Chico Ribeiro Neto

Quando eu vi a cabeça de um bacalhau e a chave no sabonete

sabonete
Foto: Aurélia Dubois/Unsplash/Creative Commons

Dona Cleonice, minha mãe, corria três voltas em torno da mesa até conseguir pegar Luiz. Depois era vez de Zé Carlos, que corria umas duas voltas até ser capturado. Cleomar demorava mais um pouco até ser seguro. Mesmo ofegante, mamãe tinha mais facilidade para me dominar, pois eu só tinha uns quatro anos.

E assim, os quatro filhos tomavam sua dose diária de Emulsão de Scott, suplemento à base de óleo de fígado de bacalhau, cujo rótulo trazia um homem levando às costas um grande bacalhau com um rabo que batia no chão. Foi a única vez que vi cabeça de bacalhau.

E o óleo de rícino? Esse era brabo e a gente tinha que tomar pra "limpar o intestino e matar as lombrigas". Ainda bem que o Biotônico Fontoura era docinho e, no início do ano, vinha acompanhado de um almanaque com muita coisa interessante para se ler.

Meu avô Chico Ribeiro não ficava sem um Sal de Fruta Eno, para estômago, e uma Água de Maravilha, boa pra qualquer pancada. Tinha ainda o Iodex, pomada para dores musculares e contusões. Quando você usava Iodex todo mundo sabia logo, por causa do forte cheiro. Havia também a pomada de Mandragore para "puxar o furúnculo quando já está maduro".

Minha mãe não ficava em casa sem Atroveran para cólicas, e quando era pequena fez um primo engolir umas dez Pílulas de Vida Dr. Ross ("pequeninas, mas resolvem", dizia o comercial), para prisão de ventre. O pobre do menino cagou uns dois dias sem parar.

Não esqueço do xarope Fimatosan, cujo jingle no rádio dizia: "Fimatosan, melhor não tem/ É o amigo que lhe convém/ Fi-ma-to-san". Usado para dor de dente, o remédio "1 Minuto" assegurava: "Não queima a boca".

O que não faltava era chá. No interior você tinha chá pra tudo. Se estivesse gripado, um chá de limão com alho e logo depois de beber, bem quente, entrar embaixo da coberta para suar bastante. No outro dia a gripe vai embora.

Para "puxar o catarro", chá de mastruz com leite ou de hortelã miúdo com casca de cebola; para dor de barriga, chá de folha de goiaba; para asma, chá de bucha paulista; chá de boldo (o preferido dos biriteiros) é para estômago e fígado.

E a folha que tinha em quase todo quintal era a erva-cidreira, cujo chá é bom para o estômago, acidez, etc.

Quando eu tinha uns 9 ou 10 anos minha mãe torrou uma lagartixa com tripa e tudo, moeu, misturou no feijão e me deu pra comer. Diziam que era bom para asma e coceira mas eu continuei piando e me coçando. Só vim saber disso já adulto.

Se não sabe qual remédio tomar, procure o dono da farmácia. Essa é a prática adotada até hoje em cidades pequenas, principalmente pelas pessoas mais idosas. "0 que é que o senhor tem bom pra isso?"

Na principal farmácia de Ipiaú (BA) o movimento era grande naqueles dias. Correu a notícia de que uma fábrica de sabonete lançou uma inusitada promoção: a chave de um carro zero km estava dentro de um sabonete daquela marca. Foi um corre-corre danado, com pessoas comprando 10, 20, até 30 sabonetes.

Tio Rubens e um amigo combinaram de pregar uma peça em alguém. Enfiaram uma chave de carro num sabonete, reconstituiram tudo bonitinho e falaram pro dono da farmácia, amigo e cúmplice: "Quando fulano vier aqui comprar sabonetes - ele sempre leva uns 10 - você bota esse no meio". Quando o cara encontrou a chave festejou na cidade toda e já estava preparando a carta para a fábrica em São Paulo quando lhe contaram a verdade.

Os bondes de Salvador traziam vários anúncios. Um deles era do Rhum Creosotado ("fartos elementos para a higyene dos pulmões"), que dizia: "Veja, ilustre passageiro, o belo tipo faceiro que o senhor tem ao seu lado. E, no entanto, acredite, quase morreu de bronquite, salvou-o o Rhum Creosotado".