Opinião

Culpado ou Inocente?

Em todo julgamento, pelo menos no Brasil e nos Estados Unidos, o réu é considerado inicialmente inocente (do latim in+nocens, sem culpa). A justiça tem um caráter lógico, portanto, matemático. Em outras palavras, esta situação equivale ao que os matemáticos denominam hipótese nula verdadeira.

Uma hipótese (do grego hypo, “sob” ou “abaixo de”, e thésis, “posição”) nada mais é do que uma suposição, seja verdadeira ou falsa. Se houver forte evidência do contrário, o réu é declarado culpado, rejeitando a hipótese nula.

Ao término do julgamento, não havendo evidência suficiente, o réu é declarado não culpado. No entanto, isto não é o mesmo que provar a inocência do réu. Esta é uma das razões sobre a qual quase toda decisão apresenta vieses entre defesa e acusação.

Em outras palavras, todo julgamento sobre um réu inicia com 50% de probabilidade de ser culpado ou inocente. Esta não é uma situação justa, pois toda decisão não deve se tratar do equivalente ao resultado de uma moeda lançada ao ar, resultando em cara ou coroa. Não se pode errar ou mesmo acertar um julgamento considerando tal margem.

Esta situação inconclusa já havia sido resolvida pelo filósofo grego Epíteto (c. 50 – c. 135), que estabeleceu em sua obra “Discursos”, escrito por volta do ano 108 de nossa era: “as coisas são o que parecem ser; ou não são, mas parecem ser; ou são e não parecem ser; ou não são, nem parecem ser”. Logo, não existem dois resultados num julgamento, mas sim ao menos quatro a avaliar, pois sempre existe a possibilidade de erro na análise.

Suponha um assalto a um banco, onde um homem branco, de aproximadamente 1,75 m, com máscara, evadiu o local com determinado montante num carro vermelho em alta velocidade. Um suspeito com estas características, incluindo o automóvel, foi preso preventivamente pela polícia, satisfazendo as evidências. A acusação é de que seja o assaltante. A defesa irá promover a hipótese nula, sobre inocência. Já a acusação tentará derrubar a hipótese, provando o contrário, também chamada de hipótese alternativa.

Como sempre há uma margem de erro em todo o julgamento, é preciso discutir o tamanho desta margem. Poderia ser de um quarto de erro (25%)? Ou um quinto (20%)? Os estatísticos definiram para a maioria das situações ser razoável uma chance em vinte de erro (5%), denominado nível de significância. Certamente esta margem pode ser modificada, como uma em cada cem (1%), mas ainda assim são preservados os quatro cenários de Epíteto, com uma grande chance de acertar - ao menos na maioria dos casos.

Assim, na situação hipotética do assalto, o juiz, ou o júri, pode não rejeitar a inocência e livrar o inocente da cadeia. Ou ainda pode rejeitar sua inocência, e prender um não inocente (o culpado, ou bandido). Ambos são cenários excelentes, onde a justiça foi feita, livrando um inocente da cadeia ou enviando um não inocente para a prisão. No entanto, ainda pode ser possível existirem os seguintes cenários de erros: num deles, o juiz, ou o júri, pode rejeitar a inocência de um inocente, enviando-o para a prisão; ou ainda não rejeitar a inocência de não inocente (do ladrão), livrando-o da prisão. Os matemáticos definiram o primeiro erro de tipo I, e o segundo, de tipo II. Tais erros devem ser minimizados a todo custo, e esta é a tarefa a ser perseguida por qualquer bom juiz(a), júri ou mesmo corte.

Portanto, num julgamento, é então necessário observar quatro possibilidades de acordo como dito pelo sábio Epíteto, e tendo como base as evidências: o réu é inocente, pois é o que parece; não é inocente, mas parece; é inocente, mas não parece; e não é inocente, nem parece. Nestes quatro cenários avaliados, todos precisos, dois deles são corretos e outros dois relacionados a possíveis erros de julgamento. No fim, culpado ou inocente, todo veredito (do latim veredictum, “verdadeiramente dito”) visa a verdade sem compromisso com o erro. Matematicamente falando.