Escritos

O amor que se esconde no terceiro cromossomo do par 21

21 de março é o Dia Internacional da Síndrome de Down

Foto: LEIAMAISba

Sexta-feira, após o almoço, conversávamos sobre o fato de que meu pai tomaria a primeira dose da vacina para a Covid naquela tarde. Catarina me perguntou quando e por que minha mãe tomaria depois. Falei que era pelo fato de a vovó ser mais nova do que o vovô.

Seguindo a lógica do critério de idade, ela comentou que, na nossa casa, Bianca seria a última a ser vacinada. E eu falei para ela que é provável que Bianca venha a tomar a vacina antes de nós.

“Por que ela tem Síndrome de Down?”, Catarina perguntou logo na sequência.

Eu disse que sim, pela razão de que, em tese, Bianca teria a imunidade mais baixa, embora tenha sido a única aqui em casa que pegou a Covid de forma assintomática, enquanto eu, Hans e Catarina apresentamos sintomas, mesmo que relativamente leves.

Aproveitei a oportunidade para explicar à minha filha que as pessoas ainda se referem à condição genética de Bianca como Síndrome de Down, mas que o nome mais apropriado para o que ela tem é Trissomia do 21.

Falei que Down era o sobrenome do médico (agora o Google me lembrou que o nome completo dele é John Langdom Down) que descreveu, pela primeira vez, as características do que, na época, foi nomeado como uma síndrome.

Trezentas mil interrogações surgiram na cabeça e no rosto de Catarina. Ela me encarava com um riso de quem queria expressar que não estava entendendo muita coisa daquela minha explicação.

Continuei: “Todos nós temos 23 pares de cromossomos”. Fiz uma pausa para me certificar de que ela já tinha aprendido o conceito de par. Catarina mostrou que sim: “Par é quando tem uma coisa, e tem outra, e as duas se juntam”. 

Retomei: “Pois é, um cromossomo do par vem do pai, e o outro vem da mãe. Mas, no momento em que Mima (apelido que Catarina deu à Bianca) foi criada, no par 21 veio um cromossomo a mais. Ela tem três cromossomos nesse 21”.

Foto: Cris Serra

Catarina e Bianca

Imediatamente, Catarina exclamou entusiasmada com o insight que tinha acabado de ter, num tom semelhante ao que deve ter sido o do Eureka de Arquimedes. “Então, esse cromossomo só pode ter vindo de mim!”.

Ela abraçou e beijou a irmã cheia de orgulho. “É meu, mãe, claro que é meu”. 

E eu com a mesma ternura e mais orgulho ainda, falei que, do ponto de vista científico, aquele cromossomo não veio dela, e não se sabe qual é sua procedência, surgiu por outro motivo.

Por outro lado, as pessoas costumam dizer que esse terceiro cromossomo é o do amor. Sendo assim, o de Bianca com certeza teria vindo dela.

Quando eu terminei de falar isso, foi Bianca quem se aproximou e deu um abraço na irmã. Catarina interpretou o gesto como um sinal que confirmava sua teoria sobre o terceiro cromossomo. “Tá vendo aí, mãe, Bianca ouviu você falar isso do amor e me abraçou. É verdade!” 

No ano de 2006, a data 21 de março (21/3) foi escolhida como Dia Internacional da Síndrome de Down justamente pela alusão à Trissomia do 21. A comemoração é debutante este ano. 

Como forma de marcar um rito de passagem, o adjetivo “debutante” é usado quando uma adolescente completa 15 anos. O termo vem do francês e significa estreante, iniciante. 

Desejo que a comemoração que hoje fazemos também seja um rito de passagem para um novo olhar sobre a Trissomia do 21. E que esse olhar seja carregado de amor, como o que Catarina tem pela irmã.