Ciência / Esportes

Pesquisa dá pistas de como desvendar a magia do drible

Cientistas da USP analisam o que faz de um drible ser bem-sucedido

Foto: Arte sobre foto da Fifa
Garrincha: o anjo das pernas tortas, dribla um jogador da União Soviética, durante a Copa do Mundo de 1958

Na Copa do Mundo de 1958, dois jogadores brasileiros foram decisivos na derrota do time da União Soviética e seu tão propagado “futebol científico”. Garrincha e Pelé mostraram ao mundo suas habilidades e o Brasil venceu os soviéticos por 2 a 0.

Mas e se, num período anterior àquele 15 de junho – dias ou meses, quem sabe -, hipoteticamente falando, os defensores soviéticos tivessem informações de um recente estudo da Escola de Educação Física e Esportes (EEFE) da USP sobre o drible?

Quem sabe a derrota teria sido “menos dolorosa” diante das “travessuras” de Mané Garrincha. Na pesquisa em questão, da EEFE, a professora de educação física Sílvia Letícia da Silva investigou as hipóteses que podem levar um drible a ter ou não sucesso.

Claro que o estudo não funcionaria como um “manual” que evitaria aquela derrota. Mas quem sabe os zagueiros russos poderiam obter alguns subsídios a seu favor.

“O drible não tem sido objeto de estudo na academia”, como conta Sílvia ao Jornal da USP. “Durante minha pesquisa encontramos na bibliografia apenas três estudos sobre o drible. Um de 2005, outro de 2010 e um mais recente, de 2016”, diz a pesquisadora.

Na pesquisa mais recente (2016), desenvolvida aqui no Brasil, o questionamento principal é porque os jogadores decidem driblar em vez de passar ou chutar a bola.

Os outros dois estudos foram realizados no exterior. Num deles, os cientistas analisaram onde e para que os dribles ocorriam (2005). No outro, de 2010, os pesquisadores buscaram entender quais informações espaço temporais influenciaram o drible.

Na pesquisa intitulada As habilidades de driblar e não ser driblado no futsal e no futebol com base no tempo de reação e na antecipação, que teve orientação do professor Umberto César Correa, Silvia analisa as razões pelas quais um drible poderá ser ou não eficiente, nas modalidades de futebol e futsal. “Entre as hipóteses está a imprevisibilidade do drible e o tempo de reação de um defensor”, destaca a professora. Trata-se, segundo ela, de uma pesquisa que poderá subsidiar novos estudos sobre as práticas esportivas.

Em síntese, o drible é bem-sucedido quando o atacante consegue ultrapassar seu marcador. “Mas o que compõe esse sucesso é justamente a deficiência do tempo de reação do marcador”, descreve a pesquisadora. E entre as conclusões a que chegou, uma foi que o tempo de reação do marcador, no futsal, não influenciou no sucesso dos dribles. “Mas esta relação existe no futebol de campo”, cita a professora.

“Podemos dizer que o marcador estabelece uma espécie de ‘organização temporal’, que é o tempo de reação diante de movimentos que compõem um drible. Assim, quando o atacante consegue promover uma ‘desorganização temporal’ no seu oponente, o drible terá sucesso”, afirma Sílvia. Porém, a pesquisadora não pode explicar os motivos dessa diferença entre as modalidades. “Mas nosso estudo poderá servir de base a novas pesquisas que buscarem elucidar tais diferenças”, afirma.

No campo e na quadra

Para realizar sua pesquisa, Silvia realizou filmagens numa quadra e num campo de futebol. Foram cinco jogos de futsal, entre alunos da categoria sub-16 de uma escola. No campo de futebol, foram filmados dois jogos: um do Campeonato Paulista da série A1, de 2020, e outro da Copa do Brasil, na categoria sub-17. Com a ajuda de um especialista, Sílvia analisou 77 dribles no futsal e 53 no campo. “Depois das filmagens e análises, estabelecemos então uma classificação dos dribles”, explica Sílvia.

Na quadra, os dribles tiveram duas classificações: simples e escolha. Como descreve a pesquisadora, o drible simples envolve um estímulo emitido pelo atacante e uma resposta do defensor. “Podemos dar como exemplo o ‘chapéu’, em que o driblador tenta ultrapassar seu marcador alçando a bola sobre ele. Neste caso, o marcador terá apenas uma opção de resposta, que é tentar interceptar a bola”, explica.

Já no caso em que os dribles foram classificados como “escolha”, Silvia cita como exemplo o “drible da vaca”, em que o driblador vai para um lado e a bola para outro. “O marcador terá, então, duas opções de resposta: ou intercepta a bola, ou o driblador”, diz a professora.

Nas análises realizadas nos jogos de futebol de campo, Silvia identificou os mesmos dribles do futsal, simples e escolha, e o que ela denominou como Período Psicológico Refratário (PPR). “Neste caso, há movimentos sequenciais apresentados num curto espaço de tempo. Podemos citar como exemplo os dribles do Garrincha, em que ele deslocava para um lado e depois ia para outro, mas sem mover a bola”, cita.

Um outro exemplo de drible que pode ser classificado como PPR é o drible da pedalada, em que o driblador passa o pé diversas vezes por sobre a bola antes de definir a jogada. “Teoricamente, os dribles ‘escolha’ e ‘PPR’ são mais complicados de serem marcados”, avalia a pesquisadora.

Ainda sobre as diferenças entre as duas modalidades, Silvia pôde observar que no futebol de campo o driblador consegue com mais frequência desorganizar o tempo de reação do marcador. “Podemos observar que o defensor começa a responder ao drible quando este já se encontra na metade ou perto da finalização”, descreve, lembrando que, no futsal, este início de resposta é mais rápido. Ou seja, o marcador consegue sintonizar-se à movimentação do oponente praticamente desde o início do drible.”

Em ambas as análises, tanto no campo de futebol quanto na quadra de futsal, o tempo considerado como de reação para os dribles foi estabelecido em 200 milissegundos (ms). “De um modo geral, quanto mais imprevisível for o drible, maior será o tempo de reação”, explica a pesquisadora. A pesquisa de Silvia teve início em 2017 e foi concluída em 2021.

Passe e drible de futebolistas no interior paulista

Especialista australiano afirma que ações de presas e predadores no reino animal têm relação com táticas esportivas dentro de campo e analisa desempenho de jogadores do Botafogo Futebol Clube, no interior paulista.

A relação entre as fugas das presas e o ataque de predadores no reino animal, em comparação com situações dos esportes coletivos de invasão, é uma das principais temáticas abordadas pelo biólogo australiano Robbie Wilson.

“O sucesso da sobrevivência em relação à presa e predador está na velocidade, mas uma outra variável vem se mostrando eficaz no futebol: os atletas que têm a capacidade de mudar a direção rapidamente durante o jogo apresentam maior efetividade na hora de driblar um oponente, assim como os animais na hora de fugir ou atacar”, diz o professor Paulo Roberto Santiago, da EEFERP.