Cassiano Antico

Onde podem estar algumas das respostas para o que vivemos

 
Quantos homens bons existem? Quantos permaneceram bons?
-- Batman

Dostoiévski tem um carinho pra lá de especial por Aliócha ("Os Irmãos Karamázov"). O mais jovem dos Karamázov, este personagem tem um papel fundamental na obra, já que sua evolução espiritual e sabedoria para com os outros o dignifica a tal ponto de ser referência em toda história. Enquanto Ivan, o filho do meio, desvela-se um indivíduo fortemente cético, com um pragmatismo científico que tolda-lhe qualquer idiossincrasia religiosa, mostrando-nos, então, um personagem diametralmente oposto ao seu irmão Aliócha. Por fim há Dmitri que retrata o grotesco e conflituoso quadro comportamental de todos os humanos, com características que beiram a barbárie, mas que também destaca o mais profundo sentimento romântico.

A parábola do Grande Inquisidor, contada por Ivan para Aliócha e o julgamento no tribunal. Ambos possuem uma dialética ferina e imbuída de astúcia, fazendo-nos sentir meros espectadores, formigas, diante de uma obra faraônica.

Dostoiévski com seus diálogos profundos e monólogos espirituais... Um artista das letras que nos faz perceber que somos todos Karamázov, ou seja, idiotas, ridículos, santos, usurpadores, príncipes... Somos humanos.

Aliócha é o amor, a dor do mundo... O perdão! Ele não se deixa seduzir por toda inteligência, instrução, capacidade intelectual do irmão Ivan (que segundo Leminski é o pai da Revolução Russa - e que se a gente quiser entender um pouco a Revolução Russa, tem que ler "Os Irmãos Karamázov"). Mesmo que Dostoiévski seja todos eles. Até o pai... O velho Karamazov, a anã muda violentada. O fruto do ódio, o jovem jantado por um cão, o próprio cão, o cavalo açoitado nos olhos, o epilético. O parricida!

Dostoiévski escreve acelerado, faz citações equivocadas (basta olhar nos inúmeros verbetes errados). Repete palavras. Tem urgência, muita urgência de vida. Dostoiévski ama "O Idiota", por exemplo. Tem mais preocupação com o conteúdo do que com a forma. Mesmo forma sendo a mesma coisa que conteúdo, segundo alguns poetas.

Diferentemente de Tolstoi que era fã da escrita escorreita. Fiodor é o pai da psicanálise. É o pai de Freud. E é a "mãe" de Nietzsche. Ambos foram notoriamente infuenciados por sua obra. E não foi Nietzsche quem "inventou" que Deus está morto. Foi o Ivan de Dostoiévski. Nietzsche só "esqueceu" de colocar entre aspas.

Muitos escritores mamaram no russo. Pagaram um demorado boquete, chuparam até o osso do cara! Mas eu queria falar do Aliócha. Queria falar da simplicidade, das crianças, das minhas filhas. Da simplicidade que encanta e que salva - o último gráu do refinamento... Valentina e Isadora! Minhas filhas!

Fernando Pessoa também tem um herói. É aquele velho com sabedoria e pouca instrução: "O Guardador de Rebanhos". Pessoa foi muitos. Já descobriram mais de 140. Mas foi buscar refúgio no simples. Porque talvez ali, na coisa humana, no erro, na aceitação do que realmente somos, nossa gagueira embutida, nossa perna maior que a outra, nosso rosto disforme (a culpa não é do espelho!!), nosso olhar míope - baixando um pouco o nariz empinado que se afoga constantemente em chuvas de mentira e de soberba -, reparando quem está ali: encontremos um pouco das respostas para este mundo... ou um pouco de paz para os nossos corações aflitos.