Este início de 2021 em algumas cidades do interior nordestino já foi marcado por pequenos terremotos que despertaram curiosidade e em alguns casos preocupação dos moradores das áreas próximas aos epicentros.
O mais forte deles foi registrado na última quarta-feira (3), em Jacobina, na Bahia. O sismo teve magnitude de 2.7 e foi o mais recente de uma sequência de tremores que vêm sendo registrados nas proximidades daquele município baiano desde dezembro do ano passado.
Já no Ceará, sismos de magnitude entre 1.1 a 2.2 atingiram municípios de diferentes regiões, tais como Massapê e Sobral, no norte cearense; e Chorozinho, na Região Metropolitana de Fortaleza. A propósito, foi no Estado que ocorreu o registro oficial de terremoto com maior magnitude na história do Nordeste.
Em 20 de novembro de 1980, a terra tremeu com força atingindo 5.2 na escala Richter, sendo sentida em Fortaleza e Natal. O epicentro foi na localidade de Brito, hoje pertencente ao município de Chorozinho, mas na época integrante do território de Pacajus. Nada menos que 488 residências foram atingidas, um número impreciso de feridos e, felizmente, nenhuma morte.
Embora com magnitude um pouco menor, 5.1, o terremoto de João Câmara, no Rio Grande do Norte, registrado no dia 30 de novembro de 1986, deixou um saldo de destruição ainda maior: 4 mil casas danificadas e um grande êxodo de pessoas. “A falha mais ativa e sísmica que existe no Nordeste fica nessa região. Na época dos maiores terremotos, as pessoas dormiam nas ruas porque tinham medo de que à noite as casas viessem abaixo”, conta o geógrafo e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Rubson Maia.
A propósito, é consenso entre sismólogos que o Nordeste é a região de maior atividade sísmica do Brasil. O registro mais antigo de terremoto da Rede Sismográfica Brasileira (RSBR) é de 10 de outubro de 1903 e foi feito no município cearense de Baturité, chegando à magnitude de 3.9. Em 2021, de 18 sismos medidos pela RSBR no Brasil, 14 ocorreram no Nordeste. No ano passado, por sua vez, de 246 terremotos com epicentro no País, 139 foram aqui, o que representa 56% do total.
Apesar disso, o maior terremoto registrado em território brasileiro ocorreu no estado de Mato Grosso. Em 1955, o município de Porto dos Gaúchos foi sacudido por um sismo de 6.2 graus. No mesmo ano, a cidade de Vitória (ES) registrou outro terremoto de 6.1 graus. Não houve registro de mortes em nenhum dos dois episódios. A única morte registrada no Brasil decorrente de atividade sísmica ocorreu em Itacarambi (MG), em 2007, após um tremor de magnitude 4.9.
Já em 2021, chamou atenção popular um terremoto de 5.7 graus, com epicentro na Guiana, mas sentido em Roraima e no Amazonas.
Porque o Nordeste
A alta sismicidade nordestina pode ser explicada em parte por forças tectônicas gigantescas que atuam nesse momento na placa Sul-Americana, mas também por fenômenos que ocorreram antes da separação Brasil-África ocorrida há cerca de 105 milhões de anos.
“Nós temos no Nordeste uma densidade de fraturas tectônicas muito elevada e tensões que estão se acumulando na crosta. Ou seja, você tem um contexto ideal para terremotos, mesmo considerando que nós não somos uma margem ativa, como é a costa do Chile, e que nós estamos no centro de uma placa tectônica”, explica Rubson Maia.
A propósito, vale explicar a diferença entre placas, falhas e fraturas tectônicas. A crosta terrestre, que é apenas uma camada rochosa relativamente fina, não é uniforme e apresenta uma série de divisões. As maiores e mais conhecidas são as placas tectônicas, gigantescos blocos de rocha de proporções continentais e que estão em lenta, mas constante movimentação sobre uma camada de magma (lava vulcânica), chamada de manto.
Por sua vez, as falhas são rupturas de blocos de rocha de uma placa tectônica, que geralmente se manifestam em faixas estreitas da superfície. No Nordeste, a falha mais extensa é conhecida como Samambaia e atravessa parte do território do Rio Grande do Norte, tendo cerca de 38 Km de extensão e em média 4 Km de largura. Já as fraturas são quaisquer quebras de blocos de rocha, mesmo que esses não se manifestem na superfície e estejam, por vezes situadas em pontos profundos da crosta.
Em comum, onde há um dos dois fenômenos geológicos (ou ambos) a atividade sísmica costuma ser maior. O principal desencadeador de um terremoto, contudo, é a liberação de tensão acumulada na crosta por conta dos movimentos das placas. No caso da placa Sul-Americana, há dois movimentos principais: um na direção leste-oeste, que ao mesmo tempo nos afasta da África e nos faz colidir com a placa do Pacífico, e outro no sentido norte-sul.
O geógrafo Rubson Maia, faz uma analogia para explicar melhor como as diferentes forças envolvidas nesse movimento da placa podem resultar em sismos: “Vamos supor que que você deseje tirar o sofá do lugar. Daí você aplica uma determinada quantidade de força e o sofá não sai do lugar, mas, com aquela força que você está aplicando, o sofá está acumulando tensão. Então, o que acontece? Quando a força que você aplica for maior que esse coeficiente de atrito do sofá com o piso, ele sairá do lugar”.
“A mesma coisa acontece com a crosta. Ela está acumulando tensão a todo momento porque a placa está migrando e essa tensão será liberada em forma de terremoto quando for maior que o coeficiente de atrito das falhas ou fraturas”, conclui.
O risco de tsunamis devastadores
Durante muito tempo, sismólogos norte-americanos discutiram a possibilidade de um grande terremoto de proporções jamais vistas, apelidado de ‘The Big One’, ocorrer ao longo da falha de San Andreas, na Califórnia, e arrasar cidades como Los Angeles e San Francisco. A possibilidade foi alvo de uma série de filmes em Hollywood, com maior ou menor base na realidade científica.
Contudo, principalmente após a ocorrência dos tsunamis gerados por um abalo sísmico de 9.1 graus na escala Richter, com epicentro no Oceano Índico, em 2004, que vitimaram mais de 200 mil pessoas em diversos países da Ásia e da África, surgiu o temor de que um terremoto devastador pudesse ocorrer no Oceano Atlântico e atingir o litoral do Nordeste. A preocupação se agravou com mais um tsunami devastador registrado em 2011, no Japão, após um sismo de magnitude 9.0.
Porém, há alguma razão real para temer um tsunami? No Brasil, o único registro histórico e impreciso de algo parecido ocorreu em 1541, na cidade de São Vicente, considerada a primeira vila do Brasil. Segundo o professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC) Rubson Maia não é possível descartar essa hipótese, mas as chances são bem pequenas. “Nos últimos 15 ou 20 anos houve uma preocupação muito grande com as Ilhas Canárias (território no Atlântico, pertencente à Espanha) porque as ilhas oceânicas, geralmente, estão associadas à atividade vulcânica”, cita.
“Um vulcão é como se fosse uma garrafa de champanhe que você agita. Então, existe uma pressão enorme e uma rolha na boca do vulcão que é a rocha que resfriou após o último derramamento basáltico. Essa rolha fica sustentando a pressão até um dia em que explode. Por isso, geralmente o início das atividades vulcânicas são explosivos. Se você imaginar isso acontecendo em ilhas oceânicas pode haver a geração de tsunamis. As cidades que estão na costa do Nordeste do Brasil seriam as mais afetadas, caso isso ocorresse nas Ilhas Canárias”, explica o geógrafo.
Ele pontua, contudo, que não há motivos para se preocupar com tsunamis geradas por falhas encontradas no próprio território nordestino, uma vez que estas se formaram antes da separação entre Brasil e África e não se estendem até o leito oceânico, composto por rocha mais nova, geologicamente falando. Para o especialista, há mais motivos para preocupação com eventuais terremotos de magnitude superior a 5.2, tal como o registrado em 1980 no Ceará.
“Embora, não tenha tido historicamente o sismo de maior magnitude ainda, os maiores sismos que aconteceram aqui são muito próximos do maior sismo registrado no Brasil, tanto em termos historiográficos quanto de intensidade. A chance de acontecer um terremoto da mesma escala do registrado em Mato Grosso é muito alta, porque isso aconteceu no passado do Nordeste”, explica.
“Temos dados, de uma sismicidade mais antiga, que nos dizem que determinadas estruturas geológicas só se criam com sismos superiores à magnitude 4. E a gente encontra essas estruturas aqui no Nordeste. Então, não há motivos para acreditar que um terremoto maior não vá acontecer. A gente precisa estar preparado para esse tipo de fenômeno”, acrescenta o especialista.
Conforme Rubson Maia, a construção civil precisa estar atenta a esses riscos. A propósito, após o terremoto de 5.1 graus em João Câmara (RN), ocorrido há quase 35 anos, muitas casas daquele município foram reconstruídas com princípios de engenharia que podem reduzir os danos em caso de novos tremores de média ou alta magnitude.
Sabedoria sertaneja
Um aspecto curioso, no entanto, que revela talvez uma sabedoria inata do sertanejo é o fato de que as casas de barro, feitas em localidades mais remotas do interior nordestino, estarem entre as mais resistentes a terremotos.
“O barro quando resseca se fratura. Então, se você olha uma casa de barro, aquele material da parede não é coeso. É uma estrutura cheia de pedaços. É como se fosse um solo rachado. Quando passa uma onda sísmica, como a parede não tem integridade estrutural, no sentido de não ser uma coisa só, a dispersão da onda de choque é muito mais facilitada em relação a uma parede coesa de tijolos”, explica Rubson Maia.
Sem conhecimentos de engenharia e muito menos de sismologia, a força sertaneja, tal como observado por Euclides da Cunha, vai sobrevivendo terremoto a terremoto, seca a seca, batalha a batalha.