald por um Capitão Marvel”. À noite, na esquina, hora da resenha na turma de rua: “Você viu naquela hora em que Tom Mix mata dois de uma vez só?”.
Uma vez, meu amigo Jorge me chamou para irmos ao Cine Roma, onde hoje está o Santuário Santa Dulce dos Pobres. “Acertei uma menina e ela vai pro cinema com a irmã. Eu pego uma e você pega outra”. Quando o filme começou e passei o braço na minha paquera senti um bocado de picadas parecendo de alfinete. E era: atrás de nós uns seis meninos com alfinetes. A cada tentativa de abraçar, tome alfinete. Jorge, também muito alfinetado, falou pra mim baixinho: “Quando acabar o filme a gente sai picado pra não tomar porrada”. A gente morava na Cidade Alta e queria namorar com menina de Roma. Isso era inadmissível para a turma de lá. Foi uma correria só quando acabou a sessão. Chegamos esbaforidos no ponto e ia saindo um ônibus. Gritamos para o motorista e conseguimos embarcar deixando pra trás os alfineteiros. Uma fuga de cinema.
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Havia muitas piadas sobre cinema. A que mais gosto: o casal de namorados está vendo o filme quando ele toca no pescoço da moça e pergunta: “De quem é esse pescocinho?” “É seu, amor”. “De quem são essas costinhas?” “São suas, meu bem”. Descendo mais a mão: “E de quem é essa bundinha?” Muxoxo total. Meio irritado, ele pergunta de novo: “De quem é essa bundinha?” Cara enfezada dela. Ele aí, já muito aborrecido, aumenta a voz: “De quem é essa bundinhaaaa?” E um cara da plateia grita: “Acende a luz aí que alguém perdeu uma bunda”.
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Volto a Ipiaú, minha terra natal, onde eu tinha uns 5 ou 6 anos e meu pai Waldemar me levou num cinema que só tinha o salão e a tela. Cada um levava sua cadeira de casa. Meu irmão Luiz lembra que papai deixava lá as cadeiras de lona (aquela de diretor de cinema) e só levava pra casa a lona do encosto. Quando retornava ao cinema era com o ingresso e o encosto na mão.
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Ipiaú teve o glorioso Cine Theatro Éden, que fechou as portas em 1984. Drem, um dos administradores do Éden, divulgava os filmes num carro de som: “Com a voz penetrante dizia: ‘Este filme é satânico, de arrepiar os cabelos. Quem assistir vai sair assombrado’. Nos filmes de pornochanchada frisava: ‘Ela era virgem e morava sozinha em Copacabana até que um dia... Se gosta de rir e de mulher não perca”. (Do livro “Portas do Éden - A poética de José Américo Castro e o Imaginário Coletivo de Ipiaú”, organizado por Paulo Andrade Magalhães).
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Conta-se que antigamente, no Cine Teatro Engenheiro Dórea, em Caculé (Bahia), entrava todo mundo, não tinha negócio de censura. Então, Careca, o cara que projetava o filme, colocava a mão na frente do projetor quando era uma cena mais picante e a galera, ao ver uma sombra projetada na tela, gritava: “Tira a mão, Careca”. Cinema Paradiso.
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Cines Pax, Aliança, Tamoio Capri, Jandaia, Liceu, Popular, Itapagipe, muitos cinemas, mil lembranças. A força de Ben-Hur, o gatilho rápido de Buck Jones, os cavalos dos índios e caubóis nas imensas planícies, as pernas de Sophia Loren, a boca de Brigitte Bardot, as trapalhadas de “O Gordo e o Magro”, Chaplin em “Luzes da Ribalta” e os olhos de Sarita Montiel, todos brilham na bela e imensa tela da minha infância. THE END.