Uma das obras nordestinas mais conhecidas nacionalmente, O Auto da Compadecida - escrita pelo dramaturgo Ariano Suassuna em 1955 -, já foi vista nos teatros, na televisão - quando virou minissérie, em 1999 - e no cinema - em uma adaptação dirigida por Guel Arraes, lançada em 2000.
A obra parece ter percorrido todas as mídias possíveis, mas não para o pernambucano Jefferson Trindade, que sonha em vê-la transformada em game. O caminho para tal já começou a ser trilhado, através de uma concept art feita pelo designer que transformou João Grilo, Chicó e outros personagens da trama em personagens animados no ‘Autos The Game’.
Natural de Nazaré da Mata, cidade da Zona da Mata Norte de Pernambuco, o jovem de 26 anos cresceu entre maracatus e cirandas que ajudaram a formar seu repertório cultural. Após passar pela faculdade de Licenciatura de Geografia, na Universidade de Pernambuco (UPE), o gosto pela cultura da sua terra ficou ainda mais forte e ele acabou trocando a carreira de educador pela da arte.
“Acredito que ter estudado geografia na UPE e na minha cidade me fez abrir a cabeça pra tudo. Sou outra pessoa depois do curso, politicamente e culturalmente. Comecei a dar valor à cultura nordestina e brasileira depois do curso. Então, hoje no meu trabalho eu junto meu amor pela arte, tecnologia e tradição, esses são os meus pilares”, disse em entrevista exclusiva.
Pelas mãos de Jefferson, o casamento entre tecnologia e tradição parece funcionar perfeitamente. O jovem acredita que as novas ferramentas são um caminho fundamental para manter esse legado cultural e atrair os mais novos
. “Foi uma forma que eu encontrei pra essa nova geração encontrar o conteúdo mais cultural nordestino, seja cinema, culinária ou música, sem ser no padrão comum. Somos muito ricos culturalmente e muita gente ainda não tem esse orgulho”.
Para a primeira experiência deste trabalho que Jefferson chama de “100% arretado”, ele escolheu o filme O Auto da Compadecida, seu preferido “desde a infância”. “Quando eu era criança, no interior, eu assistia umas 10 vezes na semana, sabia todas as falas", relembra. O artista conta que várias pessoas que viram suas ilustrações não conheciam o longa de Guel Arraes, e que seu primeiro objetivo de difundir a obra já está sendo atingido. "Muita gente que não conhecia o filme veio me perguntar sobre o que era. Falei sobre o filme e isso já vale muito meu esforço, minhas noites de sono. Só de levar a arte de Pernambuco pra longe, já me satisfaz enormemente".
O projeto foi produzido em três dias, de forma totalmente independente por uma ‘equipe’ formada por ele e ‘ele mesmo’, como o próprio coloca. “Faço tudo sozinho, áudio, motion, ilustrações, referências”. A arte foi feita na ‘pegada’ da xilogravura, com um colorido bastante expressivo e que, segundo o artista, em breve será vista em novos projetos com mesma estética.
Agora, Trindade espera o resultado de um concurso promovido pelo Porto Digital que poderá possibilitar o sonho de transformar o ‘Autos The Game’ em um jogo real. Enquanto isso, o pernambucano vai aproveitando a boa repercussão das publicações do projeto no Instagram - que recebeu elogios até de um dos atores do filme, Matheus Nachtergaele, e em poucos dias alcançou mais de cinco mil visualizações. “É o que eu tenho de mais rico, minha tradição, minha religiosidade, minha cultura, isso é impagável. Esse reconhecimento só me faz ver que estou no caminho certo. Não quero fama, quero deixar um legado de preservação da nossa cultura. Ela consegue sim andar lado a lado com a tecnologia e inovação”.