Lembro bem de, quando pequena, ler para copiar. Minha mãe comumente deitava ao sofá, cruzava as pernas sobre o braço do estofado e iniciava a leitura; era assim que me lembro dela lendo em casa. E me lembro de, no sofá menor, ao lado, imitar o gesto com meus pequenos livros na mão, me sentindo muito adulta e séria no exercício da leitura. Assim eu gostava de cumprir e pensava esse ritual que, fora de julgamentos sobre intelectualidade - que àquela época me eram certamente irrelevantes, sequer existiam -, me parecia tão bonito e sério, tão tipicamente adulto e maduro.
Para gostar de ler, primeiro, eu gostava de observar. Como todo mundo, como toda criança. Minha casa era o meu mundo e, se a minha casa tinha livros, leituras, filmes, música e conversas sobre essas coisas, me parecia que uma parte importante do mundo envolvia tudo isso. E me parecia natural ao ser humano ser um leitor, como uma família ter um cachorro. É uma realidade pra todo mundo? Não. Mas na minha cabeça, era.
A minha geração (uhu, millenials!) ainda sentiu os estilhaços do boom das coleções de crônicas e romances que estouraram lá nos anos 70, mas fizeram escola (literalmente) até meados dos anos 1990. Eu lembro das lombadas amareladas de vários exemplares da coleção Para Gostar de Ler, da Editora Ática, que faziam morada antiga nas estantes de alguém que veio a me doar, depois. Fossem as reedições, fossem simplesmente os livros empoeirados das estantes dos nossos pais ou das bibliotecas, o pessoal que começou a ler até os anos 90 é, normalmente, familiarizado com essa coleção citada ou mesmo a série Vagalume, entre outras séries e best-sellers.
Vamos à primeira lição, retirada do apelo editorial que essas séries trouxeram desde os 1900-e-bolinha e pode ser adaptada para os 2020: é preciso encontrar a intersecção entre a cultura digital que assusta e o que ainda é o "como nossos pais" do nosso tempo. Os jovens não só utilizam, mas vivem o mundo digital. As comunidades que sempre existiram entre os adolescentes, por exemplo, continuam existindo - em outras configurações e muito mais líquidas (alô, Bauman!) mas sim, continuam.
Eles lêem livros impressos, digitais e lêem também onde mais circulam: nas redes sociais. Eles lêem e nem sabem que lêem. Eles seguem e compartilham poetas e pensadores que divulgam ali mesmo o seu trabalho; pequenos cards, grandes literaturas - considerando os milhões de seguidores, não chamaria exatamente de "literatura marginal", apesar de estar longe do cânone (seria a classe média do mundo literário? coloque aqui um emoji pensativo).
Bom, é um assunto que dá pano pra manga. Queria falar mais sobre essa ciência pouco racional e muito mais afetiva que é gostar de ler. Acho que posso resumir em: ler não é um compromisso, faz parte. Todo mundo que lê, lê muito mais do que pensa. Com esses aparelhinhos que viraram extensão do nosso corpo, lê-se muito mais. Mas, se eu escrever muito, dizem as más línguas (ou os maus textos) que os jovens não me lerão aqui. Será? Quem é xovem e chegou até o fim, levanta a mão pra eu ver uma coisa aqui.