As mudanças climáticas já estão afetando todas as regiões da Terra, de diferentes maneiras. A frequência e a intensidade dos eventos climáticos extremos, por exemplo, aumentaram na maioria das áreas terrestres desde 1950 e irão se agravar nas próximas décadas proporcionalmente ao aquecimento global.
Se a temperatura do planeta aumentar 4 ºC, por exemplo, o número de eventos climáticos extremos em algumas regiões pode se tornar nove vezes maior.
O alerta foi feito por cientistas ligados ao Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) em um informe lançado nesta segunda-feira (09/08), em Genebra, na Suíça, reunindo as principais conclusões da contribuição do Grupo de Trabalho 1 (WG1) para o sexto relatório de avaliação (AR6) do órgão. A publicação sintetiza o conhecimento sobre as bases físicas das ciências relacionadas ao clima.
“O relatório reflete esforços extraordinários, em circunstâncias excepcionais”, diz Houesung Lee, presidente do IPCC. “As inovações e os avanços na ciência refletidos nele fornecem uma contribuição inestimável para as negociações climáticas e para a tomada de decisão”, avalia.
Segundo o documento, é inequívoco que a ação humana, por meio da emissão de gases de efeito estufa originados principalmente pela queima de combustíveis fósseis para geração de energia e, no Brasil, por mudanças no uso e cobertura da terra, aqueceu o sistema climático e que estão ocorrendo mudanças generalizadas e rápidas.
Nos últimos 50 anos, a temperatura da superfície global aumentou a uma taxa sem precedentes e é muito provável que a década mais recente tenha sido a mais quente desde o pico do último período interglacial, há 125 mil anos.
A temperatura da superfície global foi 1,1 ºC mais alta entre 2011 e 2020 do que entre 1850 e 1900, com aquecimento mais forte sobre a terra do que os oceanos, uma vez que eles absorvem gigantescas quantidades de calor.
É provável que as emissões de gases de efeito estufa – principalmente gás carbônico (CO2) e metano – tenham contribuído para o aquecimento de 1,1 ºC da temperatura. Em contrapartida, a emissão de aerossóis (partículas em suspensão no ar), gerados pela queima de combustíveis fósseis, pode ter contribuído com um resfriamento de 0,5 ºC, estimam os autores do relatório.
“Isso significa que os aerossóis, que espalham radiação de volta para o espaço, ajudando dessa forma a resfriar o planeta, estão mascarando um terço do aquecimento atual”, diz à Agência Fapesp Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e autor-líder do capítulo 6 do relatório.
“Se os aerossóis forem retirados, por meio da interrupção da queima de carvão para geração de energia pelas usinas termelétricas e da eletrificação do setor de transporte, que já está ocorrendo no mundo todo, esse mascaramento deixará de existir. Só com isso a temperatura do planeta vai aquecer meio grau nas próximas décadas”, explica Artaxo, que é membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).
Redução imediata nas emissões
O relatório sublinha que, se não forem feitas reduções imediatas, em grande escala e sustentadas nas emissões de CO2 e de outros gases de efeito estufa, é muito alta a chance de o nível de aquecimento global alcançar ou exceder 1,5 ºC na década atual.
A limitação das emissões de CO2 e de outros gases de efeito estufa, como o metano e o ozônio, que também são poluentes atmosféricos, contribuiria não só para estabilizar o clima como também geraria benefícios para a saúde por meio da melhoria da qualidade do ar, indicam os autores da publicação.
Embora os benefícios para a qualidade do ar venham a surgir rapidamente, pode levar de 20 a 30 anos para que as temperaturas globais se estabilizem por meio dessa medida, estimam os cientistas.
“É a primeira vez que um relatório do IPCC enfatiza a relação entre a poluição do ar urbana e as mudanças climáticas globais. Isso é extremamente importante porque 80% da população mundial viverá em cidades até 2050, que sofrerão simultaneamente os impactos das mudanças climáticas e da poluição do ar”, avalia Artaxo.
A intensidade e a duração de eventos climáticos extremos, como as ondas de calor, irão aumentar mesmo se o aquecimento global se estabilizar em 1,5 ºC. Nesse cenário, haverá aumento das ondas de calor, estações quentes mais longas e temporadas de frio mais curtas.
Já com o aquecimento global de 2 ºC, os extremos de calor atingiriam mais frequentemente os limiares de tolerância crítica para a agricultura e a saúde, projetam os autores.
“Com a limitação do aquecimento entre 1,5 ºC e 2 ºC, os impactos dos eventos climáticos extremos seriam menores, porque permitiria a adaptação”, diz José Marengo, pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres (Cemaden) e editor e revisor do capítulo 3 do relatório.
Cada meio grau adicional de aquecimento global causará aumentos estatisticamente significativos nos extremos de temperatura, na intensidade de fortes chuvas e na gravidade de secas em algumas regiões.
Em escala global, os eventos de chuva forte se intensificarão em cerca de 7% para cada grau adicional de aquecimento, uma vez que uma atmosfera mais quente é capaz de reter mais umidade, estimam os cientistas.
“Eventos climáticos extremos previstos para ocorrer em algumas décadas já estão acontecendo e o relatório mostra que a tendência é de aumento”, diz Marengo.
Avaliações regionais
Pela primeira vez, o relatório do IPCC fornece uma avaliação regional mais detalhada das mudanças climáticas, incluindo um foco em informações úteis que podem subsidiar a avaliação de risco regional, adaptação e a tomada de decisão, além de uma nova estrutura que ajuda a traduzir as mudanças no clima e o que elas significam para a sociedade e os ecossistemas.
Essas informações regionais podem ser exploradas em detalhes em um atlas interativo on-line, bem como nas fichas técnicas e informações do Atlas de Mudanças Climáticas que integra o relatório.
“O atlas compila todos os capítulos e informações do relatório com o objetivo de facilitar o acesso às informações pelos tomadores de decisão”, explica Lincoln Alves, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e autor-líder do capítulo do atlas.
“Essas ferramentas foram criadas em razão da demanda dos tomadores de decisão dos países que gostariam de extrair informações relevantes para implementar ações em nível regional”, afirma Alves.