Chico Ribeiro Neto

8 histórias de pensão e uma surra bem dada (ou recebida)

Numa pensão do bairro da Saúde, em Salvador, havia um personagem incrível. Um cara que “não queria nada com a hora do Brasil” e dormia o dia todo ouvindo rádio. O pai vinha do interior uma vez por mês para pagar a pensão. Nesse dia, e só nesse dia, ele vestia a camisa do Central, tinindo de nova, e saía fazendo de conta que ia pro colégio, com o caderno zerado embaixo do braço.

“Como está o colégio, filho?” “Um pouco puxado, mas tô levando”. E o velho, no dia seguinte, retornava para a sua cidade no interior. No próximo mês, a camisa branquinha iria sair do cabide de novo, mas somente por uma tarde.

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Nas pensões, em geral, o almoço era só até as 13 horas, inclusive aos domingos. Lembro que a gente estava na praia de Piatã e tinha que sair às 11 horas, no máximo, porque tinha que pegar o ônibus Itapuã-Praça da Sé, onde pegava o ônibus de Nazaré para chegar até a pensão na Saúde. Muitas vezes, chegava em cima da hora e tinha que sentar correndo pra almoçar, sem tomar banho.

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Quase toda família tem um tio (tia) casquinha e um tio (tia) mão aberta. Comigo não foi diferente. Meu tio perguntou a seu irmão Waldemar: “Quanto você paga na pensão de Chiquinho?” “Pago 130 por mês”, respondeu meu pai. “Então, manda ele ir morar lá em casa. Como ele vai ficar num quarto separado e comer melhor, você me paga 140”.

A hospedagem com esse tio só durou dois meses. O velho reclamava de tudo. Na hora do banho ele batia na porta: “Menino, você está gastando muita água. A conta de água desse mês veio um horror”. No almoço, quando fazia meu prato ele ficava só olhando pra depois comentar: “Mas Chiquinho, você come, hein? Já sei a quem puxou. Só podem ter sido os tios Hugo e Rubens”, irmãos de minha mãe Cleonice.

Disse a meu pai que não dava mais e me piquei para uma pensão na Rua Desembargador Castelo Branco, sobre a Avenida Contorno. De noite, descia com minha vitrola Philips, de pilha, cuja tampa era a caixa de som, com uns quatro discos de vinil (LPs) e pensava na vida olhando a Baía de Todos os Santos. Já tinha meu primeiro emprego, escriturário no Banco da Província do Rio Grande do Sul, era ator do Grupo dos Novos do Teatro Vila Velha e estudava pro vestibular.

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Agora, um caso de tio mão aberta. Tive um colega no jornal “A Tarde” que, quando a grana apertava, ele ia à noite tomar cerveja com um tio que morava na Boca do Rio. Depois da quarta cerveja, o tio perguntava: “Você tá precisando de quanto?”

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Foi na pensão da Rua Gabriel Soares, 33, administrada por minha mãe, que ocorreu esse caso: um disco de 78 rotações, com a música “Se Acaso Você Chegasse”, de Lupicínio Rodrigues, se quebrou e minha mãe ia jogar os pedaços no lixo quando uma empregada pediu: “Me dê, dona Cleonice, que eu quero aprender a letra dessa música”. Ela achava que a letra vinha por escrito e que juntando os pedaços do disco ia conseguir ler tudo.

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Sobre essa música, tio Rubens sempre contava uma piada: o cara botou na vitrola um disco que tocava assim: “De dia me lava a roupa/ De noite me beija a boca/ E assim vamos vivendo de amor”. A mulher dele achou a letra muito imoral, pegou uma tesourinha e raspou no local considerado indecente. Quando o cara ligou a radiola de novo, o disco cantou assim: “De dia me lava a roupa/ De noite iém-iém-iém...” Toda censura é burra.

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Tio Rubens, que morou um período com a gente no 33, tinha uma noiva que, quando acabaram o noivado, ela devolveu todas as fotos do casal numa caixa de biscoitos. Mas não tinha uma foto dela, que recortou todas antes de enviar a lata da separação. Lembro de uma foto numa sorveteria onde ele abraçava o nada. Em outra foto ele beijava lugar nenhum, porque a ex-noiva recortou o rosto dela. Era muito engraçado.

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Ah! O primeiro porre. Ainda morava na Gabriel Soares, 33, e meu irmão Luiz me levou a um casamento. Eu devia ter uns 14 ou 15 anos e o uísque era farto, principalmente porque um amigo me ensinou a ficar na saída da cozinha da casa, por onde vinham os garçons. Bebi de tudo, uísque cerveja e champanhe.

Vomitei no táxi da volta e o motorista botou a gente pra fora. Ao chegar em casa, prontinho, 2 horas da manhã, Luiz tentou mas não impediu que eu tomasse uma bela surra de dona Cleonice. Dormi, ou melhor, apaguei, e às 5 da manhã minha mãe me acordou puxando-me pelos cabelos: “Acorda, cachaceiro”. “Cachaceiro, não, uisqueiro”.

Outra surra bem dada.