Foto: Sunguk Kim/Unsplash/Creative Commons
Antes dos Stones, antes do The Doors, antes de Jimbo atravessar a fronteira na banheira, antes dos Prêmios Nike de Literatura, antes dos poetas, antes dos livros cults, antes das narinas sangrarem dias a fio, antes dos escritores competirem como cavalos, antes do choro mais solitário do mundo naquele banheiro sujo, antes dos socos na cara (os que dei e os que levei), antes do desmaio, antes das grandes sacadas decoradas, antes dos caga-regras livrescos nos puxarem as orelhas, antes das frases de efeito, antes da Metamorfose (da barata que era besouro), antes de Kerouac, antes de Pilatos lavar as mãos, antes da roleta russa, antes das mentiras, antes das máscaras colarem nos rostos, antes do mundo tal como o vemos, antes de tudo: teve o amor.
Antes da palavra brega que tenta dar significado: teve acolhimento - diferente deste que a gente escreve por aí e publica nas redes sociais pra todo mundo dar um joinha.
Eu me lembro, pude sentí-lo em alguns momentos, momentos de profundo silêncio.
Ele berrou dentro de mim, do meu lado, bem dentro da orelha, no meu coração, como um irmão siamês que sempre ignorei, que sempre tapei a boca, que ao menor sinal de vida cobri na porrada, maltratei, matei, continuo matando... Por considerá-lo a parte mais fraca, a mais feia, alquebrada, doente, ridícula. Talvez seja a minha melhor parte.
Foi antes da necessidade de paz: porque ainda não existia guerra em meu mundo...
Este antes eu vislumbro quando olho pras minhas filhas. Pra Valentina e pra Isadora... Quando Dodó diz antes de dormir: "Beija o papai, mamãe". É como se eu quase me lembrasse. Uma espécie de charada. Como um sonho bom que a gente teve, e que continua sentindo o bem-estar mesmo depois que acorda, no corpo, nem sabe onde, nem sabe ao certo, nem sabe o motivo. Mas que é mais verdadeiro que quase tudo nesta vida que corre sem sentido.
E mesmo não entendendo coisa nenhuma aquilo serve como uma espécie de resposta para todas as coisas que não têm.