Há mais de um ano expostos a informações majoritariamente negativas, comoventes e conturbadoras, os brasileiros têm sofrido com os abalos emocionais causados pela pandemia.
Prova disso foi o significativo aumento na busca por atendimento psicológico, de quase 30%, identificado pelo Ministério da Saúde em pesquisa realizada no final do ano passado.
Este mesmo estudo revelou que 34,2% da população não procurou ajuda, mas admite que gostariam de acompanhamento profissional. Do total de entrevistados, 78% relatou que tiveram que lidar com a ansiedade e 51,9% com o estresse.
Neste último ano, o medo da contaminação pelo novo coronavírus, a necessidade de distanciamento social e a preocupação com as questões financeiras são apenas alguns dos motivos que levaram à piora dos estados emocionais e a consequente alta demanda nos consultórios psicoterapêuticos, como analisa Silvia Vasconcelos, psicoterapeuta.
A profissional conta que o trauma vicariante, que acontece pelo excesso de exposição a histórias negativas e de outras pessoas, foi um dos distúrbios emocionais que mais se mostraram presentes nos relatos dos pacientes.
O que é trauma vicariante?
O trauma vicariante pode ser desencadeado em qualquer indivíduo que está exposto excessivamente a relatos de histórias traumáticas vivenciadas por outras pessoas. Se este sujeito está lidando de maneira próxima e frequente com situações de intenso impacto emocional, certamente terá seu controle emocional abalado.
Durante toda a pandemia, estamos recebendo uma “enxurrada de informações pesadas” pela televisão, pelos jornais, rádios e demais veículos, e estas informações são, em sua maioria, números impressionantes de casos de contaminações e óbitos, descrença com as políticas adotadas para o combate à pandemia, além daquelas recebidas direta ou indiretamente como a morte de um familiar de um amigo, a luta de alguém por quem se tem empatia e está doente, por exemplo.
O trauma vicariante, então, é um acumulo destas informações que geram no individuo respostas emocionais e até fisiológicas preocupantes, como: palpitação, suor frio, terror noturno, medo de dormir, dificuldade de concentração, entre outras.
Como o trauma vicariante pode afetar o dia a dia das pessoas, principalmente em tempos de pandemia?
Alguns pacientes apresentam os sintomas do trauma vicariante desde o início da pandemia, enquanto outros só passaram relatar os distúrbios com o passar do tempo e com gatilhos específicos, como o luto, por exemplo.
É preciso ficar atento aos primeiros sinais, porque este acumulo de informação que geram insegurança, sentimento de inadequação, pensamento acelerado, abalos fisiológicos como emagrecimento, insônia, transtornos alimentares, etc, pode culminar em um diagnóstico de depressão e ansiedade.
Quais profissões costumam sofrer mais com traumas deste tipo?
Apesar do trauma vicariante poder ser identificado em qualquer pessoa que exerça ou não profissões de contato excessivo com informações acumulativas e perturbadoras, existem algumas profissões que se destacam. Até o ano passado, era mais comum entre policiais, bombeiros, repórteres que fazem cobertura policial, mas atualmente, os médicos e enfermeiros da linha de frente ao combate da Covid-19 estão se destacando entre os casos que aparecem no consultório.
Por mais que algumas pessoas ainda se espantem, os psicólogos também precisam trabalhar seu autoconhecimento e controle emocional, como qualquer pessoa, e nestes profissionais também há elevação nos relatos de alta exposição a informações negativas, como: pacientes enlutados, que estavam em atendimento já antes da pandemia e tiveram um recuo no tratamento, depressivos, ansiosos, entre outras.
O que é possível fazer para evitar o agravamento do paciente com indícios de trauma vicariante?
Para prevenir o que costumo chamar de “estouro do trauma vicariante”, que é aquele momento onde a depressão ou a ansiedade já são constadas no consultório, sempre que possível, é recomendado afastar-se um pouco dos noticiários e das redes sociais, nutrir a mente com leituras, filmes e outros hábitos que estimulem o aprendizado, ou seja, fazer atividades que dão prazer e ao mesmo tempo ajudam a desligar um pouco das notícias.
Todos fomos, de alguma forma, afetados pela pandemia e distanciamento social, então é importante buscar também uma rede de apoio para passar por este momento da maneira mais leve possível.
Como tratar o trauma vicariante?
Fazendo referência ao professor Daniel Gulerman, autor do Best-seller Inteligência Emocional, o trauma vicariante desencadeia nas pessoas um sequestro emocional, que ocorre quando nossa reação é desproporcional ao fato e perdemos a nossa razão, com atitudes de irritabilidade ou nos escondendo para fugir da situação.
O acompanhamento psicoterápico pode e vai ajudar o indivíduo a identificar quais são os gatilhos que o levaram a desenvolver o trauma vicariante e as consequências em sua saúde mental.
É no consultório que ele receberá toda a orientação para entender o que depende dele e o que não depende para sentir-se melhor a cada fase do tratamento.
A psicoterapia trabalha com todo o histórico de vida relatado pelo paciente, por isso não deve ser procurado como forma de remediar apenas, amenizando os sintomas.
Quanto mais cedo ele procurar ajuda, menor a chance de desenvolver depressão e ansiedade, que pode levar ainda a situações gravíssimas de surtos psicóticos ou suicídio.
Concluindo com o que venho defendendo em todos estes 13 anos de atendimento psicoterápico: aprender a gerenciar a inteligência emocional é a forma mais segura de evitar explosões emocionais para vivermos da forma mais saudável e plena possível.