Doris Pinheiro

Venci (mas é impossível esquecer os que ficaram pela estrada)

Samuel Ramos/Unsplash/Creative Commons
soro

Como toda vez que escrevo uma coluna que sai assim arrancada bem do meio do meu peito é doloroso escrever. Mas é libertador, cura.

Acabei de passar pela experiência de contrair a Covid-19. Apesar de termos tomado todos os cuidados, eu, meu filho Eric e minha empregada Vera, que está conosco há 24 anos, contraímos a doença. E nós fomos, sim, responsáveis, cuidadosos, nos resguardamos.

Não sabemos como contraímos. E aí começa o primeiro ponto da minha angústia. Como não se contaminar. Bate uma insegurança enorme e você pensa em todas as pessoas que ama e nas pessoas em situação de vulnerabilidade muito maior do que a sua, nos profissionais de saúde.

Mas o terror maior vem do fato de que se você tem um mínimo de noção sobre a doença, você não sabe como ela vai bater no seu corpo. Nem no corpo das outras pessoas.

Meu filho, que tem 24 anos, sentiu bastante dor de cabeça, cansaço, mas passou bem pela primeira fase da doença, na qual os vírus invadem, mas não passam para a fase de inflamação.

Comigo, que tenho 58 anos, e me trato de artrite reumatoide, foi diferente. A cortisona para a artrite, ainda que pouca, baixou minha imunidade. Resultado: do quinto dia para o sétimo meus pulmões inflamaram silenciosamente. Saturação boa, sem febre, mas pneumonia viral, o grande perigo que tem levado às pessoas à internação.

As bênçãos de ter encontrado médicos, e em especial um médico, que cuidou de mim bem de perto fizeram com que a intervenção fosse imediata. Fundamental. Começou a ser debelada a infecção viral. Mas no nono dia tive febre. Uma pneumonia bacteriana tentou se instalar.

Nova e rápida intervenção. Além de cortisona, anticoagulante, antibiótico. O corpo reagiu bem. Seguimos acompanhando. Recebi alta e me sinto bem. Há umas crises de exaustão extrema ainda acontecendo, mas são do processo de recuperação do corpo. É uma doença muito poderosa e estranha. Não a subestime.

Vera começou a sentir mais fortemente os sintomas. Fez exame na rede pública, detectou o vírus e começou a ser atendida pelo médico a quem jamais terei como agradecer o suficiente. 44 anos, hipertensa, um pouco acima do peso, apresentou pneumonia viral e entrou no protocolo de cortisona. Agora está quase de alta.

Pensando em Vera, no marido dela, na filhinha de 11 anos (que testaram negativo), fiquei preocupadíssima. Tive uma crise de ansiedade terrível uma madrugada. Mas ela começou a melhorar rapidamente e com as graças de Deus e mais uma vez deste médico maravilhoso, ela está ficando bem.

Sinto vontade de gritar ao mundo que é importante monitorar a passagem da primeira semana de sintomas para a segunda.

Sei que cada médico vai agir de uma forma e que os profissionais de saúde estão descobrindo ainda como lidar com a doença em todo o mundo, mas preciso gritar isso em alto e bom som: fique vigilante. O quadro pode mudar do dia para a noite. Quanto menos gente precisar de internação, melhor para o todo.

Ainda estou traumatizada, meu coração está partido pelo meu povo, pelos profissionais de saúde, pelos que estão perdendo os seus.

Sinto-me profundamente abençoada, profundamente grata a Deus, às forças do bem, aos amigos, à minha família, aos meus médicos.

Meu coração está pleno de amor e gratidão.

Como foi e está sendo importante o apoio de amor que recebi, como me senti amada.

E quero ajudar e distribuir este amor por onde der. As pessoas estão precisando de todo tipo de ajuda.

Para o que essa doença veio, do ponto de vista da humanidade, eu não sei. Mas é impossível que não haja uma transformação. Impossível.

Muita sujeira, muita loucura, muita coisa ruim nos noticiários.

Mas uma coisa diferente dentro do coração de quem passa pela experiência.

Não seremos nunca mais os mesmos.